Acórdão nº 229/22.0YRLSB-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-05-12

Data de Julgamento12 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão229/22.0YRLSB-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I)–RELATÓRIO


D…, com os sinais dos autos, instaurou a presente acção declarativa com processo especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira contra J… pedindo seja revista e confirmada a sentença de divórcio do casamento entre ambos celebrado, proferida em Ontário, Canadá, em 6 de Janeiro de 2009, já transitada.

O Requerido contestou alegando:
A Requerente omite que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Família de Menores de Lisboa – Juiz 8, sob o n.º 12267/21.6T8LSB, acção de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge.
Na referida ação, foi proferido despacho em 27 de dezembro de 2021, no qual foi declarada suspensa a instância nos termos do nº 1 do artigo 272º do CPC, sob condição da ali Ré (e aqui Requerente) requerer a revisão e confirmação da sentença proferida por tribunal estrangeiro.
Porém, a premissa constante de tal despacho, e consubstanciada no seguinte trecho do mesmo «A competência eletiva do tribunal superior de Toronto não foi questionada, onde de resto residiu o casal até 2015 e ali permanece a aqui Ré, nem tal competência foi provocada em fraude», não corresponde à verdade.
A Requerente e o Requerido viveram juntos na Suíça (onde aquele ainda reside) durante um ano, mais concretamente entre 2015 e agosto de 2016 – data em que abandonou aquele país e se ausentou para o Canadá levando consigo o filho menor de ambos.
Assim, quer a casa de morada de família, quer os factos que integram a causa de pedir do divórcio em apreço, se localizaram na Suíça.
O Requerido intentou a ação de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge em Portugal porque igualmente tem domicílio em território nacional.
Assim, é o Tribunal português o competente para julgar a referida ação de divórcio – ou, caso assim se não entendesse (o que não se concede, e só por mero dever de patrocínio se admite), tal competência caberia à Justiça da Suíça.
Assim, a Sentença cuja revisão se pretende provém de tribunal estrangeiro cuja competência foi provocada em fraude à lei – justamente porque a Requerente omitiu ao Tribunal do Canadá os factos melhor descritos no artigo sexto, e que conforme supra exposto determinariam a incompetência daquele Tribunal.
Os factos que integram a causa de pedir do divórcio em apreço ocorreram na Suíça, sendo que o Requerido vive desde 2009 na Suíça e em Portugal – nunca tendo regressado ao Canadá.
A invocada Sentença do Tribunal Superior de Justiça do Ontário não preenche assim os requisitos previstos no artigo 980.º do CPC, mormente na respetiva alínea c), para que possa ser revista e confirmada.

Arrolou testemunhas e requereu fossem prestados depoimentos de parte.

A Requerente respondeu pronunciando-se como na inicial e pela improcedência da contestação.

Pela Relatora foi proferido despacho com o seguinte teor:
A apreciação dos pressupostos de revisão da sentença de divórcio proferida pelo Canadá, objecto do presente processo, prescinde da prova dos factos invocados quanto ao lugar onde cessou a coabitação conjugal (por a prova ou não prova ser indiferente à solução do litígio).
A domiciliação do Requerido (aliás conclusivamente alegada), é irrelevante por nestes autos se não apreciar a competência internacional do Tribunal de Família de Lisboa para julgar a acção de divórcio intentada pelo Requerido contra a Requerente.
Por tudo, entende-se que não há lugar a aperfeiçoamento da alegação conclusiva nem à realização de diligências instrutórias, por serem, uma e outra, inúteis.
Pelo exposto, indefiro a inquirição da testemunha e a prestação de depoimentos de parte, nos termos do artigo 983.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Notifique.
Cumpra o disposto no artigo 982.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

O Ministério Público apresentou alegações defendendo que deve ser julgada procedente a acção e revista a sentença.

A Requerente apresentou alegações no sentido da inicial.

O Requerido alegou reiterando os termos da contestação apresentada.

Corridos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

II)–DO OBJECTO

Tendo em atenção as posições das partes, importa apreciar dos requisitos de procedência do pedido de revisão.

III)–FUNDAMENTAÇÃO

1.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Encontram-se assentes nos autos os seguintes factos (sendo os demais alegados irrelevantes ao sentido da decisão):
1.–D … e J... contraíram entre si casamento em 6 de Janeiro de 2009 (assento de casamento junto).
2.–Por sentença de 6 de Outubro de 2021, transitada em julgado em 6 de Novembro de 2021, foi decretado o divórcio do casamento celebrado entre os Requerentes por sentença do Tribunal Superior de Justiça de Ontário, Canadá (cópia certificada junta).
3.–Da sentença referida em 2 foi extraída cópia junta aos autos, certificada em 9 de Dezembro de 2021 pelo Consulado-Geral de Portugal em Toronto, como tendo sido proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça de Ontário, Canadá (cópia certificada junta).
4.–O Requerido instaurou em Portugal acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra a Requerida, pedindo a dissolução do casamento entre ambos celebrado em 6 de Janeiro de 2009, a qual se encontra pendente.

2.–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1.–A única questão colocada é a referente à verificação do exigido pelo artigo 980.º, alínea c), do Código de Processo Civil, que dispõe ser requisito da revisão que a sentença revidenda provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses.
2.–É pacífica a verificação dos demais requisitos que, por isso, cabe apreciar sumariamente, a saber os pressupostos a que aludem as alíneas a), b) e d) a f) do artigo 980.º, do CPC.
2.1.-O documento indicado para revisão não oferece dúvidas quanto à sua autenticidade, é claro o sentido do que dele consta, a saber, a decisão do tribunal de Ontário de declarar dissolvido o casamento celebrado entre Requerente e Requerido em 6 de Janeiro de 2009, tendo transitado em julgado.
2.2.-Não se verifica situação de caso julgado de sentença portuguesa nem de litispendência com a acção referida em 4.
2.3.-Não se vê e nada é alegado quanto a o reconhecimento envolver situação incompatível com os princípios da ordem pública internacional da República Portuguesa, sendo que apenas com referência à fraude quanto à competência tais princípios são invocados. Nada consta ou foi alegado quanto a ter-se o Requerido visto colocado em situação de indefesa, contrariamente o Requerido invoca a sua intervenção no processo em que foi proferida a decisão revidenda.
2.4.-Importa avaliar se a matéria é da competência exclusiva dos Tribunais Portugueses.
A competência internacional dos tribunais portugueses traduz-se na competência dos tribunais da ordem jurídica portuguesa para conhecer de situações que, apesar de possuírem, na perspetiva do ordenamento jurídico português, uma relação com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras, apresentam também uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa[1].

Deve entender-se por matéria da competência exclusiva dos tribunais portugueses aquela que lhe é reservada em exclusividade quer pelo direito da União, quer pelo direito nacional, ou seja, aquela que não admite pacto de jurisdição de que resulte a privação da competência ou que obste, justamente, a que sentença proferida por tribunal de outro Estado seja revista e confirmada na ordem jurídica Portuguesa.

No caso vertente a questão pode colocar-se com referência ao Regulamento (CE) 2201/2003, de 27 de Novembro (doravante, Bruxelas-IIbis), dado a revisão se referir a uma declaração de divórcio.

É o que resulta do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, do artigo 59º, do Código de Processo Civil, recorrendo-se, na negativa ao direito interno, ou seja, aos artigos 62.º e 63.º do Código de Processo Civil.

Na ordem jurídica portuguesa vigoram dois regimes gerais de competência legal exclusiva: o regime comunitário [actualmente, da União] e o regime interno. O regime interno só é aplicável quando a acção não for abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário, que é de fonte hierarquicamente superior[2].

2.4.1.– Quanto ao Direito da União

a)-O referido Regulamento aplica-se na determinação de competência quanto a acções de divórcio envolvendo nacionais de Estados-Membros (os Estados da União Europeia, com excepção da Dinamarca e as ressalvas do Reino Unido e Irlanda).
O Regulamento estabelece como factores de atribuição de competência os da residência habitual dos cônjuges ou de um deles e o da nacionalidade dos cônjuges, elencando no artigo 3.º, n.º 1, um conjunto de factores combinação daqueles.
Os factores de conexão assim estabelecidos não se encontram hierarquizados, antes se devendo entender como estabelecendo alternativas que possibilitam opção[3].

É o que se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 2020, proferido no processo
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