Acórdão nº 2356/21.2T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-06-28

Ano2023
Número Acordão2356/21.2T8PTM.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 2356/21.2T8PTM.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que seja «declarada e reconhecida a resolução do contrato promessa de compra e venda por incumprimento definitivo da Ré» e, em consequência, a sua condenação a «Demolir as obras, retirar o entulho e entregar o imóvel livre de pessoas e bens no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de incorrer no pagamento de uma indemnização correspondente a €500,00 (quinhentos euros) por cada dia de atraso na entrega do bem».
Em fundamento, invocou, em suma, que é o proprietário da fração autónoma objeto do dito contrato promessa de compra e venda através do qual os anteriores proprietários, cujas obrigações contratuais assumiu, prometeram vender à Ré, e esta prometeu comprar, o predito imóvel pelo preço de 50.000,00€.
Mais alegou que, no contexto do contrato mencionado, as chaves do imóvel em referência foram entregues à Ré, mas esta não cumpriu com a totalidade das obrigações a que se vinculou, não tendo pago 2.800,60€ correspondente aos valores de IMI dos anos 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 e Certificado Energético, nem tendo manifestado interesse na realização da escritura pública respeitante à formalização do contrato prometido.
Aduziu ainda, que não obstante as sucessivas interpelações e tentativas de contacto com a Ré, esta não procedeu ao agendamento da escritura, pelo que o Autor procedeu à interpelação admonitória, tendo-lhe dado um novo prazo para cumprir, com a advertência de que se não o fizesse naquele prazo, perderia o interesse na celebração do contrato definitivo face à mora sucessiva da Ré, e consideraria o contrato resolvido por via do seu incumprimento definitivo.
Finalmente invocou que, não obstante ter sido interpelada para proceder à entrega do imóvel livre de pessoas e bens, até ao presente, a Ré não o fez, continuando a usufruir do mesmo.

2. Regularmente citada, a Ré contestou e deduziu reconvenção, pugnando pela improcedência da ação e pedindo que seja proferida decisão judicial que, substituindo-se à vontade do Autor, declare celebrado o contrato promessa de compra e venda subjacente aos autos, uma vez que a totalidade do preço acordado se encontra paga, propondo-se a Ré a proceder à consignação em depósito do valor relativo aos IMI`s dos anos de 2014 a 2020, através do competente incidente.
Mais peticionou que, caso venha a julgar-se a ação procedente no que respeita à resolução do contrato promessa dos autos, deverá o Autor ser condenado a devolver à Ré a quantia de 45.000,00€, relativa ao somatório das prestações do preço pagas por conta do preço da venda que já não se irá concretizar, que não têm carácter de sinal, acrescida dos juros que se vencerem a contar da notificação da presente contestação/reconvenção e até efetivo pagamento, à taxa dos juros civis.
Para o efeito e em síntese, a Ré alegou que não existe fundamento para a resolução do contrato promessa, uma vez que cumpriu com o pagamento de todas as prestações do preço acordado para a aquisição da fração identificada nos autos, faltando apenas pagar os valores correspondentes aos IMI`s inerentes aos anos em que tem estado na posse da fração, uma vez que não lhe foram apresentados os respetivos documentos comprovativos dos valores solicitados, pelo que o Autor age em abuso do direito.
Reconhece que não procedeu ao agendamento da escritura pública conforme lhe incumbia, mas repudia que se tenha obrigado ao pagamento dos custos respeitantes ao certificado energético.

3. O Autor replicou, reiterando que o incumprimento contratual é da responsabilidade exclusiva da Ré, pelo que não pode proceder a reconvenção nem o pedido de execução específica, devendo considerar-se o contrato resolvido por incumprimento contratual e consequentemente ser a ré condenada no pedido inicial[3].

4. Na audiência prévia foi admitida a reconvenção, proferido despacho saneador, e procedeu-se à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

5. Efetuado o julgamento, foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou:
«- julgo a presente ação procedente, por provada, pelo que declaro resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado em 18 de agosto de 2014, com fundamento em incumprimento definitivo imputável à Ré BB e em consequência, condeno a mesma a demolir as obras, retirar o entulho e entregar o imóvel livre de pessoas e bens no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de incorrer no pagamento de uma indemnização correspondente a €500,00 (quinhentos euros) por cada dia de atraso na entrega do bem;
- julgo improcedente o pedido reconvencional de execução específica, absolvendo o Autor/reconvindo;
- julgo procedente o pedido reconvencional formulado a título subsidiário e, em consequência, condeno o Autor/reconvindo a devolver à Ré a quantia de 45.000,00€ (quarenta e cinco mil euros), relativa ao somatório das prestações do preço pagas por conta do preço da venda que já não se irá concretizar e que não possui natureza de sinal, acrescida dos juros que se vencerem a contar da notificação da presente contestação/reconvenção e até efetivo pagamento, à taxa dos juros civis.
- Condeno a Ré no pagamento das custas devidas pela ação.
- As custas processuais respeitantes à instância reconvencional ficam a cargo da Ré e do Autor/reconvindo, nos termos do artigo 527.º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil, na proporção do decaimento.».

6. Inconformada, a Ré apelou, finalizando a respetiva minuta com as seguintes conclusões:
«1.ª- Resulta inquestionável que a R. incumpriu, definitivamente, o ajuizado contrato promessa de compra e venda;
2.ª- A questão colocada pela R., logo na fase dos articulados, está em saber se, atentas as concretas circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, bem como a sua execução, justificam, ou não, que se declare a resolução do contrato promessa de compra e venda ou se, pelo contrário, deve considerar-se que esse direito foi exercido em abuso de direito;
3.ª- No caso dos autos essas circunstâncias são as seguintes:
- o A. não cumpriu a sua obrigação enquanto credor dos IMI´s, de dar a conhecer à R. devedora dos mesmos os documentos de prova das quantias por ele pagas a esse título, limitando-se a informá-la dos respectivos montantes, em violação do disposto no art.º 813.º do C.C.;
- a R. entrou em mora no cumprimento da sua obrigação de marcação da escritura logo em Agosto de 2016, mas o A. apenas decidiu provocar o incumprimento definitivo e intentar a presente acção em 2021, ou seja, mais de 4 (quatro) anos depois, ficando assim demonstrada a insignificância que para ele representava o seu prejuízo;
- não obstante ter entrado em mora no cumprimento da sua obrigação de marcar a prometida escritura de compra e venda logo em 2016, a verdade é que nessa data já a R. tinha cumprido a sua obrigação principal de pagar a totalidade do preço acordado;
- o montante em dívida à data da propositura da acção dizia respeito, apenas, aos IMIs que o A. foi pagando aos longo dos anos, no reduzido montante total de €2.474,75, mas cujos documentos comprovativos nunca forneceu à R. assim também ele incumprindo essa sua obrigação enquanto credor, nos termos do disposto no art.º 813.º do C.C.;
- o A. não sentiu aquele prejuízo como relevante ou não se teria disposto, mesmo já no decurso da presente acção, em sede de audiência prévia ocorrida no dia 15/02/2022, a nela transigir, apenas recebendo a quantia relativa aos IMIs por si pagos até à data em que a transação produzisse efeitos, e que acabou por não se verificar por outra razão, que não esses montantes;
- a R. propôs-se pagar esses montantes respeitantes aos IMIs através do incidente de consignação em depósito, que o A. se recusou a receber, tendo ela procedido, mesmo assim, ao seu depósito à ordem do Tribunal.
4.ª- No caso dos autos o direito do A. foi exercido em abuso de direito o que o torna ilícito e incapaz de produzir o efeito por ele pretendido;
5.ª- Ao julgar como julgou, não tendo valorizado as circunstâncias concretas que rodearam a celebração e execução do ajuizado contrato promessa de compra e venda, violou a sentença recorrida o disposto no art.º 334.º do C.C.;
6.ª Em consequência, deve o presente recurso de Apelação merecer provimento e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, julgando-se a acção improcedente, absolvendo-se a R. dos pedidos contra ela formulados, e procedente o pedido reconvencional de execução específica do contrato promessa de compra e venda, reformulando-se a condenação em custas».

7. O Autor apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença.

8. Observados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, evidentemente sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, as questões que importa apreciar para a decisão do presente recurso consistem em saber: i) se existe fundamento para que se declare a resolução do contrato promessa de compra e venda ou se deve considerar-se que esse direito foi indevida ou abusivamente exercido; ii) neste caso, se deve proceder o pedido de execução específica formulado na deduzida reconvenção.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Na sentença recorrida foram considerados
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