Acórdão nº 2372/20.1T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-11-07

Ano2023
Número Acordão2372/20.1T8CBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA)
Adjuntos: Carlos Moreira
Vítor Amaral
*
(…)

*


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. AA intentou a presente ação declarativa comum contra BB e mulher CC (1ºs Réus), DD e mulher EE (2ºs Réus) e FF (3ª Ré), pedindo que:

1) Seja declarado que o A. é o legítimo e exclusivo dono e possuidor do prédio rústico melhor descrito nos art.ºs 1º e 2º da petição inicial (p. i.), incluindo o local ou espaço melhor identificado nos art.ºs 37º, 38º e 39º, devendo os Réus serem condenados a tal reconhecer.

2) Seja declarado e reconhecido que a conduta dos Réus é abusiva, ilegítima e ilegal e, por via disso: a) Serem os 2ºs Réus condenados a demolir, no prazo de 30 dias, o muro de vedação do lado poente da sua casa de habitação, repondo a estrema norte do prédio do A. em cerca de 30 cm de largura. b) Serem os 2ºs Réus condenados a repor o marco que existia no limite nascente da estrema comum dos prédios do A. e desses Réus (estrema norte do prédio rústico do A./estrema sul do prédio urbano dos Réus). c) Serem os 1ºs e 2ºs Réus condenados a, no prazo de 15 dias, demolir o murete em cimento que construíram no prédio do A., bem como a retirar os prumos metálicos que implantaram no início (à entrada) dessa construção, junto à estrada, a nascente, bem como a retirar a corrente metálica que colocaram entre esses dois prumos e a retirar o entulho (ou detritos) que depositaram ou despejaram no prédio do A., entre o murete e o prédio urbano dos 2ºs Réus. d) Serem os Réus condenados a absterem-se de praticar no prédio do A., seja por que meio ou modo for, quaisquer atos lesivos ou perturbadores da sua posse e propriedade sobre ele e também absterem-se de colocar qualquer veículo de fronte do prédio do autor, do lado nascente, junto à estrada.

3) Seja ordenado o cancelamento de qualquer inscrição predial a favor dos Réus sobre o prédio rústico inscrito na respetiva matriz, da atual União das Freguesias ... e ..., sob o art.º ...30 (proveniente do art.º ...4), melhor descrito no art.º 4º desta p. i., e descrito no Registo Predial na ficha n.º ...44, da Freguesia ....

Alegou, em síntese: é dono do prédio rústico identificado no artigo 1º da p. i.; confinante com este seu prédio, do lado norte, existe um prédio rústico identificado no artigo 4º da p. i., que pertence a terceiros proprietários, que não aos Réus, apesar do que em contrário consta na matriz e no registo predial; a norte do prédio do A., com este confinante desse lado, existe também uma casa de habitação, propriedade dos 2ºs Réus, onde estes vivem com a 3ª Ré, sua filha, casa essa construída na parte nascente do prédio rústico descrito no artigo 4º da p. i., junto à estrada; quando os 2ºs Réus construíram a sua casa de habitação, o marco junto à estrada (lado nascente) desapareceu, pelo que foi colocado um novo marco em local consensual, sensivelmente no mesmo local do anterior, que com a continuação da obra também desapareceu; os 2ºs Réus construíram o muro que, a sul, veda o seu prédio urbano, cerca de 30 cm por sobre o prédio hoje do A., que na altura pertencia aos seus pais; na sequência dos processos judiciais aludidos nos art.ºs 17º e seguintes da p. i. e para obviar ao que deles decorria, os Réus promoveram a “retificação” da inscrição predial descrita nos art.ºs 29º e seguinte da p. i., com vista à apropriação do prédio rústico descrito no art.º 4º e, por essa via, resolver o processo executivo decorrente da ação sumária n.º 592/2002; o Réu BB, em Dezembro de 2019, conluiado com os demais Réus, na ausência do A., colocou uma rede de arame, suportada em estacas de madeira, a todo o comprimento da estrema norte do prédio do A. (estrema sul do prédio rústico descrito no art.º 4º), por dentro de um corrimão de oliveiras do prédio do A., como melhor se descreve no art.º 33º da p. i.; de seguida, o Réu BB, também na ausência do A. e acordado com os demais Réus, foi-se às estremas norte-nascente do prédio do A., junto à estrada, e construiu um murete em cimento distante cerca de 3 m do muro de vedação do lado sul da casa de habitação dos 2ºs Réus, paralelo a esse muro, no sentido nascente-poente, e, a toda a largura do espaço, à entrada, colocou uma corrente de vedação, suportada em dois prumos metálicos; os Réus praticaram ainda os demais atos referidos nos art.ºs 39º e seguintes da p. i.; por força do registo abusivo e ilegal sobre o prédio rústico descrito no art.º 4º da p. i., inscrito no registo predial em nome dos 1ºs Réus, os vizinhos do prédio, sem exceção, foram por eles incomodados, e agora é a vez do A. ser incomodado e lesado no seu direito de posse e propriedade, apesar de alheios aos problemas dos Réus.

Requereu ainda o A. a extração de certidão da p. i. (e documentos) e a sua remessa ao M.º Público para averiguação da prática de ilícitos criminais pelos Réus.

Os Réus contestaram, oposição/defesa julgada intempestiva (ordenando-se o seu desentranhamento dos autos) por decisão transitada em julgado (cf. despacho de 04.5.2022 e arestos do apenso B).

Ao abrigo do disposto no art.º 567º, n.º 1 do Código Processo Civil (CPC), foram considerados confessados os factos articulados pelo A. (na p. i.).

Foi cumprido o disposto no n.º 2 do mesmo art.º.

Por sentença de 29.4.2023, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo julgou a ação procedente, decidindo:

«1. Declaro que o autor é o legítimo e exclusivo dono e possuidor do prédio rústico melhor descrito nos art.ºs 1º e 2º da petição, incluindo o local ou espaço melhor identificado nos art.ºs 37º, 38º e 39º da p. i., condenando os réus a tal reconhecer.

2. Condeno os réus DD e EE a demolir, no prazo de 30 dias, o muro de vedação do lado poente da sua casa de habitação, repondo a estrema norte do prédio do autor em cerca de 30 cm de largura.

3. Condeno os réus DD e EE a repor o marco que existia no limite nascente da estrema comum dos prédios do autor e desses réus (estrema norte do prédio rústico do autor/ estrema sul do prédio urbano dos réus).

4. Condeno os réus BB, CC, DD e EE a, no prazo de 15 dias, demolirem o murete em cimento que construíram no prédio do autor, bem como a retirar os prumos metálicos que implantaram no início (à entrada) dessa construção, junto à estrada, a nascente, bem como a retirar a corrente metálica que colocaram entre esses dois prumos e a retirar o entulho (ou detritos) que depositaram ou despejaram no prédio do autor, entre o murete e o prédio urbano dos réus DD e EE.

5. Condeno todos os réus a absterem-se de praticar no prédio do autor, seja por que meio ou modo for, quaisquer atos lesivos ou perturbadores da sua posse e propriedade sobre ele e também absterem-se de colocar qualquer veículo de fronte do prédio do autor, do lado nascente, junto à estrada.

6. Ordeno o cancelamento das inscrições prediais de aquisição a favor da ré CC, do prédio rústico com a área total de 2370 m2, sito em ..., constituído por terra de cultura com oliveiras, a confrontar a norte com GG; a sul com HH; a nascente com Estrada; e a poente com Caminho, inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...30 (anterior ...4), da mesma freguesia, descrito na ... CRP ... sob o n.º ...27, da União de Freguesias ... e ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...30 (anterior ...4), da mesma freguesia, efetuadas pela Ap. ...73 de 2014/01/27, e pela Ap. ...95 de 2018/12/14.»

Determinou, ainda, que se proceda ao registo da presente sentença (art.ºs. 3º, al. c), 8º-A, n.º 1, al. b), 8º-B, n.º 3, al. a), do Código de Registo Predial), após trânsito em julgado, bem como a remessa de certidão ao M.º Público para averiguação da eventual prática de ilícitos criminais pelos Réus.

Inconformados, os Réus apelaram[1] formulando, os 2ºs Réus e a 3ª Ré, as seguintes conclusões:

1ª - Por decisão transitada em julgado, foram julgadas extemporâneas as contestações oferecidas pelos Réus, inclusive as apresentadas pelos Recorrentes, e ordenado o seu desentranhamento dos autos, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 567º do CPC, foram considerados confessados os factos articulados pelo Recorrido na p. i..

2ª - Tendo os Réus sido corretamente citados, configura-se esta situação como um quadro de revelia operante, tendo este comportamento omissivo dos Réus um efeito de confissão tácita ou ficta dos factos, a qual não dispensa o Tribunal de, nos termos do n.º 2 (in fine) do art.º 567º do CPC, decidir a causa conforme for de direito.

3ª - Quer isto dizer que, não obstante a confissão dos factos articulados pelo Recorrido, não fica o Tribunal eximido de operar uma indispensável apreciação crítica e controlo de direito daqueles, ao invés da sua plena aceitação sem mais.

4ª - Este efeito cominatório semipleno resultante de uma situação de revelia operante, que por sua vez circunscreve aquela, implica que aos factos confessados não corresponda necessariamente o desfecho da lide peticionado pelo Recorrido, devendo o Tribunal julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos.

5ª - Na Sentença é dado como facto provado que pela Ap. ...73 de 2014/27, foi registada a favor da Ré CC a aquisição, por via de sucessão hereditária, de 4/5 de um prédio rústico melhor descrito em art.º 4º da p. i..

6ª - É igualmente dado como provado que, mediante a Ap. ...95 de 2018/14, a referida inscrição foi retificada, tendo passado a constar a favor da supra identificada Ré a totalidade daquele prédio.

7ª - Apesar de se encontrar casado em regime de comunhão de adquiridos com a identificada Ré, tratando-se aquele prédio um bem próprio desta, cuja aquisição lhe adveio por sucessão hereditária, conforme registo público vertido em descrição predial e em caderneta predial, o Réu BB não é proprietário do referido prédio.

8ª - Não sendo co-proprietário do prédio em questão, não é detentor de um interesse direto em contraditar, não tendo por isso legitimidade passiva...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT