Acórdão n.º 233/2021

Data de publicação21 Maio 2021
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 233/2021

Sumário: Decide, com respeito às contas anuais de 2012, julgar parcialmente procedente o recurso de contraordenação interposto pelo Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP) e julgar parcialmente procedente o recurso de contraordenação interposto pelo respetivo responsável financeiro.

Processo n.º 677/20

Aos vinte e um dias do mês de abril de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.

Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:

I - Relatório

1 - Por decisão de 14 de julho de 2020, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) decidiu aplicar ao Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses/Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (PCTP/MRPP) uma coima no valor de (euro)5.112,00, equivalente a 12 (doze) SMN de 2008, por violação dolosa dos deveres previstos nos artigos 12.º e 3.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, «LFP»), enquanto infração punível nos termos do artigo 29.º do mesmo diploma. Quadro legal que fundou, identicamente, a aplicação de uma coima no valor de (euro)2.566,00, equivalente a 6 (seis) SMN de 2008, ao arguido Domingos António Caeiro Bulhão na qualidade de Responsável Financeiro do PCTP/MRPP pelas contas anuais de 2012.

2 - Inconformados, os arguidos PCTP/MRPP e Domingos António Bulhão apresentaram recurso das respetivas decisões sancionatórias para o Tribunal Constitucional, o que fizeram nos termos dos artigos 23.º da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, doravante, «LEC») e 9.º, alínea e), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, «LTC»).

O Recorrente PCTP/MRPP apresentou as suas alegações, concluindo o seguinte:

«1 - A Entidade de Contas operou à análise perfunctória da documentação que lhe foi remetida e que carece de ser analisada de forma mais aturada para que dela sejam retiradas as corretas conclusões e consequências legais;

2 - Concluir sem mais pela culpabilidade do Partido não é legal nem admissível, atento o facto da prova do 'facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima' [artigo 1.º RGCo] ser da competência da Entidade de Contas de não do Partido, vigorando em Portugal o princípio da não auto-incriminação conhecido como nemo tenetur sine ipse accusare;

3 - Dispõe o n.º 1 do artigo 29.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro que 'Os partidos políticos que não cumprirem as obrigações impostas no capítulo ii são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 400 vezes o valor do IAS, para além da perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos' (nosso realce e sublinhado);

4 - A Entidade de Contas aplicou a coima calculada com base no SMN partido da redação anterior desta disposição legal, no que não se concede.

5 - Por conseguinte, ainda que se verificasse a prática da infração que se teima imputar ao Partido sem a devida análise dos factos, no que não se concede, deveria a mesma corresponder a 12 (doze) IAS no valor de (euro) 5.030,64 e não no valor de (euro) 5.112,00, situação que carece de ser verificada, dela se extraindo as devidas consequências legais.»

Também o Recorrente Domingos Bulhão apresentou alegações nas quais inscreve as seguintes conclusões:

«1 - A deliberação ora impugnada decorre desde logo de uma visão totalmente distorcida do que é a realidade da contabilidade das pequenas organizações partidárias, em tudo distinta da das organizadas, empresariais ou outras.

2 - Para além disso, padece de múltiplo vício de violação de lei desde logo porque, se baseia em pretensos factos realmente inexistentes (uma falsa devido à empresa de contabilidade responsável pelo estado das contas aqui em causa e uma referência a juros que nunca foram convencionados).

3 - Mas também ignora que o grau de diligencia do ora recorrente foi, com todas as suas enormes dificuldades, muito superior ao do cidadão médio colocado na sua posição.

4 - Não é verdade, e muito menos houve quaisquer factos que o pudessem minimamente comprovar, que o recorrente representasse qualquer facto ilícito como consequência possível da sua conduta e menos ainda que, não obstante, se conformasse com essa possibilidade.

5 - Tendo presentes todos os factos relevantes para a determinação da medida da sanção e muito em particular a total ausência de qualquer benefício próprio, bem como a dificílima situação económica do ora recorrente (simples trabalhador por conta de outrem auferindo o salário mínimo nacional) a coima no valor de 6 SMN revela-se também por completo desproporcionada.»

3 - Recebido o requerimento, a ECFP sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

4 - Por despacho proferido em 6 de outubro de 2020, o Tribunal Constitucional admitiu os recursos.

5 - O Ministério Público emitiu parecer a respeito do recurso da decisão sancionatória da ECFP, afirmando nada mais ter a requerer à luz da promoção concretizada em 7 de novembro de 2016 a preconizar a aplicação de coimas.

6 - Notificado de tal parecer, o PCTP/MRPP e o arguido Domingos Bulhão ofereceram requerimentos a renovar o já anteriormente veiculado.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

A. Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

7 - A Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, ainda não havia sido apurada a responsabilidade contraordenacional do PCTP/MRPP e correspondente Responsável Financeiro, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual, v. Acórdão n.º 421/20.

B. Questão Prévia - requerimento de prova

8 - Relativamente ao requerimento de prova do PCTP/MRPP, designadamente testemunhal, considera-se que os elementos documentais juntos aos autos são suficientes e aptos a proferir a decisão sobre a matéria factual que com as mesmas se pretendia provar. A questão central dos presentes autos prende-se, para tanto, com o cumprimento de regras de natureza contabilística. Com efeito, importa notar que a imputação efetuada na decisão recorrida respeita a incorreções no registo contabilístico das contas anuais de 2012, bem como à insuficiência da documentação fornecida em seu suporte e de determinadas verbas...

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