Acórdão nº 2312/22.3T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-10-12

Ano2023
Número Acordão2312/22.3T8VNF-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

Banco 1..., SA intentou acção executiva contra AA e BB, para pagamento da quantia de € 47.516,43.

A Sra. AE notificou a entidade patronal do executado BB para proceder à penhora de 1/3 dos respetivos “abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado”.

A 12/07/2022 a Sra. AE juntou aos autos a resposta da entidade patronal que, acompanhada do recibo de vencimento do executado, relativo ao mês de Maio de 2022, solicitava informação sobre a existência de valor a penhorar mensalmente.

A12/07/2022 a Sra. AE informou a entidade patronal que:
“A título de exemplo uma vez que o(a) executado(a) auferiu no mês de Maio de 2022, deveriam penhorar o montante de 33,77 €, uma vez que, o desconto em espécie não entra para a base de cálculo, a saber:
O valor auferido pelo(a) executado(a) a título de subsídio/vales de alimentação é penhorável pois, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 258.º do Código de Trabalho, “A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie”.
Independentemente de ser pago em dinheiro ou em espécie, o subsídio de alimentação representa um ganho do trabalhador fazendo parte da retribuição, constando do recibo de vencimento daquele. Trata-se de um rendimento e por esse motivo, independentemente de ser pago em dinheiro ou espécie, o critério será o mesmo.”

Entretanto e por apenso à acção executiva, o executado BB veio deduzir oposição à penhora, pedindo o levantamento da penhora sobre o salário, alegando:

“ 1.- No âmbito dos referidos autos encontra-se, supostamente, em dívida o valor de 55.000,00€, referente a capital, juros e despesas prováveis.
2.º Por força de tal facto, o ora exequente, decidiu proceder à penhora do crédito do aqui executado referente ao reembolso do IRS, no valor de 28,00€ e, 3º à penhora de 1/3 do salário do, também, aqui executado – BB.
4.º Acontece porém que, o executado/ora oponente, não se conforma, nem pode, com a penhora de 1/3 do seu salário.
Mas Vejamos;
5.º O aqui executado trabalha como empregado de balcão de 2ª, para a firma denominada “P....
6.º Auferindo de vencimento base a quantia de 705,00€, acrescida do subsídio de alimentação.
7.º Acontece que, conforme consta do recibo de vencimento, o subsídio de alimentação não é pago em numerário mas sim, em espécie – doc. Nº....
8.º Sendo ainda, de considerar que ao valor de 705,00€, é retirado o valor dos descontos, nomeadamente para a segurança social, isto é, o valor de 77,55€.
9.º Feitas as contas, é evidente que o valor com que fica o executado, após os respetivos descontos e penhora, é inferior ao salário mínimo nacional.”

Admitido liminarmente o incidente de oposição à penhora e notificada a exequente, veio esta responder, pugnando pela manutenção da penhora, dizendo, em síntese, que o subsídio de alimentação tem um valor patrimonial, como resulta da análise dos recibos de vencimento, pelo que a penhora do vencimento efectivada nos autos, embora considerando aquele valor, não deixa de levar em conta o limite imposto por lei.

Foi ordenada a notificação da Sra. AE para informar os autos se foi concretizada qualquer penhora no vencimento do executado por parte da sua entidade patronal.

A Sra. AE respondeu, na acção executiva, a 07/12/2022.

Foi proferido saneador-sentença cujo decisório tem o seguinte teor:
Nestes termos, julgamos procedente a presente oposição à penhora e, em consequência, determino a devolução ao executado de todos os valores penhorados e que ofendem os limites legais supra evidenciados.

Interpôs a exequente recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) A apelante não se conforma com a decisão proferida nos autos, por isso, vem dela interpor recurso;
2) A penhora de vencimento levada a cabo nos autos, não viola os limites impostos pelo artigo 738º, nº 1 e nº 3, do Código de Processo Civil;
3) A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas direta ou indiretamente em dinheiro ou em espécie;
4) O facto de o subsídio de alimentação ser pago em géneros não altera a sua qualificação jurídica de retribuição enquanto contrapartida do trabalho prestado;
5) O executado aufere a título de vencimento a quantia de 705,00€;
6) Auferindo a título de subsídio de alimentação - pago em géneros – 100,70€;
7) Assim, a contrapartida que o executado recebe pelo seu trabalho, cifra-se na quantia mensal de 805,70€;
8) Esta é a remuneração real e ilíquida do executado;
9) Ao contrário dos 705,00€ referidos nos recibos de vencimento junto aos autos;
10) A penhora levada a cabo pela Senhora Agente de execução considerou, bem, para efeitos de cálculo, o valor de 805,70€;
11) Respeitou, também bem, os limites impostos pelo artigo 738º, nº 1 e nº 3 do C. P. C.;
12) A penhora levada a cabo nos autos salvaguardou o limite mínimo que a lei prevê;
13) E, por respeitar aqueles limites, apenas penhorou os valores que excediam o Salário Mínimo Nacional, como bem se alcança dos autos;
14) Assim, temos necessariamente de concluir, que a penhora efetivada nos autos e que aqui se discute, é legal e é legitima, não padecendo de qualquer vício que belisque a sua validade e eficácia;
15) Nestes termos, também é forçoso concluir, que o rendimento anual do executado, repartido pelos 12 meses, não é inferior ao Salário Mínimo Nacional;
16) Pelo que, a pretensão deduzida pelo embargante carece de total fundamento fáctico ou de direito;
17) Pelo que, não há lugar à restituição ao executado/embargante de qualquer montante já penhorado, por falta de causa que o justifique;
18) Não resulta dos autos que a penhora efetuada viola os limites impostos pelo artigo 738º, nº 1 do Código de Processo Civil;
19) A decisão recorrida é ilegal e viola, entre outros, o nº 1 e nº 3 do artigo 738º do Código de Processo Civil;

Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações.

2. Questões a apreciar
O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” ( cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida).

A única questão que cumpre apreciar é a de saber se o “subsídio de alimentação” deve ser computado para efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 738º do CPC.

3. Fundamentação de facto
O tribunal recorrido considerou:
- Factos provados com relevância para a decisão:
1.- No âmbito dos autos de execução apensos, foi ordenada a penhora do vencimento do executado, na proporção de 1/3.
2.- O executado aufere um salário mensal de 705 euros, acrescido de cerca de 100 euros de subsidio de refeição.
3.- No mês de junho de 2022, foi penhorado o valor de 23,15 euros e o executado auferiu um salário liquido de 604, 30 euros.
4.- No mês de julho de 2022, foi penhorado o valor de 39,05 euros e o executado auferiu o salario líquido de 588,40 euros.
5.- No mês de agosto de 2022, foi penhorado o valor de 39,05 euros e o executado auferiu o salario líquido de 588,40 euros.
6.- No mês de setembro de 2022, foi penhorado o valor de 38,78 euros e o executado auferiu o salario líquido de 588,58 euros.
*
- Factos não provados com relevância para a decisão:
Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes.
*
4. Deficiência da matéria de facto
4.1. Enquadramento jurídico

Nos termos do n.º 2 do art.º 662º, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…)
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
(…)”

Quer a deficiência, quer a ampliação convoca o tema da seleção dos factos a enunciar, podendo afirmar-se que a mesma tem por objecto os factos relevantes para a boa decisão da causa.

E são relevantes (cfr. Manuel Tomé Soares Gomes, in Da Sentença Cível,...

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