Acórdão n.º 239/2021

Data de publicação21 Maio 2021
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 239/2021

Sumário: Decide, com respeito às contas relativas à campanha eleitoral para a Eleição de 2015 dos deputados à Assembleia da República, julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo partido LIVRE, reduzindo o montante da coima aplicada ao Partido.

Processo n.º 860/20

Aos vinte e um dias do mês de abril de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.

Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:

I - Relatório

1 - Por decisão de 29 de maio de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Partido LIVRE, na altura designado «Livre/Tempo de Avançar» [artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante «LFP») e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, doravante «LEC»)].

2 - Desta decisão não foi interposto recurso.

3 - Na sequência da decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o LIVRE pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão.

4 - No âmbito do procedimento contraordenacional instaurado (Processo n.º 41/2019), por decisão de 30 de julho de 2020, a ECFP aplicou ao LIVRE uma coima no valor de (euro)5.538,00, equivalente a 13 (treze) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.

5 - Inconformado, o arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), alegando, em síntese, que a decisão não contém factos que fundamentem a atuação do Partido com dolo eventual, nem consciência da ilicitude, o que implica a sua absolvição, ao mesmo tempo que sustenta que a coima aplicada é injusta e desproporcional em face da reduzida gravidade da conduta e da ausência de benefício dela retirado e dos fatores atenuantes decorrentes da pequena dimensão e inexperiência do Partido, pugnando, a final, pela aplicação de uma admoestação ou, subsidiariamente, pela redução do montante da coima ao mínimo legal.

6 - Recebido o requerimento de recurso da decisão de aplicação de coimas, a ECFP, ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, sustentou a decisão recorrida e determinou a sua remessa ao Tribunal Constitucional.

7 - O Tribunal Constitucional admitiu o recurso e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

8 - O Ministério Público emitiu parecer sobre o recurso da decisão sancionatória da ECFP, pronunciando-se pela sua improcedência.

9 - Notificado de tal parecer, o arguido nada disse.

II - Fundamentação

[Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais]

10 - A Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, veio alterar a LFP e a LEC, introduzindo mudanças significativas no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Tendo em conta que, à data de entrada em vigor dessa Lei - 20 de abril de 2018 (cf. o seu artigo 10.º) -, os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da mesma Lei.

[Do recurso da decisão da ECFP sobre a responsabilidade contraordenacional em matéria de contas de campanha]

A - Fundamentação de facto

11 - Factos provados

Com relevância para a decisão, provou-se que:

Da decisão recorrida:

1 - O LIVRE é um partido político português, constituído em 19 de março de 2014, cuja atividade se encontra registada junto do Tribunal Constitucional.

2 - O Partido - na altura, designado «Livre/Tempo de Avançar» - apresentou candidatura às eleições para a Assembleia da República, realizadas a 4 de outubro de 2015.

3 - O Partido apresentou junto do Tribunal Constitucional as respetivas contas relativas à campanha eleitoral mencionada em 2..

4 - Nas contas apresentadas:

4.1 - Não foram entregues o balancete do razão geral antes do apuramento de resultados das contas de campanha, o balancete do razão geral depois do apuramento de resultados das contas de campanha, o balancete analítico antes do apuramento de resultados das contas de campanha, os extratos de conta de cada uma das rubricas das demonstrações financeiras e o Anexo às contas de campanha.

4.2 - O valor total das receitas de campanha corresponde a (euro)23.767,54, o qual é divergente do valor de (euro)25.944,04 inscrito no mapa dos valores totais das receitas.

4.3 - O resultado da campanha, resultante da diferença entre o valor total das receitas e o valor total das despesas, tem o valor (euro)-106.996,19, divergente do resultado de campanha registado na Demonstração de Resultados, que apresenta o valor de (euro)-107.011,79.

4.4 - Na Demonstração de Resultados não se encontram refletidos os montantes respeitantes aos donativos em espécie, no valor de (euro)676,50, bem como às cedências de bens a título de empréstimo, no valor de (euro)1.500,00.

4.5 - Na Demonstração de Resultados consta o montante de (euro)15,60, correspondente a despesas bancárias, o qual não se encontra registado nas despesas apresentadas.

4.6 - No Balanço da Campanha o total do ativo, no valor de (euro)9.760,81 (na rubrica de caixa e depósitos bancários), diverge do total de fundos patrimoniais e de passivo, no valor de (euro)88.605,26 (correspondente ao saldo da rubrica de fornecedores) e não foi considerado, na sua preparação, o resultado apurado na campanha.

5 - O Partido utilizou, como conta bancária de campanha, a conta n.º 250007066130, do Banco Caixa Geral de Depósitos, S. A.

6 - Nos extratos bancários apresentados existe o movimento a crédito na conta bancária da campanha, ocorrido no dia 03/10/2015, com a descrição no extrato bancário "EmprestimoCampanha", no valor de (euro)3.000,00, sendo que nas contas apresentadas inexiste suporte documental a ele associado.

7 - Nas contas apresentadas foram registadas as seguintes receitas sem que tenha sido exibida a respetiva documentação de suporte:

7.1 - Em 19/06/2015, ação de angariação de fundos designada "Jantar/Debate na Voz do Operário em Lisboa", no valor de (euro)1.183,00, o qual não está titulado por meio bancário e não deu entrada na conta bancária da campanha.

7.2 - Em 29/09/2015, ação de angariação de fundos designada "angariação de fundos sede de campanha em Setúbal", no valor de (euro)79,60, o qual não está titulado por meio bancário e não deu entrada na conta bancária da campanha.

7.3 - Em 02/10/2015, ação de angariação de fundos designada "Comício de Encerramento", "Teatro «A Barraca»", no valor de (euro)466,70, o qual não está titulado por meio bancário e não deu entrada na conta bancária da campanha.

7.4 - Em 07/08/2015, donativo em espécie de "Azulejos", por Ana Cordovil, no valor de (euro)61,50.

8 - Ao agir conforme descrito em 4. a 4.6. dos factos provados, não entregando os documentos descritos e apresentando o mapa da totalidade das receitas, o balanço e a demonstração de resultados nos termos descritos, o arguido representou como possível que tal não demonstrasse todas as receitas e despesas da campanha eleitoral, nem a sua origem, destino e motivo, e conformou-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.

9 - Ao agir conforme descrito em 6. dos factos provados, não entregando documento de suporte respeitante ao movimento a crédito na conta bancária da campanha, o arguido representou como possível que tal não demonstrasse a real origem e motivo da receita e conformou-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.

10 - Ao agir conforme descrito em 7. a 7.4. dos factos provados, registando nas contas receitas provenientes de ações de angariação de fundos cujo valor não estava titulado por meio bancário e não deu entrada na conta bancária da campanha, e de donativos em espécie sem a junção da respetiva documentação de suporte, o arguido representou como possível que tal não demonstrasse a real origem e motivo das receitas da campanha eleitoral e conformou-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.

11 - O arguido sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

12 - O LIVRE, nas contas referidas em 4., registou receitas no valor total de (euro)23.767,54 e despesas no valor total de (euro)130.763,73.

13 - O LIVRE não recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa às eleições mencionadas em 2.

Do recurso:

14 - As eleições referidas em 2. foram as primeiras eleições para a Assembleia da República a que o Partido LIVRE se candidatou.

15 - O LIVRE no Balanço de 2014 registou um total de fundos patrimoniais e de passivo no valor de (euro)4.500,86.

16 - O LIVRE no Balanço de 2016 registou um total de fundos patrimoniais e de passivo no valor de (euro)9.618,98.

17 - O LIVRE no Balanço de 2017 registou um total de fundos patrimoniais e de passivo no valor de (euro)11.584,15.

18 - O LIVRE no Balanço de 2018 registou um total de fundos patrimoniais e de passivo no valor de (euro)12.569,01.

[Com interesse, nenhum outro facto se provou.]

12 - Motivação da matéria de facto

Na decisão sobre a matéria de facto (a qual, de resto, não foi posta em causa pelo...

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