Acórdão nº 2457/22.0T8LRS-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 21-11-2023

Data de Julgamento21 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão2457/22.0T8LRS-A.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


A. Relatório


A.A.- Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

Por apenso à execução que lhes move LIP S.A.R.L., RP e IV deduziram os presentes embargos de executado, pedindo que “se determine a extinção da execução quanto [aos executados] (…), absolvendo-[os] da instância executiva”.
Para tanto, alegaram que:
a) estão reunidos os pressupostos para a integração dos embargantes e do débito exequendo num PERSI (Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro);
b) a instituição de crédito mutuante nunca integrou os embargantes num PERSI;
c) por esta razão, a instituição de crédito mutuante não podia ter cedido o seu crédito à embargada nem esta podia ter instaurado a presente execução;
d) a omissão de integração do mutuário num PERSI constitui uma exceção dilatória insuprível;
e) a mora dos embargantes não foi convertida em incumprimento definitivo;
f) o banco cedente não interpelou previamente os embargantes para o pagamento da totalidade da quantia mutuada e respetivos juros contratuais.
Notificada a embargada, ofereceu esta a sua contestação, alegando:
a) não estar sujeita à obrigatoriedade de desenvolver um PERSI, não lhe sendo oponível o incumprimento de tal obrigação pela cedente do seu crédito;
b) ter enviado aos embargantes cartas de interpelação.

Por sentença final, o tribunal a quo julgou os embargos procedentes, concluindo nos seguintes termos: “Julgo extinta a execução, absolvendo-se os executados da instância executiva”.
Inconformada, a embargada apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
E.- No seguimento dos contratos de mútuo celebrados e incumpridos pelos recorridos, foram os mesmos integrados em PERSI (…).
G.- A decisão prolatada pelo tribunal a quo não julgou provado o envio de tais comunicações [de inclusão no PERSI], designadamente, por falta de prova documental que o atestasse. (…)
L.- A comunicação enviada em carta para os recorridos consubstancia comunicação em suporte duradouro. (…)
Q.- Sendo que constitui prova bastante do cumprimento da exigência de integração em PERSI a junção de cópia das comunicações exigidas por lei.
U.- Conheceu ainda o tribunal a quo acerca da não comunicação do encerramento do PERSI. (…)
X.- Novamente, sem que tenha sido suscitado em qualquer outro momento processual, pelas partes, ou até pelo próprio tribunal.
Y.- Pelo que não teve a recorrente oportunidade de se pronunciar sobre tal factualidade e que é essencial à boa decisão da causa.
Z.- Estamos, pois, na presença de uma decisão-surpresa, proibida pelo art.º 3.º, n.º 3 do C.P.C., por contender com um dos princípio basilares do nosso ordenamento jus-processual – o princípio do Contraditório. (…)
DD.- Designadamente, está em causa a nulidade da sentença proferida, nos termos do art. 615.º, n.º 1, d), do Cód. Proc. Civil.
Os apelados contra-alegaram, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.

A.B.- Questões que ao tribunal cumpre solucionar
Das duas questões suscitadas pela apelante, tem precedência lógica a arguição de nulidade da sentença, por, supostamente constituir, em parte, uma decisão-surpresa.
A segunda questão a enfrentar prende-se com a prova bastante do cumprimento da exigência de integração dos mutuários num PERSI.
*

B.Fundamentação

B.A.Factos provados
1.- Titularidade do crédito exequendo
A.- A LIP S.A.R.L., (…) celebrou com o NB, S.A. um “Contrato de Cessão de Créditos”, em 22 de dezembro de 2018, mediante o qual a referida entidade cedeu (…) os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os executados.
B.- O NB, S.A., (…) [tem por] objeto social (…) a “Administração de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do BES, S.A. para o NB, S.A., e desenvolvimento das atividades transferidas (…)”.
C.- A exequente é dona e legítima portadora de uma livrança preenchida pelo montante de € 5.362,49 (…).
D.- A referida livrança foi subscrita por RP e IV, aqui embargantes, vencida em 01/10/2021.
E.- Tal livrança foi subscrita para garantia da boa execução do contrato de financiamento n.º 03......71, celebrado entre o então BES e os executados em 17/05/2007, com a finalidade de crédito ao consumo.
F.- A exequente é dona e legítima portadora de uma livrança preenchida pelo montante de € 9.706,52 (…).
G.- A referida livrança foi subscrita por RP e IV, aqui embargantes, vencida em 01/10/2021.
H.- Tal livrança foi subscrita para garantia da boa execução do contrato de financiamento n.º 03......68, celebrado entre o então BES e os executados em 19/09/2011, com a finalidade de crédito ao consumo.

2. Exercício do crédito exequendo
I.- A exequente, através de cartas datadas de 23/09/2021, comunicou aos embargantes o preenchimento das livranças e respetivas datas de vencimento.
J.- Os embargantes receberam as cartas referidas em I.
K.- Apresentadas a pagamento na data e local do seu vencimento, as livranças não foram pagas.
L.- Através de cartas datadas de 15/01/2013 e de 07/02/2013, o banco mutuante comunicou aos embargantes a integração no PERSI.

B.B. Arguição de nulidades (vícios processuais)
1.- Excesso de pronúncia de facto
Alegou a apelante que, na sentença, conheceu “o tribunal a quo acerca da não comunicação do encerramento do PERSI.”, sem que esta questão “tenha sido suscitada em qualquer outro momento processual, pelas partes, ou até pelo próprio tribunal”. No entender da embargada, esta pronúncia encerra uma decisão-surpresa, ferindo a sentença de nulidade, por força do disposto no art. 615.º, n.º 1, d), do Cód. Proc. Civil.
Com relevo para a abordagem desta questão, na sentença recorrida, podemos ler:
“Factos não provados:
(…)
2.- Foi comunicado aos embargantes a extinção no PERSI.
(…)
Do Direito
(…)
Por se tratar de regime de implementação de carácter obrigatório (…), vem a nossa jurisprudência entendendo que a demonstração do prévio cumprimento da implementação do PERSI constitui uma exceção dilatória (…). // Cabe, por isso, à instituição de crédito, para além da alegação, a demonstração da implementação e extinção do PERSI. (…)
Não ficou, in casu, demonstrado nos autos que foi comunicado aos clientes bancários a abertura e encerramento do PERSI, pelo que falta uma condição de procedibilidade da execução. Assim, e em conformidade com o exposto, é de absolver os executados da instância (…)”.

Importa começar por notar que o tribunal a quo não fundou a sua decisão na circunstância de figurar entre os factos provados a não comunicação do encerramento do PERSI – até porque este facto negativo não consta do leque de factos provados. Sustentou, sim, a sua decisão na circunstância de não figurar entre os factos provados tal comunicação – isto é, não ficou provado o facto positivo. Na sua dimensão de facto, a pronúncia do tribunal sobre a comunicação do encerramento do PERSI é, por conseguinte, totalmente inconsequente, podendo ser suprimida da sentença sem nenhuma repercussão sobre a sorte do litígio
O excesso de pronúncia de facto pode ser enfrentado pelo tribunal ad quem, mesmo nos quadros do art. 662.º do Cód. Proc. Civil, mediante a mera desconsideração do facto objeto de pronúncia não adquirido processualmente (art. 5.º do Cód. Proc. Civil). Expurgado este facto, a causa será decidida sem o ter por fundamento e, se, efetivamente, nele tiver assentado a decisão de mérito, será proferida decisão de sentido contrário. De outro modo, fica demonstrada a irrelevância da pronúncia em questão.
E tal pronúncia excessiva irrelevante ocorre, invariavelmente, quando a decisão de facto é de não prova de um facto não validamente adquirido pelo processo pelos meios previstos no art. 5.º do Cód. Proc. Civil. Neste caso, a decisão de facto não é nula, enfermando, sim, a sentença que a corporiza de uma mera irregularidade, pois inclui um enunciado irrelevante para a sua decisão – à semelhança do que sucederia se entre os factos não provados constasse que o embargante não é adepto do Clube de Futebol de Madrid ou que os embargantes tiveram um filho varão.

2. Omissão do convite ao aperfeiçoamento do articulado
Poder-se-á sustentar que o facto não alegado em causa é relevante para a sorte da ação. No entanto, se assim é, o problema em discussão já não reside na pronúncia do tribunal, mas sim na não articulação de ta facto pela parte onerada com a sua alegação e prova. Ou seja, o problema será já o de preterição do dever de convite (à embargada) ao aperfeiçoamento do seu articulado, mediante a alegação do facto dito essencial supostamente em falta.
Apenas nos casos em que a decisão do caso assenta na não verificação dos factos essenciais não alegados se pode afirmar a ocorrência da omissão do dever de convite ao aperfeiçoamento do articulado. Não sendo este o caso, o convite é inútil, não se podendo dizer, em rigor, que existe uma insuficiência ou imprecisão na articulação da matéria de facto relevante para a concreta correta decisão da causa.
Ou seja, nos casos em que a decisão da causa assenta em diferente fundamento – não assentando na não alegação (ou não ocorrência) do facto não articulado –, e que, em via de recurso, o tribunal da Relação entende não enfermar ela de erro de julgamento de mérito, a dita omissão do convite ao aperfeiçoamento do articulado – que seria motivado pela relevância do facto à luz de uma solução plausível para a questão de direito não adotada – não fere a sentença de nenhum vício. Assim é, desde logo, porque a anomalia designada de “omissão de convite ao aperfeiçoamento do articulado” consubstancia-se na prolação de uma decisão sem contraditório, e não (abstraindo-nos da ulterior prolação da decisão-surpresa) na efetiva omissão de um ato processual em fase anterior. Inexiste omissão de contraditório prévio à decisão; o que existe é uma decisão sem o contraditório prévio devido.
Importa, pois, verificar se a decisão
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