Acórdão nº 2303/21.1T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-09-15

Ano2022
Número Acordão2303/21.1T8FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. J… intentou, no Juízo Central Cível de Faro, acção declarativa de condenação, contra D…, pedindo que deve:
a) Declarar-se que o contrato celebrado entre Autor e Réu consubstancia um contrato de compra e venda da embarcação em causa e o Réu condenado a reconhecê-lo;
b) Declarar-se o incumprimento contratual por parte do Réu e, em consequência, ser o mesmo condenado:
· no pagamento ao Autor da quantia global de € 134.533,30, emergente do preço em falta e, contratualmente acordado,
· no pagamento ao Autor da quantia de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento, desde a citação para a presente acção;
· no pagamento das despesas com honorários de advogado, taxas de justiça, custas processuais, honorários de Agente de Execução que o Autor já teve, nos termos supra alegados e, que na presente data totalizam a quantia de € 14.198,84, a que acrescem os juros vincendos até efectivo e integral pagamento;
· no pagamento ao Autor de todas as quantias devidas pelo estacionamento em terra da embarcação no estaleiro da Marina de Vilamoura, desde o seu arresto em 21.01.2021, até ao pagamento do crédito global e integral do Autor sobre o Réu, acrescidas de juros calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento, as quais totalizam, na presente data, a quantia de € 8.047,81;
· no pagamento ao Autor da quantia total de € 879,41, sendo € 865,75 a título de juros sobre os empréstimos e € 0,84 a título de Imposto de selo, a que acresce, quer as prestações de juros e imposto de selo que se venham a vencer até efectivo e integral pagamento por parte do Réu, até ao pagamento do crédito global e integral do Autor sobre o Réu, acrescidas de juros calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento;
· no pagamento ao Autor de todas as despesas, seja a que título for, em que o mesmo venha incorrer até e, para obter o pagamento global e integral do que lhe é devido pelo Réu, nos termos legais e contratuais, a que acrescem os respectivos juros calculados à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento;
· a proceder à regularização do registo da embarcação em causa, suportando todas as despesas inerentes ao mesmo e ainda vários pedidos subsidiários.
Subsidiariamente, para o caso de se entender “que estamos perante um contrato promessa de compra e venda”, pede a execução específica do contrato, o pagamento do preço em falta e as quantias que especifica na petição inicial, a título de indemnização e despesas.

2. Em fundamento da sua pretensão invoca o A., em síntese, o incumprimento do R., por falta de pagamento de parte do preço, do contrato, celebrado em 04/06/2020, intitulado “contrato promessa de compra e venda”, da embarcação de recreio ali identificada, cujo pagamento foi acordado em prestações, referindo, além do mais, que, como havia sido acordado, procedeu à entrega da embarcação e ao cancelamento do registo da mesma em seu nome, que estava com a bandeira Holandesa, tendo sido emitida uma declaração provisória para o R. poder navegar com a embarcação enquanto decorria o procedimento de registo da embarcação para o nome deste, sob a bandeira Polaca. Mais disse, que um dos cheques entregue pelo R. foi devolvido por falta de pagamento na data em que foi acordada a sua apresentação a pagamento, e que não foi finalizado o processo de registo em nome do R., recusando este qualquer contacto nem cumprido com os pagamentos a que se obrigou no contrato.

3. Por despacho de fls. 85, foi determina a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a questão da competência material, por se afigurar ao Tribunal que que “considerando que os pedidos formulados nos autos têm por base um alegado contrato de compra e venda de uma embarcação”, em face do disposto no artigo 113º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, a competência para conhecer da causa era do Tribunal Marítimo.
Apenas respondeu o A., referindo que o contrato em causa se reporta à compra e venda, entre dois particulares, de uma embarcação de recreio, não estando em causa o uso marítimo no sentido da norma citada, concluindo que é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal onde a acção foi instaurada.

4. Após foi proferida seguinte decisão:
«[J]ulgo verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer do pedido, por incompetência em razão da matéria, e, em consequência, absolvo o Réu D… da instância».

5. Inconformado com esta decisão veio o A. interpor recurso o qual motivou concluindo do seguinte modo:
A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pela Mª Juiz a quo, que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, para conhecer do pedido formulado pelo Recorrente e, em consequência absolveu o Recorrido da instância.
B) O Tribunal a quo estribou a sentença sob recurso, no facto de a causa de pedir residir num contrato celebrado entre as partes de compra e venda de uma embarcação de recreio, na natureza da embarcação e, no facto de ter sido alegado que a mesma está aparcada numa marina, para considerar que a mesma se destina a uso marítimo, excepcionando assim a sua competência absoluta, em razão da matéria, para conhecer do litigio, mal em nosso entender.
C) Considera o Tribunal a quo que, atento o disposto no Art. 113º n.º 1 al. b) da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto, “…compete ao Tribunal Marítimo conhecer dos danos patrimoniais e morais resultantes do incumprimento de um contrato de compra e venda de uma embarcação de recreio, dado que a mesma, pela sua própria natureza e pela própria referência na petição inicial que a mesma está aparcada numa marina, se destina a uso marítimo …”.
D) Estatui a supra aludida norma que: “1- Compete ao tribunal marítimo conhecer das questões relativas a: (…) b) Contratos de construção, compra e venda de navios, embarcações e outros engenhos flutuantes, desde que destinado a uso marítimo; (…)”. (sublinhado nosso)
E) Estriba ainda o Tribunal a quo a sentença sob recurso, no disposto no Art.211º n.º1 da Constituição da República Portuguesa e, no Art. 40º n.º 1 da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto.
F) Discorda o Recorrente da sentença proferida, nos termos que infra se passa a demonstrar, lançando mão do presente recurso, nos termos e para os efeitos legais.
G) Com efeito, na sequência da procedência da providência cautelar intentada, que decretou o arresto da embarcação e, causa, o Recorrente intentou a presente acção, nos termos e para os devidos efeitos legais, peticionando:
a) Declarar-se que o contrato celebrado entre A e R, que constitui o Doc.5 junto aos autos, consubstancia um contrato de compra e venda da embarcação em causa e, o R condenado a reconhecê-lo;
b) Declarar-se o incumprimento contratual por parte do R e, em consequência, ser o mesmo condenado: (…)
Para o caso improvável de se considerar que estamos perante um contrato-promessa de compra e venda da embarcação em causa, no que não se concede e, se refere por dever de cautela e de patrocínio, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, devendo ser ordenada a execução específica do contrato, nos termos e para efeitos do disposto no Ar.t. 830º do Código Civil e, contratualmente prevista, nos termos e com as legais consequências e, em consequência:
a) Declarar-se o incumprimento contratual por parte do R e, em consequência, ser o mesmo condenado (…)
H) Para tanto, alegou, em síntese:
(…)
I) A causa de pedir assenta no incumprimento contratual por parte do Recorrido, do contrato de compra e venda que celebrou com o Recorrente e, que tem por objecto um bem móvel sujeito a registo, no caso, em concreto de uma embarcação de recreio, denominada Lune Blue, da marca Azimut, modelo 52FLY, do ano de 2001, com o N.º de Casco IT-AZ-152365K102, equipada com dois motores da marca Caterpillar, modelo 3196 Dita com os números 2x04018 e 2x04020 com 660hp cada.
J) Determina o Art 211º nº 1, da CRP que: “1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.“
K) Assim, são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, como decorre do Art. 64º do CPC e do Art. 40º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto).
L) A competência, em razão da matéria, dos Tribunais Marítimos encontra-se prevista no Art.113º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), que determina designadamente, que:
“1 - Compete ao tribunal marítimo conhecer das questões relativas a: (…)
b) Contratos de construção, reparação, compra e venda de navios, embarcações e outros engenhos flutuantes, desde que destinados ao uso marítimo; (…)” sublinhado nosso (…)
“3 - Nas circunscrições não abrangidas pela área de competência territorial do tribunal marítimo, as competências referidas nos números anteriores são atribuídas ao
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