Acórdão nº 255/10.2BELRS-R1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-05-04

Ano2023
Número Acordão255/10.2BELRS-R1
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acórdão

I. RELATÓRIO

F. S. V. (E.) Limited (doravante Recorrente) veio recorrer do despacho proferido a 10.01.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), no qual se indeferiram as reclamações da conta apresentadas, designadamente a apresentada pela ora Recorrente.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A. O presente recurso tem por objeto a decisão da Meritíssima Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que, por despacho de 10.01.2022, indeferiu a reclamação da conta de custas deduzida pela ora recorrente em 24.06.2021 e assim manteve a conta de custas reclamada.

B. A decisão recorrida recusou que o douto acórdão do TCA Sul, proferido em 11.03.2021, tivesse dispensado a recorrente do excedente da taxa de justiça também na 1.ª instância, porque “parece-nos salvo melhor opinião que apenas na Instância superior foi dispensado taxa de justiça sobre o valor remanescente”.

C. Porém, nem a ora recorrente nem a AT encontram no acórdão de 11.03.2021 do TCA Sul qualquer restrição ao âmbito da dispensa do remanescente da taxa de justiça, sendo que a sua interpretação do aresto tem respaldo no Ac. da Relação de Évora, de 14.03.2019, no processo n.° 181/18.7T8STB-A.E1, em que se determinou que a avaliação dos pressupostos de que depende a dispensa do remanescente “apenas tem lugar uma vez, tendo em vista a globalidade do processo”.

D. Assim, a Meritíssima Juiz deveria ter determinado a reforma da conta reclamada, reconhecendo a dispensa do remanescente da taxa de justiça, conforme decidido pelo douto acórdão do TCA Sul, proferido em 11.03.2021.

E. Acresce que a decisão ora recorrida não faz qualquer referência ao artigo 14.°, n.° 9 do RCP, do qual resultava que não poderia ser assacada à recorrente a responsabilidade pelo pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, por esta ter logrado obter vencimento equivalente a 98,01% da sua pretensão.

F. A decisão recorrida é, pois, nula por omissão de pronúncia (artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do CPC) e viola o disposto no artigo 14.°, n.° 9 do RCP, que exigia a reforma da conta no sentido da dispensa do remanescente da conta.

G. A recorrente poderia aceitar que, à semelhança do decidido no acórdão da Relação de Coimbra, de 14.12.2020, no processo n.° 4016/08.0TBLRA-A.C1, fosse dispensada, pelo menos, do remanescente da taxa de justiça na proporção do seu vencimento.

H. O que a recorrente nunca poderia aceitar é interpretar-se o artigo 14.°, n.° 9 do RCP no sentido de apenas estar dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça a parte que tenha obtido vencimento integral, posto que este entendimento se deve reputar inconstitucional, por violação dos artigos 18.°, n.° 2 e 20.° da CRP.

Por fim, caso tudo o resto soçobrasse, sempre se dirá que a decisão recorrida errou ao aceitar que a conta pudesse liquidar um remanescente de taxa de justiça de 167 UC, uma vez que por força do disposto no n.° 6 do artigo 8.° da Lei n.° 7/2012, de 13 de fevereiro, o valor da causa nunca poderia exceder € 600.000,01.

J. Conforme esclarece o acórdão da Relação de Lisboa, de 18.09.2014, no processo n.° 5394/09.0TVLSB-B.L1-6, o regime de aplicação da lei no tempo consagrado pelo artigo 8.° da Lei n.° 7/2012 determina que “que o valor da causa é cristalizado na data da instauração do processo”.

K. A Meritíssima Juiz deveria, pois, ter determinado a reforma da conta reclamada, fixando o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta a sua complexidade e o regime contido no artigo 8.° da Lei n.° 7/2012, de 13 de fevereiro, nunca podendo este ascender a € 17.034,00.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, requer seja o presente recurso julgado inteiramente procedente, substituindo este Venerando Tribunal a decisão recorrida por outra que determine a reforma da conta reclamada, emitindo uma nova em conformidade com o exposto”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que o Acórdão proferido neste TCAS dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça em ambas as instâncias?

b) Há omissão de pronúncia, por não ter sido apreciado o alegado quanto à aplicação do art.º 14.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), não podendo ser assacada à Recorrente a responsabilidade pelo pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça?

c) Verifica-se erro de julgamento, uma vez que, atenta a data da propositura da impugnação, o valor da causa, para efeito de custas, não poderia ultrapassar os 600.000,01 Eur.?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. Para a apreciação do presente recurso, consideram-se provados os seguintes factos:

1) A Recorrente apresentou, junto do TTL, a 04.02.2010, impugnação judicial, tendo por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinentes aos exercícios de 1997 e 1998, tendo indicado como valor da causa 1.677.223,91 Eur., que deu origem ao processo 255/10.2BELRS (cfr. documento com o n.º 005164597 de registo no SITAF no TTL, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2) No âmbito do processo 255/10.2BELRS, foi proferida sentença, no TTL, a 30.05.2013, no âmbito da qual foi fixado como valor da ação o indicado na petição inicial e foram as partes condenadas nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, não tendo havido dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (cfr. documento com o n.º 004713136 de registo no SITAF neste TCAS, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

3) A Fazenda Pública (FP) apresentou recurso da sentença referida em 2), não tendo, nas respetivas alegações, sido invocado qualquer erro de julgamento quanto à fixação do valor da causa e quanto à condenação em custas (cfr. documento com o n.º 005596292 de registo no SITAF no TTL, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

4) A ora Recorrente apresentou contra-alegações, nas quais foi apenas contraditado o invocado pela FP nas suas alegações (cfr. documento com o n.º 005608740 de registo no SITAF no TTL, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

5) Na sequência do recurso apresentado, foi proferido, a 11.03.2021, acórdão neste TCAS, no qual foi negado provimento ao recurso apresentado pela FP e mantida a sentença na parte recorrida, condenando-se a ali Recorrente em custas, com dispensa do remanescente da taxa de justiça (cfr. documento com o n.º 004713135 de registo no SITAF neste TCAS, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

6) No TTL foi elaborada conta, a 28.05.2021, com o seguinte teor, na parte a cargo da ora Recorrente:

Imagem: Original nos autos

(cfr. documento com o n.º 004713134 de registo no SITAF neste TCAS).

7) A ora Recorrente apresentou reclamação da conta mencionada em 6), da qual consta designadamente o seguinte:

“1. A conta ora reclamada contemplou o remanescente da taxa de justiça a que alude o n.° 7 do artigo 6.° do RCP, no valor de € 17.034,00.

2. Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é somente liquidado na conta, a final, nos termos do n.° 7 do artigo 6.° do RCP, cabendo então ao juiz, oficiosamente ou a requerimento, dispensar as partes desse pagamento se a especificidade do processo o justificar.

3. Foi justamente o que sucedeu no caso dos presentes autos.

4.A Secretaria incorreu assim em erro, pois não terá suficientemente atentado na parte final do douto acórdão do TCA Sul proferido nos presentes autos em 11 de março de 2021, que consignou que na presente causa, "atento o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta, a saber, utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes", dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

5.Acresce que, nos termos do disposto no n.° 9 do artigo 14.° do RCP, "Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.° 7 do artigo 6.°, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final."

6.Também por essa via nunca poderia ser assacada à ora reclamante a responsabilidade pelo pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, uma vez que logrou obter vencimento da quase totalidade da sua pretensão.

7.Acresce ainda que, o valor da causa, para efeitos de custas, é "sempre fixado de acordo com as regras que vigoravam na data da entrada do processo", nos termos do disposto no n.° 6 do artigo 8.° da Lei n.° 7/2012, de 13 de Fevereiro.

8.Ora, à data em que este processo deu entrada em juízo, em 04 de Fevereiro de 2010, determinava o RCP que o valor da causa, para efeitos de custas, nunca poderia exceder € 600.000,01, sendo a taxa de justiça devida fixada a final entre 20 e 60 unidades de conta (UC) em função do seu valor e complexidade.

9.Por outras palavras, "o art. 8° da lei n° 7/2012, de 13 de Fevereiro, consagrou, em matéria de custas judiciais, um regime de aplicação da lei no tempo que admite a aplicabilidade da lei nova aos processos pendentes, ressalva vantagens adquiridas e pagamentos feitos (...), e estabelece que o valor da causa é cristalizado na data da instauração do processo" (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Setembro de 2014 — negrito e sublinhado nossos).

10.Sempre seria por isso ostensivamente errado o remanescente...

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