Acórdão nº 2460/19.7 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-06-02

Data de Julgamento02 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão2460/19.7 BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Ministério da Administração Interna, devidamente identificado como entidade demandada nos autos de acção administrativa instaurada por V..., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 30.11.2021, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou procedente a presente acção e, em consequência, anulou a decisão impugnada, com todas as consequências legais.

O Recorrido contra-alegou, sem formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.

Foi proferida decisão sumária pelo relator que negou provimento ao recurso interposto e, em consequência, manteve a decisão recorrida na ordem jurídica.

A Recorrida reclamou para a conferência, concluindo:
«I- A douta decisão sumária conclui nos seguintes termos: “Em face do que é evidente que não assiste razão ao Recorrente, pelo que o presente recurso não pode proceder” (cf. pág. 9). Ora,
II- Não só não é evidente a decisão alcançada pela douta decisão reclamada, como o Ministério se propõe demonstrar que a interpretação esclarecida do ordenamento jurídico aponta em sentido diverso daquele que foi apontado pela douta decisão da Senhora Desembargadora.
III- E, sendo assim, impõe-se a constatação de que o coletivo do Tribunal Central deve reunir para deliberar, por não estarem reunidos os pressupostos – previstos no artigo 656º do Código de Processo Civil (CPC) – para a Senhora Desembargadora Relatora “julgar sumariamente o objeto do recurso”, nos termos do artigo 652º, nº 1, al. c), do CPC, ambos ex vi artigo 1º do CPTA.
IV- O Ministério reclama para a conferência porque a presente questão está muito longe de ser “simples” (cf. artigo 656º do CPC). E tanto assim é que o Ministério julga poder demonstrar que a douta decisão sumária se equivocou, incorrendo em erro de interpretação sobre o direito aplicável.
V- O Ministério considera que é incorreto que o termo final da contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar corresponda à data em que “a decisão punitiva se tornou irrecorrível” – como refere o artigo 56º do mesmo RD/PSP, mas para tratar uma situação totalmente diferente.
VI- É inquestionável que esse deverá ser o termo inicial da contagem do prazo de prescrição da pena, mas não é correto que esse deva ser o termo final do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.
V- É que, ao contrário do que defende a douta decisão reclamada, o que caracteriza o decurso do prazo de prescrição do procedimento não é a circunstância de a decisão punitiva poder ainda ser impugnada. Não:
VI- O que caracteriza o decurso desse prazo é a situação de indefinição da entidade com competência disciplinar acerca da posição que vai tomar perante o conhecimento da existência de uma infração disciplinar praticada por um seu agente: quando essa entidade competente decide arquivar o processo ou quando decide punir, está a pôr termo a esse período de indefinição de que a lei não permite que o arguido fique refém. Assim,
VII- O termo final da contagem do prazo de prescrição do procedimento corresponde à “decisão” a que alude o artigo 88º do RD/PSP – e a “decisão final” a que alude o artigo 101º do EDPSP de 2019 –, que é tomada pelo órgão hierárquico competente (de acordo com o QUADRO ANEXO B), no termo do processo disciplinar.
VIII- A douta decisão erra, pois, quando confunde o termo final da contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar com a data em que “o ato punitivo se torne inimpugnável”.
IX- E erra quando considera que esse é o critério relevante pelo facto de o RD/PSP de 1990 prever a existência de um recurso hierárquico necessário.
X- Como se mostra na reclamação e no recurso, o CPA não distingue entre recurso necessário e facultativo, no que toca aos efeitos jurídicos da não decisão do recurso no prazo legal: o artigo 198º, nº 4, aborda expressamente o recurso hierárquico necessário, fixando (por isso) um regime comum para o recurso hierárquico necessário ou facultativo. Ora,
XI- A verdade é que a Doutrina administrativista desde há muito indicava precisamente esse caminho (cf. ponto 4.4. da reclamação).
XII- Por outro lado, como o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de junho de 2018 (proc. nº 0299/18), mostrou, a prescrição do procedimento “tem carácter substantivo”, ou seja, é fixada para garantia do arguido. Concretamente, para garantir o direito de o arguido saber, num prazo razoável, se a sua conduta se reveste, ou não, de relevância disciplinar.
XIII- Significa que a questão em apreço tem de ser analisada na óptica do arguido. Ora, como mostrámos, a situação de indefinição em que o arguido se mantém enquanto a entidade com competência disciplinar não tenha tomado posição sobre a censurabilidade da sua conduta termina quando a entidade que obriga a Corporação (cf. QUADRO ANEXO B ao RD/PSP) ou decide arquivar ou decide punir. Por isso,
XIV- Esse é o momento que marca o termo final da contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, e não quando “o ato punitivo se torne inimpugnável”, como tem sido entendido.
Termos em que, com o douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, deve o Tribunal Central Administrativo admitir a presente reclamação para a conferência e, depois, emitir acórdão em que julgue procedente a posição defendida pelo Ministério Recorrente, anulando a decisão de 1ª instância.

Notificado do requerimento da reclamação para a conferência, o Recorrido não respondeu.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635º, nº 4, do CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artigo 636º, nº 1 do mesmo Código, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. Ou pode apenas requerer que sobre a matéria recaia acórdão, ao abrigo do mencionado nº 3 do artigo 652º idem.
A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar a questão suscitada pelo Recorrente, agora reclamante, em sede de conclusões do recurso, fazendo retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior à decisão sumária proferida porque são as conclusões das alegações de recurso que fixam o thema decidendum.

Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A. A Douta Sentença recorrida defende que o termo ad quem ou final do prazo de prescrição do procedimento disciplinar é a data da decisão final e, esta, é a decisão do Ministro da Administração Interna.
B. Porém, Venerandos Desembargadores, a tese da Douta Sentença quanto à coincidência entre a decisão final e a decisão do órgão ad quem não é conforme à realidade do ordenamento jurídico português.
C. Assim, a Douta Sentença não está em condições de anular a posição que este Ministério, agora recorrente, defende, uma vez que não interpreta adequadamente as opções legislativas na matéria.
D. A lei, quer o Regulamento Disciplinar da PSP (RDPSP), quer o CPA, distinguem com inteira clareza a fase do procedimento administrativo, da fase impugnatória da decisão administrativa: no RDPSP, a primeira está regulamentada nos artigos 60.º a 89.º e a segunda nos artigos 90.º a 96.º; e, no CPA, a primeira nos artigos 53.º a 174.º e a segunda nos artigos 184.º a 199.º. Podemos acrescentar que
E. O novo EDPSP mantém, exatamente, a mesma metodologia: o procedimento disciplinar é tratado nos artigos 60.º a 102.º e a fase dos recursos nos artigos 103.º a 109.º.
F. Acolhendo o distinguo fixado pelo legislador – como é de regra na interpretação das leis –, este Ministério defende que o termo final do prazo de prescrição do procedimento disciplinar há de corresponder à decisão tomada no termo do processo disciplinar, pela entidade com competência disciplinar, à luz do fixado no quadro anexo B do RDPSP.
G. Concretamente, no caso em apreço, essa decisão é a «Decisão» a que alude o artigo 88.º do RDPSP, e, à luz do novo EDPSP, será a «Decisão final» do artigo 101.º;
H. Essa decisão é verdadeiramente um ato administrativo, tal como ele é definido no artigo 148.º do CPA, na medida em que o seu autor dispõe de competência plena (cf. quadro anexo B), isto é, competência dispositiva para vincular a Corporação. Ora,
I. Como, de acordo com a lei, a instauração do processo disciplinar visa atingir um de dois desideratos – ou o arquivamento ou a punição disciplinar (cf. artigos 87.º, n.º 1, e 88.º do RDPSP) –, com a decisão do artigo 88.º põe-se termo à situação de indefinição acerca do exercício do poder disciplinar; ou seja, põe-se termo à contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, porque é nisso que consiste a prescrição.
J. E, isto que se defende, foi reforçado com a revisão do CPA, em 2015, tendo em vista a centralidade da emissão do ato administrativo,...

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