Acórdão nº 229/20.5GCTVD.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-02-28

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão229/20.5GCTVD.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
a. No termo do inquérito o Ministério Público considerou não terem sido reunidos indícios suficientes da prática de crime, determinando em conformidade o respetivo arquivamento

Sequentemente o queixoso AA constitui-se assistente e, nessa qualidade, requereu abertura de instrução, por, ao contrário do decidido pelo Ministério Público, considerar conterem os autos indícios suficientes da prática de crime pelo denunciado, pretendendo a pronúncia deste pelo crime de abuso de confiança, previsto no artigo 205.º do Código Penal.

Recebidos os autos no Tribunal, na circunstância no 1.º Juízo (1) de Instrução Criminal de …, o Mm.o Juiz não admitiu a abertura da fase de instrução, por considerar que o requerimento não reunia os requisitos necessários, rejeitando-o por inadmissibilidade legal (falta de objeto), nos termos do artigo 287.º, § 2.º e 3.º CPP.

b. Inconformado com tal decisão o assistente interpôs o presente recurso, extraindo-se da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«1.º) Entendeu o Tribunal “a quo” que o Requerimento de Abertura de Instrução do assistente e aqui recorrente não continha de todos os elementos de facto necessários para ser apto à abertura desta fase processual.

2.º) Entendeu o Tribunal “a quo” que o Requerimento de Abertura de Instrução do assistente e aqui recorrente violou o teor do artigo 287.º, n.º 2, do CPP que prescreve que o requerimento de abertura da instrução (RAI) deve conter as menções previstas no artigo 283.º, n.º 3, als. b) e c) do mesmo código – Por não os conter.

3.º) Sendo necessário que o requerimento de abertura da instrução deduzido pelo assistente seja enunciado claramente os factos que pretende imputar ao arguido e tais factos deverão pelo menos integrar os elementos objetivo e subjetivo de um tipo legal de crime.

4.º) Entendendo que a falta de alegação expressa do elemento subjetivo do tipo legal de crime no Requerimento de Abertura de Instrução do assistente, implica a rejeição dessa peça processual e a não realização da fase da instrução.

5.º) Concluindo-se pela rejeição liminar do Requerimento de Abertura de Instrução do assistente por inadmissibilidade legal da instrução.

6.º) Discorda-se que o Requerimento de Abertura de Instrução do assistente e aqui recorrente não respeite e não contenha de todos os elementos de facto necessários para ser apto à abertura desta fase processual, mormente que desrespeite o teor do artigo 287.º, n.º 2, do CPP e não contenha as menções previstas no artigo 283.º, n.º 3, als. b) e c) do mesmo código.

7.º) Em particular nos artigos 1.º a 6.º, 7.º, 9.º, 10.º a 12.º, 14.º 16.º do Requerimento de Abertura de Instrução do assistente define-se a identidade, lugar, tempo, condutas e intenção do denunciado, suscetíveis de integrar o crime de abuso de confiança, dando-se cumprimento ao teor do artigo 287, n.º 2, do CPP com as menções previstas no artigo 283, n.º 3, als. b) e c) do mesmo código:

8.º) O assistente deu cumprimento ao estatuído no teor do artigo 287.º, n.º 2, do CPP contendo as menções previstas no artigo 283.º, n.º 3, als. b) e c) do mesmo código, definindo a identidade, lugar, tempo, condutas e intenção demonstrada pelo Denunciado, suscetíveis de integrar o crime de abuso de confiança

9.º) É o Tribunal “a quo” quem está violar próprio artigo 287.º, n.º 2, do CPP ao interpretá-lo erradamente nos termos supra expostos

10.º) O Tribunal “a Quo” está a violar o próprio artigo 287.º, n.º 3, do CPP que só permite a rejeição liminar do Requerimento de Abertura de Instrução por extemporaneidade, incompetência do juiz ou inadmissibilidade legal da instrução – que não é manifestamente o caso dos presentes autos.

11º) Conclui-se por tudo o supra explanado que o despacho recorrido deve ser revogado, por violação ostensiva do próprio artigo 287.º, n.º 3, do CPP substituindo-se por acórdão que admita liminarmente o pedido de abertura de instrução e que o ordene...

Termos em que nos melhores de Direito, mas sempre, com o muito Douto Suprimento de V. Exªs deverá o despacho recorrido ser revogado, por violação ostensiva do próprio artigo 287.º, n.º 3, do CPP substituindo-se por acórdão que admita liminarmente o pedido de abertura de instrução e que o ordene, nos termos supra explanados.»

c. Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência, aduzindo, que:

«1.ª O despacho ora impugnado fez a correta interpretação e aplicação da Lei e do Direito aplicável ao caso sub judice.

2.ª Por isso, deverá ser mantido nos seus precisos termos.»

d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância, na intervenção a que alude o artigo 416.° do CPP, emitiu o seguinte parecer:

«Os termos do RAI confirmam a constatação da decisão recorrida donde resulta o seu acerto quanto ao vício jurídico de que enferma, acarretando a inadmissibilidade legal do apelo à fase de instrução, como ali fundamentado.

Em conclusão, o RAI não contém muitos dos factos que integram objetivamente o tipo legal do crime de abuso de confiança, bem como é omisso quanto aos seus elementos subjetivos, donde resulta ferido de nulidade e, por isso, gerador da inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do artigo 287.º n.º 3 do CPP. Manifesta-se, pois, o parecer de que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.»

e. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º CPP, nada se acrescentou.

Foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência, importando conhecer e decidir.

II – Fundamentação

A. Delimitação do objeto do recurso

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º CPP), desse modo delimitando o âmbito do recurso.

De acordo com as conclusões do recorrente, verificamos haver apenas uma questão aportada ao conhecimento desta instância: - saber se o requerimento do assistente contém os requisitos exigidos pela lei para abertura da fase de instrução.

B. O requerimento do assistente colocado em crise pela decisão recorrida tem o seguinte teor:

«1. O queixoso adjudicou uma empreitada de obras de remodelação interior num imóvel, propriedade do Queixoso, sito na Rua …, …, á sociedade comercial BB Lda. NIPC …, com sede na Rua …, …, na qual o denunciado é gerente.

2. No local da obra estavam guardados um conjunto de materiais e ferramentas propriedade do queixoso, que resultaram do decurso da obra de demolição e outros trabalhos antes da empresa acima referida entrar em obra, a saber:

i) um conjunto de 15 peças de madeira (costaneiros), (em muito bom estado de conservação e que têm aproximadamente 138 anos, data da obra de ampliação do prédio em 1882)

ii) uma lixadora...

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