Acórdão nº 2434/21.8T8MAI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 19-12-2023

Data de Julgamento19 Dezembro 2023
Número Acordão2434/21.8T8MAI.P1
Ano2023
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 2434/21.8T8MAI.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 4

Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: Manuela Machado
2º Adjunto: Paulo Dias da Silva
*
Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I.
AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de 16.026,31 euros, acrescida de juros de mora a contar desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para fundamentar a pretensão aduziu terem sido sócios da sociedade comercial por quotas denominada A..., Lda, sendo ambos detentores de uma quota de 2.500,00 euros, no total do capital social de 5.000,00 euros. A gerência da sociedade era desempenhada por ambos, cuja assinatura conjunta obrigava a sociedade. A sociedade foi dissolvida, com dívidas à Segurança Social, a qual instaurou processos de reversão fiscal contra o autor, na qualidade de sócio-gerente, na sequência dos quais e para evitar penhoras ou venda de património, o autor celebrou acordos de pagamento em prestações que foi cumprindo com dificuldades. Em 26 de novembro de 2020, o autor terminou os pagamentos em falta, num total de 31.153,94 euros, reclamando o direito de regresso contra o réu de metade desse valor (15.576,97 euros), por se tratar de dívida da sociedade de que ambos foram gerentes.
Citado o réu, o mesmo apresentou contestação, aceitando a factualidade atinente à sociedade, mas impugnando o demais alegado.
Excepcionou a incompetência material do tribunal, pugnando tratar-se de matéria do foro dos tribunais tributários. Mais excepcionou a prescrição, por entender já ter decorrido o prazo de 5 anos que defende aplicar-se à situação dos autos. Por fim, refere que autor e réu acordaram em partilhar os pagamentos das dívidas fiscais da sociedade: o autor pagaria as dívidas à Segurança Social e o réu à Autoridade Tributária, sendo certo que o réu ainda liquidou algumas das prestações da Segurança Social, a pedido do autor. Donde a extinção da obrigação reclamada pelos institutos do pagamento e da compensação. Acresce que a Segurança Social, em consequência dos incumprimentos do autor, tentou reverter para o réu algumas dessas dívidas, o que foi indeferido pelo Tribunal Administrativo, entendendo por ilógico que fosse declarado que não existe qualquer dívida do réu à Segurança Social, mas que a mesma dívida onera o réu em relação ao autor.
Conclui pedindo a sua absolvição da instância e do pedido, por entender não ter qualquer responsabilidade pelo pagamento do montante peticionado nos autos.
Após convites ao aperfeiçoamento a ambas as partes, foi proferido despacho saneador onde se procedeu à identificação do objeto do litígio, bem como à enunciação dos temas da prova.
Foi realizada audiência final, com cumprimento dos formalismos legais.
Foi proferida sentença, a qual decidiu da parcial procedência da acção, condenando o réu a pagar ao autor a quantia de 15.901,31€ (quinze mil, novecentos e um euros e trinta e um cêntimos), acrescida de juros de mora a contar desde a citação até integral pagamento.
É desta decisão que vem interposto recurso de apelação, concluindo o Réu/Recorrente nos seguintes termos:
A. O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre toda a matéria factual constante da contestação, o que constitui uma nulidade nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
B. Os factos em causa, confessados pelo autor e omitidos na Sentença, levantam várias questões jurídicas, inclusive na óptica da interpretação das normas efectuada pelo Tribunal recorrido.
C. Cumulativamente, o réu não se conforma com a Sentença recorrida por discordar com a fundamentação jurídica constante da mesma.
D. É essencial salientar que, nos presentes autos, estamos perante uma questão fiscal relativa ao instituto jurídico da “prescrição fiscal”, com especificidades que divergem frequentemente do estabelecido na lei civil.
E. Desde logo, a “prescrição fiscal”, sendo extintiva e não presuntiva, é de conhecimento oficioso pelo Tribunal como refere o artigo 175.º do CPPT “A prescrição ou duplicação da colecta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito.”, ao contrário do que sucede com a prescrição civil.
F. Assim, é indubitável que a natureza jurídica da “prescrição fiscal” é mais próxima da caducidade civil do que a sua homónima constante do CC.
G. Por esse motivo, entendemos que não será de aplicar o artigo 521.º do CC aos casos de reversão fiscal, dado que a “prescrição” aí referida não coincide com a natureza jurídica da “prescrição fiscal”, a qual se deve qualificar como uma prescrição imprópria sujeita a um regime especial em relação ao regime geral da lei civil.
H. Não sendo aplicável o artigo 521.º do CC, e não tendo sido declarada a reversão fiscal das dividas societárias para o réu pela Segurança Social, inexiste fundamento legal para o autor reclamar sobre o réu qualquer direito de regresso nos presentes autos.
I. Consequentemente, por este motivo, concluímos que se verificou um erro de julgamento pelo Tribunal recorrido, devendo a Sentença recorrida ser anulada e o réu absolvido do pedido.
J. Mais, sem prejuízo do acima exposto, no que concerne ao regime legal das reversões fiscais das sociedades comerciais para os seus representantes legais, a Lei Geral Tributária (LGT) estabelece o seguinte no seu artigo 23.º “A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.”
K. Ou seja, ao contrário das obrigações civis onde a lei ou um contrato determinam os devedores, na reversão fiscal é o acto administrativo que determina e define a relação tributária dos devedores subsidiários com a Segurança Social e entre os mesmos.
L. Sem esse acto administrativo da reversão não existe obrigação fiscal do responsável subsidiário.
M. Na presente situação, o Tribunal recorrido, confrontando-se com duas sentenças do Tribunais Tributários a negarem a reversão fiscal contra o réu, resolveu mesmo assim reconhecê-la e definir os seus contornos e limites, e, consequentemente reconhecer o direito de regresso do autor com fundamento na solidariedade determinada pela lei fiscal.
N. De acordo com o artigo 49.º c) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, os Tribunais Tributários são competentes para conhecer “Das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal”.
O. Simultaneamente, o artigo 9.º do CPPT afirma o seguinte: 1 — Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
2 — A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal.
3 — A legitimidade dos responsáveis subsidiários resulta de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários.
4 — Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.
P. Ou seja, se o autor pretendia ver reconhecido o seu direito de regresso, tinha de ver reconhecida, como condição prévia, a obrigação fiscal subsidiária do réu para com a Segurança Social perante um Tribunal Tributário, bem como o próprio direito de regresso, o que não sucedeu.
Q. Assim, com o devido respeito e de acordo com as normas apontadas, os Tribunais Judiciais não têm competência para reconhecer esse direito de regresso do
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT