Acórdão nº 22518/19.1T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-01-09

Data de Julgamento09 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão22518/19.1T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 22518/19.1T8PRT.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam as juízas abaixo-assinadas da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AUTOR: AA, comerciante automóveis, com domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., Gondomar.
RÉU: BB, residente na Rua ..., n.º ... – 4.º Dt.º, Hab. ..., ....
Por via da presente ação declarativa, pretende o autor ver declarada a nulidade do negócio celebrado com o R. e este condenado a restituir-lhe e a indemnizá-lo na quantia de €9.500,00, bem como a indemnizá-lo em €5.000,00 referentes a danos não patrimoniais.
Subsidiariamente, peticiona a condenação do R. em indemnização na quantia de €14.500,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Requer, ainda, condenação do R. a pagar, em incidente posterior de liquidação, as despesas que o A. tiver com a reposição da quilometragem real do veiculo, de modo a que no momento da restituição do veículo ao R., a quilometragem real esteja resposta.
Alega, para tanto, ter comprado um automóvel ao R. pelo preço de €7.750,00, tendo sido condição expressa da venda e do preço que o veículo detivesse a quilometragem constante do conta-quilómetros (255.700 kms). Depois de efetuada a aquisição, veio o A. a saber que, afinal, o R., ou alguém a seu mando, alterou quilometragem do conta-quilómetros, retirando-lhe cerca de 300.000 kms.
Mais alega que, na qualidade de vendedor de automóveis e ao colocar à venda – e vendido depois - um veículo naquelas condições, o A. viu denegrida a sua imagem no mercado.

Citado, o R. defendeu-se por exceção de caducidade, alegando o decurso do prazo previsto no art. 916.º CC, de 30 dias depois de conhecido o defeito e dentro do prazo de seis meses após a entrega da coisa; mais refere que o preço foi de € 6.000, 00. Impugnou os restantes factos.

O A. exerceu contraditório, afirmando que do n.º 1 do art. 916º resulta que havendo dolo (como se o vendedor insinuou a existência infundada de certa qualidade na coisa ou dissimulou o erro em que o adquirente visivelmente se encontrava quanto a determinada propriedade da coisa), o comprador pode intentar a ação de anulação no prazo de um ano a contar do momento em que teve conhecimento do vício ou da falta de qualidade (art. 287.º, n.º 1), como aqui sucedeu.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 20.6.2022, a qual terminou decidindo o seguinte:
- julgar improcedente a exceção de caducidade.
- procedente o pedido de anulação do contrato de compra e venda da viatura com a matricula ..-CQ-.., celebrado entre as partes.
- procedente o pedido de condenação do R. no pagamento da quantia de €9.500,00, [€7.750,00 respeitante à restituição do preço e €1.750,00 por lucros cessantes].
- procedente o pedido de condenação do R. no pagamento da quantia de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais.
- prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário.
- improcedente o pedido de condenação do R. em incidente de liquidação, de todas as despesas a haver pelo A. com a reposição da KM real do veículo.

Foram aí dados como provados os seguintes factos:
1. Em data ulterior a 30/09/2016, o R. BB comprou o veículo de matrícula ..-CQ-.., de marca Mercedes-Benz, modelo ..., a CC.
2. O qual apresentava, à data, 555.719 Kms.
3. Depois do negócio a que se alude em 1), o R., ou alguém a seu mando e no interesse deste, procedeu à intervenção no conta-quilómetros do veículo, de modo que o mesmo passasse a evidenciar no odómetro menos de cerca de 300.000Km do que o indicado em 2).
4. Seguidamente, o R. colocou o CQ à venda na plataforma «X...» com indicação de que o mesmo tinha a quilometragem entre «250.000 – 299.999».
5. Na sequência do referido anúncio, o A. entrou em contacto com R., que se identificou como um particular…
6. …e no dia 23/NOV/2016, o A. comprou ao R. o veículo referido em 1), pelo preço de €7.750,00…
7. … entregando o R. ao A., a MERCEDES anteriormente intervencionada e com a aparência da quilometragem conforme descrito em 3).
8. Foi condição expressa do negócio e respetivo preço para o A., que a viatura tivesse a quilometragem constante do conta-quilómetros.
9. Em 07/DEZ/2016, o A. vendeu o CQ a DD, pelo preço de € 9.500,00.
10. Em SET2019, DD ficou a saber mediante informação certificada nessa data pelo IMT que, na inspeção realizada a 30/09/2016, a MERCEDES apresentava uma quilometragem de 554.814 KMs.
11. Perante tal situação, o A., de imediato, retomou o CQ e restituiu ao dito DD o preço pago.
12. Com esta situação o A. viu a sua imagem de comerciante de automóveis denegrida por pôr à venda um veiculo cuja quilometragem fora alterada pelo R.
13. O R. é consultou imobiliário há cerca de 19 anos.
14. O R., pelo menos em NOV2016, usou a plataforma «X...» para além de anunciar a venda do veículo CQ, uma outra viatura Mercedes.

Factos não provados
a. Após a alteração no conta-quilómetros, o certificado de inspeção técnica existente tenha sido dobrado de modo a ficar ininteligível a quilometragem do veiculo.
b. O R. tenha adquirido a CQ para a sua filha pelo valor de € 6.000,00.
c. O R. tenha reconhecido perante o A. que tenha mudado o quadrante do veiculo.

Desta sentença recorre o R., visando a sua revogação, com base nos argumentos que assim sintetizou:
A. Nos termos do Artº 607º, nº 5 do CPC pugna-se pela liberdade na apreciação da prova, mas a interpretação do direito que deve ser dada a esta livre interpretação - de uma enorme discricionariedade -, tem que ter contornos e limites que se não forem atendidos, colocarão em causa os atuais interesses.
B. Da prova testemunhal produzida em audiência e discussão de julgamento, não poderia o douto Tribunal de 1ª Instância ter concluído (como concluiu) que a quilometragem do veículo era factor essencial para a realização do negócio entre A. e R.
C. Os quilómetros percorridos são apenas uma característica do carro que cada vez mais é menos determinante da vontade de contratar.
D. Não se dignou o douto tribunal esclarecer com base em que prova é que formou a convicção da existência de dolo do Réu.
E. Em nenhum momento ficou demonstrado que o Autor tivesse interesse em saber a quilometragem do veículo.
F. O Autor, como comerciante de automóveis, certamente teria condições de facilmente confirmar os quilómetros, o que não fez.
G. Independentemente da quilometragem constante do odómetro, o documento oficial do veículo é a Inspeção Periódica Obrigatória, que foi entregue ao Autor.
H. Toda a prova testemunhal produzida, foi concordante com o facto da viatura se encontrar em bom estado.
I. O próprio relatório pericial não permitiu precisar quais os quilómetros reais registados na data da venda do Réu ao Autor (23-11-2016).
J. Relatório pericial esse que deu conhecimento da existência de indícios de intervenção no quadrante, sem possibilidade de determinar o momento dessa intervenção.
K. Informação que em conjugação com a prova documental produzida em julgamento permite concluir que a intervenção se terá dado no ano 2018 – figura 1 do anexo 3 do relatório.
L. Não havendo efectivamente qualquer prova de que tenha sido o Réu a adulterar a quilometragem do veículo em causa.
M. Mais, o Autor, pessoa singular, limitou-se na sua petição inicial a aduzir que “viu a sua imagem de mercado denegrida numa altura de graves dificuldades para o comércio automóvel, o que lhe provocou danos morais, sendo prudente fixar os danos morais sofridos pela A., em pelo menos €5.000.00”
N. Nada mais alegou ou demonstrou que devesse ser considerado apto a provar que efetivamente teria sofrido danos não patrimoniais como consequência de uma qualquer conduta do Réu.
O. Nada deve o ora Réu ao Autor com referência à indemnização pelos danos patrimoniais pelo mesmo invocados.
P. A ação do Autor baseia-se no facto de alegadamente ter sido vendido um bem “defeituoso” na medida em que sofre de vício que o desvaloriza e também no facto de alegadamente não ter as qualidades asseguradas pelo Réu Vendedor.
Q. Relativamente aos direitos do comprador de coisa móvel defeituosa, o seu reconhecimento pressupõe o funcionamento, de forma articulada, de três prazos:
a) o prazo de denúncia do defeito, que, tratando-se de coisa móvel, é de 30 dias a contar do conhecimento do mesmo (cfr. artigo 916, n.º 2, do CC);
b) o prazo de limite máximo da garantia legal de 6 meses sobre a data da entrega da coisa vendida, independentemente da data do conhecimento do defeito e da sua denúncia (vide artigo 916.º, n.º 2, do CC);
c)o prazo de exercício judicial do direito de eliminação do defeito, redução do preço, resolução do contrato ou indemnização: 6 meses a contar da denúncia atempada do defeito (cfr. artigo 917.º do CC).
R. Certo é que o defeito se manifestou fora do prazo de garantia legal de 6 meses após a entrega da coisa, concedido pelo artigo 916.º, n.º 2, do CC, pois a viatura foi entregue ao Autor em 23-11-2016 e o putativo defeito manifestou-se três anos depois, em 2019.
S. Tem sido entendido, de forma unânime, quer pela Jurisprudência, quer pela Doutrina, que o art.º 917º CC se aplica a qualquer ação emergente da venda de uma coisa defeituosa.
T. Aplicar à ação indemnizatória por cumprimento defeituoso, do prazo de prescrição de vinte anos Todas as acções de exercício de faculdade decorrentes da garantia, qualquer que seja a escolhida, é de “evitar no interesse do vendedor, do comércio jurídico, com vendas sucessivas, e da correlativa paz social a pendência por período dilatado de um estado de incerteza sobre o destino do contrato ou cadeia negocial e as dificuldades de prova (e contraprova) dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega da coisa que acabaria por emergir se os prazos fossem longos, designadamente se fosse de aplicar o prazo geral da prescrição (art.
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