Acórdão nº 2374/21.0T8STS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão2374/21.0T8STS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 2374/21.0T8STS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 5

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.
No Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), em que são requerentes AA e BB, foi, por despacho de 16.09.2021, nomeador administrador judicial provisório CC, escolhido aleatoriamente através de aplicação informática disponibilizada no CITIUS, ao abrigo do disposto no artigo 13.º, n.º 2 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro.
Por sentença de 9.02.2022 foi homologado o Plano de Pagamento dos devedores.
A 24.02.2022 o administrador judicial provisório pronunciou-se quanto ao valor da remuneração que entende ser-lhe devida, tomando os devedores posição sobre tal questão através do requerimento que apresentaram a 9.03.2022.
Por decisão de 16.03.2022 foi fixada em € 2.000,00 a remuneração devida ao administrador judicial provisório, a cargo dos devedores.
2. Inconformado com esta decisão, dela veio o Sr. Administrador Judicial Provisório interpor recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho judicial que fixou a remuneração do administrador judicial provisório (supõe-se que atinente à componente variável), ora recorrente, na quantia de €2.000,00.
2. Salvo o devido respeito, discorda-se da decisão proferida, por se entender que a mesma não se adequa ao regime jurídico regulador da matéria atinente à remuneração devida ao administrador judicial provisório (AJP) em Processo Especial de Acordo de Pagamento (PEAP), pelo que o presente recurso versa unicamente sobre matéria de direito e abrange apenas a parte relativa à fixação da componente variável da remuneração ao AJP, que deverá, no nosso modesto entendimento, ser fixada com base em critérios e montante diversos dos que foram determinados, se preenchidos os respectivos pressupostos legais.
3. Por requerimento apresentado nos autos em 24/02/2022, solicitou o AJP o pagamento da quantia de €18.000,45 (IVA incluído à taxa de 23%) a título de remuneração na componente variável dos honorários devidos.
4. No douto despacho recorrido, o Meritíssimo Juiz a quo, decidiu que para a fixação do valor da citada remuneração, os critérios seriam, tal como se transcreve, «os princípios em que, em abstrato, se funda a remuneração do Administrador Judicial Provisório.»
Sendo certo que, «Cotejando as regras relativas às funções do administrador judicial provisório em PEAP, o administrador recebe as reclamações de créditos e elabora relação provisória de credores, participa nas negociações entre devedor e os credores, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade (222.º - D) tem exclusiva competência para autorizar o devedor a praticar atos de especial relevo (…).
5. O fator relevante para o grosso das funções do administrador acaba por ser o número e natureza dos créditos, que determinam, quer a questão da feitura da lista, quer o decurso das negociações e contagem dos votos.
6. Assim, entendemos que será este o critério determinante para a fixação da remuneração do administrador judicial provisório neste caso concreto.»
7. Foi incluído, ainda, no despacho ora em crise como critério decisório a consideração de que tal tarefa estaria temporalmente limitada a certo período, «limites temporais certos», previsto no art.º 222º- D do CIRE, «no caso de cerca de cinco meses.»
8. Tudo visto, decidiu-se o Meritíssimo Juiz a quo pela atribuição de €2.000,00 ao AJP a título de remuneração.
9. Cremos, porém e salvo o devido respeito, que é muito, que tal decisão não respeitou os critérios legais aplicáveis ao caso sub iudice.
10. Com efeito, salvo melhor opinião e em primeiro lugar, deve dizer-se que, na decisão tomada, não poderia ter o Meritíssimo Juiz a quo ter optado pela opção simplista de considerar não escrita qualquer norma com que pudesse fazer frente à já muito debatida lacuna legal decorrente da ausência de labor regulamentador do legislador (ausência da publicação da Portaria).
11. Na verdade, e atento o facto de a nova redacção dada aos n.º 4 e 5 do art.º 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro ainda não ter entrado em vigor, o recorrente fundamentou a sua pretensão no Estatuto do Administrador Judicial actualmente em vigor, que foi aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, alterada pela Lei n.º 17/2017, de 16 de Maio, e pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril, que deverá ser aplicado analogicamente ao PEAP, entendimento que sai reforçado pela disciplina legal já publicada e a escassos dias de entrar em vigor.
12. Tal como dispõe o n.º 2, do artigo 23.º do Estatuto do Administrador JudicialLei 22/2013, de 26 de Fevereiro, o Administrador Judicial Provisório tem direito a uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, sendo que o respectivo valor é fixado nas tabelas que constam da referida Portaria.
13. Por seu turno, o n.º 3 do citado normativo, estabelece ainda que num processo especial para acordo de pagamento (tal como num processo de revitalização ou de insolvência) que envolva a apresentação de um plano de recuperação que venha a ser aprovado, o resultado da recuperação é o valor que esse plano prevê pagar aos credores nele integrados, conforme tabela específica constante da mesma Portaria;
14. Sendo que o valor alcançado por aplicação da referidas tabelas é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos coeficientes constantes daquela portaria (n.º 5, do artigo 23.º da Lei 22/2013). Por sua vez, o n.º 3 do artigo 29.º deste diploma, refere ainda, que o valor da remuneração variável, calculada nos termos anteriormente expostos, é pago em duas prestações de igual valor, sendo que a primeira é liquidada no momento da aprovação do plano e a segunda, dois anos após essa aprovação.
15. Assim sendo, através dos cálculos aritméticos, por aplicação daquela Portaria, e partindo dos dados atinentes ao presente caso, em que:
- O Total dos créditos admitidos é de €323.289,75;
- O total dos créditos a satisfazer é de, pelo menos, €283.578,36, conforme consta do plano (não contabilizando o montante dos juros vincendos cujo pagamento, não obstante, o plano de recuperação prevê).
- O Resultado da Recuperação, tal como definido no nº 3 do artigo 23º da Lei nº 22/2013, é de €283.578,36, que é o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano aprovado;
- O limite do maior escalão contido no valor da liquidação, de acordo com o anexo I, da Portaria nº 51/2005: €250.000,00, a que se aplica a taxa marginal constante deste mesmo anexo, igual a 3,39%, determina um valor de €8.475,00;
- O excedente do valor da recuperação, de acordo com o anexo I, da Portaria nº 51/2005: €33.578,36, a que se aplica a taxa base correspondente ao escalão imediatamente superior, constante deste mesmo anexo, igual a 2,00%, determinando assim um valor de €671,57euros;
- Somando ambas as quantias determinadas nos dois pontos anteriores resulta o valor de €9.146,57;
- O grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos tal como definido no nº 3 e 5 do artigo 23º da Lei nº 22/2013: 87,72% = (€283.578,36 / €323.289,75);
- O factor aplicável nos termos do anexo II da Portaria nº 51/2005: 1,60;
- O valor dos honorários majorados: €14.634,51 = (€9.146,57 x 1,60);
- A tal valor acresce IVA à taxa de 23%.
16. Visto o que antecede, não obstante a não publicação da Portaria a que se refere o art.º 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, a doutrina e a jurisprudência têm discutido a questão de saber se, quer no PER, quer no PEAP, deverá ser, então, aplicada analogicamente a Portaria nº 51/2005, de 20/01 (rectificada pela Declaração de Rectificação nº 25/2005, de 22/03), que se mantém em vigor.
17. Acerca desta matéria surgem diferentes entendimentos, sendo certo que tal Portaria (não obstante publicada em data em que não existiam o PER nem o PEAP) teve como principal objectivo aprovar um montante fixo da remuneração do administrador judicial, bem como estabelecer tabelas referentes à componente variável dessa remuneração, a determinar em função dos resultados obtidos.
18. Com efeito, na nossa modesta opinião, em face de uma lacuna jurídica, torna-se necessário encontrar a reclamada solução jurídica para esses casos omissos.
19. Neste contexto, e sempre que seja possível, recorrer-se-á à analogia, que consiste, precisamente, em aplicar ao caso omisso a norma reguladora de qualquer caso análogo. O recurso à analogia como primeiro preenchimento de lacunas justifica-se por uma questão de coerência normativa do próprio sistema jurídico.
20. A este propósito dispõe o artigo 10º do CC que «1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei».
21. A decisão recorrida configura, por
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