Acórdão nº 223/22.1T8PFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-11-23

Ano2023
Número Acordão223/22.1T8PFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2023:223/22.1T8PFR.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
AA, residente na Rua ..., n.º ..., 5.º Esquerdo, ... ..., propôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra A... - Companhia de Seguros, S.A., com sede no Largo ..., ... Lisboa, onde concluiu pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 24.226,00, acrescida de juros de mora, à taxa prevista para os juros civis, desde a data da citação até integral pagamento. Pediu, ainda, subsidiariamente, a condenação da ré na reparação do bem imóvel, nos termos constantes do orçamento junto por si como documento 8.
Alegou, em síntese, que condições climatéricas muito adversas verificadas na área onde o seu imóvel se localiza provocaram danos no telhado, bem como infiltração de água no interior do imóvel, causando diversos estragos, pretendendo o pagamento de indemnização dos danos ou, pelo menos, a respectiva reparação.
Invocou, ainda, ser contrário à boa fé a exigência de ventos de velocidade superior a 90km/h para a activação de seguro.
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Citada, a ré contestou, impugnando a factualidade alegada pelo autor e pugnando a sua absolvição com o argumento fundamental de que a entrada de água no bem imóvel se deveu ao mau estado de conservação do telhado.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
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Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente a acção e condenou a Ré A... - Companhia de Seguros, S.A., a pagar a AA a quantia de € 24.226,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente A... - Companhia de Seguros, S.A., veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I. Face ao teor do depoimento gravado da testemunha BB e ainda ao teor do registo fotográfico de fls... junto com a contestação e aos factos dados como provados sob os nºs 1º e 14 da factualidade provada, nunca o Tribunal recorrido podia dar como não provados os factos constante das alíneas E), F), G) e H) dos factos não provados constantes da douta sentença recorrida nos termos que da mesma constam.

II. Nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 640º do CPC, entende e defende a Ré que os factos constantes das citadas alíneas dos factos dados como não provados e constantes da douta sentença recorrida devem ser dado como provados nos termos seguintes:
- “Antes de Janeiro/início de Fevereiro de 2021 por falta de conservação, o telhado do imóvel seguro tinha telhas sem camada protectora e a descascar” (E).
- “Por isso, o telhado não estava impermeabilizado” (F).
- “Durante todo o inverno de 2020/2021 chovera, caíra granizo e geara” (G).
- “Dada a porosidade das suas telhas, o telhado do imóvel deixou passar a chuva” (H).

III. Face ao teor do depoimento gravado da testemunha BB, nunca o Tribunal recorrido podia dar como provado o facto constante do nº 2 dos factos provados constantes da douta sentença recorrida nos termos que da mesma constam.

IV. Nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 640º do CPC, entende e defende a Ré que o facto constante do nº 21 dos factos dados como provados e constantes da douta sentença recorrida deve ser dado como provado nos termos seguintes:
“O custo de realização dos trabalhos elencados é de 16.050,55 € a que acresce IVA à taxa legal em vigor, quando for emitida a respectiva factura de reparação”.

V. Nesta conformidade, deve revogar-se a douta sentença recorrida nesta parte e quanto à matéria de facto nos termos que constam das conclusões que antecedem – é o que se requer nos termos do art. 662º do CPC.

VI. Face aos factos provados e tendo também em consideração a alteração da matéria de facto que ora se alega, a Ré não pode ser condenada a pagar o que quer que seja ao Autor, pois que os danos ocorridos no seu prédio seguro pela Ré, decorreram da falta ou má estanquicidade do respectivo telhado.

VII. E não do sinistro alegado na petição inicial.

VIII. Por isso, a condenação da Ré constitui violação do disposto nos arts. , 43º e 45º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS – D.L. nº 72/2008).

IX. Mesmo que assim se não entenda, sempre a acção tem de ser julgada improcedente, atentos os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido, mormente, os factos constantes dos nºs 28, 29 e 30 dos factos dados como provados

X. É que o Autor não provou os factos constitutivos do seu direito e que constam da cláusula 6ª das condições gerais da apólice.

XI. Por isso, a Ré não estava, nem está, obrigada a indemnizar o Autor - a condenação constitui violação dos arts. 1º e 43º do RJCS.

XII. Mesmo que assim se não entenda, a Ré não pode ser condenada no pagamento do valor do IVA, pois que não se mostra que tal imposto foi liquidado e/ou pago - foi violado o art. 7º do CIVA.

XIII. Finalmente e sem conceder, a Ré não pode ser condenada no montante de 124.225,00 €, desde logo pelas razões referidas nos números precedentes e depois porque o custo da reparação é de apenas 16.050,55 €.

XIV. Foram violados os arts. 128º e 130º do RJCS.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos provados
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1. O prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e andar com duas divisões, garagem e arrumos no rés-do-chão e sete no andar, terreno de quintal e logradouro, situado no lugar ..., da freguesia ..., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º ... da freguesia ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo … daquela freguesia, encontrando-se ainda a respectiva aquisição, por partilha, a favor do autor, inscrita no registo predial pela Ap. ..., de 13.7.1982.
2. Por contrato de seguro outorgado com a Ré, denominado “Multiriscos Habitação”, titulado pela apólice n.º ..., tendo por objecto o referido imóvel, o Autor segurou junta daquela, entre outros, o risco de tempestade.
3. Em virtude da outorga do sobredito contrato de seguro, a Ré obrigou-se a proceder ao pagamento ao Autor, até ao valor limite de € 76 479,86, dos danos causados ao sobredito imóvel, em consequência de tufões, ciclones, tornados e ventos fortes ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, queda de neve ou granizo e consequentes alagamentos pela queda de chuva, neve ou granizo que penetrassem no interior do edifício em questão.
4. O Autor procedeu ao pagamento do prémio devido, encontrando-se aquele contrato válido e em vigor entre 17/03/2020 e 17/03/2021.
5. O telhado do imóvel identificado em 1 foi integralmente substituído, com colocação de telhas novas, no ano de 2008.
6. Desde então, o Autor incumbiu um terceiro, profissional da área da construção, de zelar pela sua regular manutenção.
7. Este último, desde então, com periodicidade anual e, bem assim, quando situações pontuais o justificam, efectua uma total revisão do telhado, substituindo telhas que se apresentem partidas e/ou rachadas e removendo ninhos e/ou outros objectos que ali se encontrem a prejudicar o regular escoamento das águas, por forma a assegurar a sua impermeabilização.
8. Sem que nada o fizesse prever, no final do mês de Janeiro e início do mês de Fevereiro de 2021, na localização onde se encontra implantado o imóvel identificado em 1, verificaram-se ventos fortes, queda de neve e granizo com acumulação no telhado e chuva abundante e intensa.
9. Os ventos fortes removeram telhas e projectaram objectos na direcção do telhado do sobredito imóvel, nomeadamente, ramos de árvores próximas do mesmo.
10. Em consequência do descrito, estalaram e partiram, pelo menos, quatrocentas telhas que ali se encontravam.
11. O que comprometeu a impermeabilização do telhado e permitiu a entrada de águas no interior do imóvel.
12. A intensidade dos ventos foi de tal ordem que abateu um pessegueiro que ali se encontrava em perfeitas condições antes do sucedido.
13. A queda de granizo, atenta a sua intensidade e o facto de haver ocorrido após sedimentação de neve, incrementou os danos no telhado, partindo e estalando telhas adicionais.
14. Para reparação dos aludidos danos do telhado, torna-se necessário substituir 3.300 telhas, 95 cumes, 230 bebedouros e patas, com colocação de argamassa.
15. Inexiste hodiernamente no mercado telha igual àquela existente no telhado ou compatível com a mesma por forma a assegurar a efectiva função do mesmo, ou seja, a impermeabilização da cobertura do imóvel.
16. A colocação de telha diferente da existente no telhado prejudicaria a harmonia estética do edifício, dadas as distintas colorações, e um assentamento não homogéneo das telhas.
17. Anteriormente aos acontecimentos acima descritos, o autor efectuara o isolamento térmico da cobertura do imóvel com recurso a lã de rocha, a qual se encontra instalada sob as vigas que sustentam o telhado.
18. Prejudicada que foi a impermeabilização do telhado nos moldes acima descritos, com a chuva intensa e o derretimento da neve que ali se depositou, entrou água abundante no imóvel e a lã de rocha existente naquele local ficou encharcada, ajudando a dispersar a água sobre todo o interior do imóvel.
19. Em virtude da infiltração de água no interior do imóvel:
a. Os tectos ficaram manchados;
b. As paredes passaram a apresentar fissuras e manchas;
c. A lã de rocha ali colocada ficou irreversivelmente comprometida, perdendo a sua utilidade, carecendo de ser integralmente substituída;
d. As cortinas e alcatifas ali localizadas ficaram manchadas;
e. Um roupeiro interior ficou danificado, apresentando manchas.
20. Para reparação dos referidos danos, torna-se necessário demolir/picar tectos, executar uma nova moldura de gesso nos
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