Acórdão nº 2567/21.0T8LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15-12-2022

Data de Julgamento15 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão2567/21.0T8LLE.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Proc. n.º 2567/21.0T8LLE.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Local Cível de Loulé – Juiz 2
Apelante: (…) – Companhia de Seguros, SA
Apelada: AA
***
Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)

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Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – RELATÓRIO
AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, emergente de acidente de viação, contra (…) – Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação desta última a pagar-lhe indemnização no montante global de € 15.926,00.
Alegou, em síntese, ter ocorrido um acidente de viação em que foram intervenientes o seu veículo automóvel e o veículo automóvel de matrícula ..-QN-.., a quem imputou a responsabilidade exclusiva pelo sinistro e cuja responsabilidade civil pelos danos emergentes de circulação rodoviária encontrava-se transferida, na data do sinistro, para a Ré através de contrato de seguro titulado por apólice.
Acrescentou que a Ré reconheceu e assumiu a responsabilidade do seu segurado pela eclosão do acidente, tendo, porém, em face dos custos da reparação, declarado a perda total do veículo e apresentado proposta de pagamento do valor venal do mesmo, mais esclarecendo não se conformar com tal posição, por entender que o seu veículo é passível de reparação, pretendendo, por isso, com a presente acção, obter a reposição natural clamando pelo pagamento do valor orçamentado para a reparação ou, subsidiariamente, que lhe seja entregue um veículo com as mesmas características, bem como indemnização pelo dano da privação do uso e pelos danos morais sofridos.
Devidamente citada, a Ré apresentou contestação na qual assumiu a responsabilidade do veículo seu segurado pela eclosão do acidente, sustentando que a reparação da viatura da Autora é demasiado onerosa, por o respectivo custo exceder mais de 100% do valor venal do veículo, razão pelo qual declarou a sua perda total, propondo-se pagar apenas aquele valor.
Acrescentou, ainda, não haver lugar a indemnização por privação do uso por ter sido declarada e comunicada a perda total do veículo e, bem assim, por não terem sido alegados factos susceptíveis de fundamentar essa indemnização, entendendo, ainda, que, além de o valor peticionado ser exagerado, os danos morais invocados não assumem gravidade merecedora da tutela do direito.
Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, fixando-se de seguida o objecto do litígio e enunciando-se os temas de prova.
Seguiu-se a realização de audiência final e proferimento da sentença, que contém o seguinte dispositivo:
“IV. DECISÃO
A) Condeno a Ré a pagar à Autora:
i) A quantia de € 8.346,00 (oito mil e trezentos e quarenta e seis euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
ii) A quantia de € 4.950,00 (quatro mil e novecentos e cinquenta euros) a título de indemnização por privação do uso, a que acrescem os juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
iii) A quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de compensação por danos morais.
B) Absolvo a Ré do demais peticionado.
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Custas a cargo da Autora e da Ré, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).”
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Inconformada, veio a Ré Seguradora apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação de Évora, alinhando as seguintes conclusões:
EM CONCLUSÃO
I. A matéria de facto constante no ponto no ponto 22 dos factos provados mostra-se julgada incorrectamente, por defeito, devendo ser alterada, ampliada e especificada de acordo com a prova produzida, designadamente pelas declarações confessórias da A e
depoimento da testemunha BB, de acordo com as passagens devidamente transcritas nas alegações.
II. De acordo com a prova produzida resultante das declarações da A. e da testemunha BB, verifica-se que. desde o acidente em que o veículo ficou danificado até que a Autora adquiriu um outro veículo usado em 15-10-2020, sempre a Autora usufruiu de veículo emprestado pela sua entidade patronal para todas as suas actividades profissionais e pessoais.
III. Face à referida prova produzida, ao ponto 22 dos factos provados deve ser dada a seguinte redacção:
“22- Até ao dia 15 de Outubro de 2020, data em que adquiriu a prestações um veiculo usado, a Autora sempre teve à sua disposição, gratuita e permanentemente, um outro veículo, nos primeiros vinte e cinco dias, atribuído pela seguradora, e posteriormente, pelo Notário Dr. BB, sua entidade patronal, os quais a Autora utilizava, quer para as suas deslocações para o Cartório Notarial onde trabalhava, quer para todas as demais actividades da sua vida pessoal”.
IV. Por força do disposto no artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil, se a reconstituição natural se mostrar excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro.
V. O disposto no artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil não colide com a regra geral da indemnização prevista no artigo 562.º do Código Civil, pois que aquela primeira disposição legal só se aplica caso se verifique que a reconstituição natural se mostra excessivamente onerosa para o devedor, situação em que a sua aplicação é mesmo obrigatória.
VI. O conceito de “onerosidade excessiva” da reconstituição natural previsto no artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil é preenchido por critérios objectivos económicos ou de valor por comparação entre o valor económico ou comercial do bem danificado e o custo da sua reparação, sempre visto pelo prisma do devedor.
VII. A reconstituição natural do veículo danificado nos autos, custando € 8.346,90 quando o mesmo vale apenas € 5.500,00, é, económica e objetivamente, excessivamente onerosa para o devedor por aquele custo ser muito superior ao valor do bem danificado.
VIII. O artigo 41.º do D.-L. 291/2007 densificando o conceito de “onerosidade excessiva” determina verificar-se perda total do veículo cuja reparação custa mais do que 120% do seu valor total.
IX. A Autora até 15 de Outubro de 2020 não sofreu um único dia de privação do uso do veículo automóvel por sempre ter à sua disposição o ter utilizado na sua vida corrente veículo automóvel fornecido gratuitamente pela sua entidade patronal.
X. A Autora não sofreu qualquer dano de privação de uso de veículo pelo que a esse título não tem direito a qualquer indemnização (artigo 483.º do Código Civil).
XI. Foram violadas, entre outras, as disposições conjugadas dos artigos 41.º do D.-L. n.º 291/2007, 483.º e 66.º, n.º 1, do Código Civil.
XII. O artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que a onerosidade excessiva da reconstituição natural é apreciada por critérios económicos, materiais e objectivos e vista pela perspetiva do devedor.
XIII. A interpretação feita pelo Meritíssimo Juiz a quo de que a onerosidade excessiva para o devedor é apreciada por critérios subjectivos do lesado não tem qualquer apoio, nem letra, nem no espírito do artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil, violando as regras da hermenêutica previstas no artigo 9.º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais do direito aplicável deve o presente recurso merecer provimento e por via dele ser revogada a douta sentença recorrida absolvendo-se a Ré do pagamento da quantia de € 4.950.00 em que foi condenada a título de indemnização por privação de uso e reduzida a condenação a título de danos sofridos pelo veículo da A de € 8.346,90 (valor estimado da reparação) para € 5.500,00 (valor comercial do veículo), com o que se fará a costumada JUSTIÇA”.
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A Autora apresentou resposta ao requerimento de recurso, concluindo no sentido do presente recurso “ser julgado improcedente, com as devidas e legais consequências”.
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O recurso foi correctamente admitido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Colheram-se os Vistos pelo que cumpre, agora, decidir.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo , pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte:
1- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
2- Reapreciação de mérito, incidente em saber se houve lugar à produção de dano de privação de uso da viatura sinistrada a ressarcir à Apelada e se a reparação da dita viatura se revela no caso concreto excessivamente onerosa para a Apelante.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Decorre da sentença recorrida o seguinte quanto à matéria de facto:
“A) Factos Provados
Com relevo para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1) No dia 13 de Maio de 2019, cerca das 08.30 horas, ao quilómetro ... da Estrada Nacional n.º ..., na denominada “Rotunda ...”, localizada na Freguesia ..., Concelho ..., ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros ..., modelo ..., matrícula ..-AU-.., que era conduzido pela Autora, sua proprietária, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros ..., modelo ..., matrícula ..-QN-.., que era conduzido por CC, seu proprietário.
2) O veículo automóvel conduzido pela Autora circulava na referida “Rotunda ...”, no sentido ... - ..., a uma velocidade aproximada de 40Km/hora quando ao tomar a via para sair na terceira saída, em direcção a ..., a cerca de 10 metros de sair da rotunda, foi atingido na sua parte lateral traseira
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