Acórdão nº 23363/17.4T8SNT-A.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-24

Ano2023
Número Acordão23363/17.4T8SNT-A.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. No Processo n° 23363/17.4T8SNT-A, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Sintra - Juízo Local Criminal - Juiz 1, no âmbito do Processo de Oposição à Execução Comum (arresto), que corre por apenso a um processo/carta rogatória, de natureza penal, provindo das autoridades judiciais do Reino Unido, foi proferida decisão, em 22.02.2022, que se transcreve:
“1. AS AUTORIDADES DO REINO UNIDO apresentaram pedido, sob a forma de carta rogatória, no sentido de assegurar o congelamento de bens de LG.
2. Por decisão datada de 12 de Novembro de 2019 a pretensão das autoridades britânicas foi deferida e decretada a apreensão dos veículos de matrículas XX-63-34, 38-64-XX e 92-73-XX, propriedade do arrestado; o arresto do prédio urbano sito tia Rua (…) Sintra, registado da Conservatória do Registo Predial de Sintra com o n. (…) e a apreensão dos saldos que já se encontram cativos, bem como ao saldo restante das seguintes contas bancárias existentes na Caixa Geral de Depósitos (…), cujo saldo se encontra cativo à ordem do processo (…) com a quantia de €772,60; (…) , cujo saldo se encontra cativo à ordem do processo (…) , a quantia de €1.312,64, sendo o saldo disponível de €2.787,25 e (…) , cujo saldo encontra-se cativo à ordem do processo (…) , a quantia de € 6.182,64, sendo o saldo disponível de €6.271,89)
3. LG e CM foram notificados para deduzir oposição ou recorrer da decisão, tendo, cada um, apresentado a sua oposição, na qual pugnam, sumariamente, pela improcedência da ordem de arresto, alegando que LG cumpriu pena de prisão adicional de dezoito meses em substituição desta ordem de confisco e que CM não é casada consigo, pelo que não pode ver os seus bens arrestados sem ter praticado qualquer ilícito criminal.
4. Procedeu-se a inquirição das testemunhas arroladas pelos Requeridos.
II. SANEAMENTO
5. 0 tribunal é o competente em razão da matéria, da hierarquia e das regras de competência internacional.
O processo é próprio, e inexistem outras nulidades que o invalidem na sua totalidade.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e mostram-se devidamente patrocinadas.
Inexistem outras excepções, ou nulidades parciais, ou quaisquer questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento de mérito, e de que cumpra conhecer desde já.
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
6. Resultam indiciariamente provados, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
6.1. Quanto ao arresto decretado mantem-se provado que:
A) A 14 de Setembro de 2006, LG foi condenado, pelo Tribunal da Coroa da Cantuária, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 7 anos de prisão.
B) A 9 de Março de 2006 os agentes do HMRC - Oficiais aduaneiros de Sua Majestade (equivalente à Autoridade Fiscal) no porto de Dover, no Reino Unido, interceptaram um veículo conduzido por AG, irmão gémeo de LG (ora arguido), passageiro no veículo, e efectuadas buscas aos mesmos, foram encontradas na posse de AG três embalagens de produto estupefaciente (cocaína) e na posse de LG quatro embalagens do mesmo produto.
C) A cocaína indicada tinha o valor de 249.500 Libras.
D) A 10 de Março de 2006 o arguido e o irmão foram acusados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, nomeadamente 4,99 Kg. de cocaína.
E) A 14 de Setembro de 2008 foi decretada a apreensão de bens pelo Tribunal contra LG.
F) O valor obtido como benefício do arguido foi de 144.823,59 Libras.
G) O valor fixado como sendo os dos bens titulados pelo arguido foi de 49.541,89 Libras acrescendo os juros de mora.
H) Até à data não foi paga qualquer quantia relativamente à apreensão decretada.
I) A ordem de apreensão não está sujeita a recurso e encontra-se em vigor no Reino Unido.
J) A 21 de Julho de 2008 o Tribunal de Southwark Crown emitiu apreensão de bens a uma propriedade (imóvel), contas bancárias e veículos.
L) Através de Carta Rogatória enviada às autoridades Portuguesas foram efectuadas apreensões nas contas bancárias no valor de € 8.267,88 e apreendidos os veículos de matrículas 38-64-XX (Fiat …) e 92-73-XX (Fiat …).
6.2. Da oposição à providência cautelar resulta indiciariamente provado que:
M) Encontra-se registada a favor de CLM e de LG, solteiros e na proporção de metade cada um, a propriedade do imóvel sitio na Rua (…) , em (…), Freguesia de (…) , sobre o qual incide uma hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos.
N) Na sequência da decisão descrita em E), LG foi condenado a uma pena adicional de dezoito meses de prisão, caso a decisão de confisco não fosse paga até 14 de Julho de 2008.
O) A decisão de confisco não foi paga até ao prazo descrito em P), pelo que a pena por falta de pagamento foi activada em 23 de Janeiro de 2009 e ordenado o cumprimento de dezoito meses além da pena inicialmente fixada.
P) A decisão de confisco continua por cumprir estando em dívida 100.696.27 Libras.
Q) O Requerido trabalha e vive do seu salário.
R) Os Requeridos encontram-se a liquidar o empréstimo bancário contraído para pagar o imóvel descrito em M).
7. Com interesse para a decisão da causa ficaram por provar os seguintes factos:
a) Que as contas bancárias arrestadas se presumem da Requerida CM na proporção de metade.
8. Vindo os Requeridos, na sua oposição, alegar factos infirmatórios dos fundamentos da pretensão de apreensão decretada, impõe-se-nos, no que respeita à decisão a proferir sobre a matéria de facto elencar os factos da oposição dados como provados e não provados, bem como os fundamentos que serviram de base à formação da convicção, mas ainda, especificar quais os factos respeitantes à decisão que decretou a providência que se mantém provados ou que resultaram infirmados, contrapondo, em sede de apreciação crítica das provas, às novas provas produzidas aquelas em que se tenha baseado a decisão cautelar.
O Tribunal alicerçou a sua convicção ao dar como provados os factos que antecedem, na apreciação crítica e conjugada de toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos, complementada com as regras da experiência comum, conforme se discrimina em seguida. Quanto aos factos que se mantém da decisão inicial decretada, há que dizer que nenhuma prova foi trazida que os contradiga. Aliás, os Requeridos contestam apenas que são casados entre si e que estejamos perante bens que advém de actividades ilícitas, pois que, no demais, invocam questões de direito que, em sede própria, apreciaremos.
Quanto ao casamento dos Requeridos, há que dizer que prova alguma existe nos autos dessa circunstância: aliás, quanto a esse respeito, é a própria certidão do Registo Predial do imóvel em questão, de fls. 84 e 85 que atesta que são solteiros, sendo que inexiste qualquer assento de casamento trazido aos autos, pelo que na ausência da única prova passível de atestar a contração de matrimónio, sempre teria de improceder esta alegação. Ainda assim, JMG, JHG, LM e MC, amigos, familiares e conhecidos dos Requeridos, declaram que estes últimos contraíram o empréstimo para aquisição do imóvel juntos, mas que nunca foram casados.
Quanto à questão de saber se os bens arrestados não têm relação com qualquer facto ilícito, cremos que essa prova não foi feita, sobretudo porque apenas foram juntos aos autos comprovativos de que os Requeridos, em particular LG, exercem profissões e que vêm liquidando um empréstimo bancário.
Para prova de que a decisão de confisco não foi paga e ordenado o cumprimento de dezoito meses além da pena inicialmente fixada, mas que a decisão de confisco continua por cumprir estando em dívida 100.696.27 Libras, atendeu-se à informação prestada pelas autoridades britânicas, de fls. 190 e 191.
O Tribunal não se pronuncia sobre a demais matéria alegada nos requerimentos de oposição, por entender que constituem factos instrumentais, conclusivos e de direito, cuja decisão se teria, nesta parte, como não escrita, e ainda por se tratar de matéria irrelevante para a decisão do caso em apreço.
O Tribunal atendeu à prova como um todo lógico, procurando alcançar a verdade.
IV. DO DIREITO
9. Dissemos já que foi decretada a apreensão dos veiados de matrículas XX-63-34, 38-64-XX e 92-73-XX, propriedade do arrestado; o arresto do prédio urbano sito na Rua (…), Sintra, registado da Conservatória do Registo Predial de Sintra com o n.º (…) e a apreensão dos saldos que já se encontram cativos, bem como ao saldo restante das seguintes contas bancárias existentes na Caixa Geral de Depósitos (…).
Cumpre-nos, tão somente, analisar o alegado em sede de oposição e verificar se existem fundamentos que ataquem a decisão proferida. (...)
Há que começar por referir que não estamos apenas no campo de execução de uma sentença estrangeira, mas de uma decisão britânica. Ora, mercê da saída do Reino Unido da União Europeia foi firmado o Acordo de saída do Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda, do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (Acordo de Saída), cuja separação se consumou em 31 de Janeiro de 2020, pelo que resulta evidente que a decisão que ora proferiremos não poderá mais assentar nas decisões quadro que vigoravam, designadamente na Decisão Quadro do Conselho n.º 2003/577/JHA, de 22 de Julho de 2003, relativa à execução na União Europeia da Ordem de Congelamento de Bens ou de Provas.
Assim, em matéria de congelamento e arresto de bens o Acordo supra mencionado prevê a cooperação das autoridades policiais e judiciárias em matéria penal entre a União Europeia e o Reino Unido; mas sendo o Reino Unido e Portugal partes da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Criminal e dos seus Protocolos, estes instrumentos legais continuarão a aplicar-se nas relações entre as partes, bem como a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, conforme resulta do seu artigo
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