Acórdão nº 223/20.6T8AMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-06-26

Ano2023
Número Acordão223/20.6T8AMR-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I -RELATÓRIO

Nos autos de contra-ordenação nº ...0..., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo Local Criminal ..., por despacho proferido no dia 7 de Outubro de 2022, foi indeferido o requerimento anteriormente formulado pela arguida em que pedia que, na sequência do reconhecimento da respectiva omissão, seja efectuada a sua notificação pessoal da sentença proferida para depois poder interpor recurso.

Inconformada veio a arguida G..., Ldª interpor o presente recurso, apresentando a respectiva motivação, que, após convite nos termos do art.º 417º, nº 3 do C. P. Penal, apresentou as conclusões e petitório que a seguir se transcrevem:

“1 - O despacho recorrido entende que não se verifica qualquer nulidade decorrente da não notificação da sentença pessoalmente à arguida, mas apesar de não se ter a recorrente como notificada para comparecer na leitura da sentença, a verdade é que não foi só a nulidade de tal omissão que se arguiu e peticiou.

2 - Contudo, o foco está também direcionado na omissão da notificação da sentença pessoalmente à arguida, que já não a sua presença na leitura.3 - Urge também cotejar os pedidos efectuados no final do requerimento que deu origem ao despacho recorrido:

"TERMOS EM QUE deve ser:

a) reconhecida a nulidade decorrente da falta de notificação pessoal da sentença à arguida;
b)dada sem efeito a conta final elaborada e a sua notificação;c)reconhecido o não trânsito da sentença proferida e
d) ordenada a notificação pessoal da arguida, na pessoa do seu representante."
leitura, mas sim da falta de notificação pessoal da sentença.
4- Nunca foi pedida a declaração de nulidade pela não notificação pessoal da arguida para a leitura, mas sim da falta de notificação pessoal da sentença.
5 - Pedindo-se por fim que fosse: "d) ordenada a notificação pessoal da arguida, na pessoa do seu representante."
6 - E esta nulidade decorrente da omissão da notificação da sentença em si após a respectiva leitura, em bom rigor, não foi apreciada.
7 - O DL 322/82, é muito claro no seu "artigo 74.º - Regime do recurso: 1 - O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste." (sublinhado nosso).
8 - É inquestionável que a arguida não esteve presente na leitura da sentença NEM nunca foi tentada a notificação da sentença à arguida.
9 - Discutir se a arguida esteve ou não representada é algo que deita por terra o legalmente estabelecido e que não está em causa.
10 - A interpretação da lei não tolera qualquer restrição, ou o legislador teria dito: "se o arguido não estiver presente nem representado", o que não é o caso.
11 - É proibida e defendida pelo plenário do STJ a "analogia in malam partem, com o reverso de admissão in bonam partem".
12 - Tal princípio aplica-se também a interpretações restritiva e/ou extensivas que redundem em soluções desfavoráveis ao arguido.
13 - O arguido tem também o direito a confiar no legislador e nos Tribunais, e que quando a lei diz qual o prazo e o momento a partir do qual o mesmo se conta, assim será aplicado nos Tribunais.
14 - O princípio da confiança, como decidio pelo STj no Acórdão supra, "(...) comporta a ideia da previsibilidade que, no essencial se «reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos».".
15 - A propósito da “segurança jurídica” e da “protecção da confiança” refere o J.J. Gomes Canotilho que “… a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia da estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos."
16 – Face à cristalina redação e à inexistência de margem de interpretação que legalmente revogue o estatuído, temos que ainda não ocorreu a obrigatória notificação pessoal da sentença à arguida e o prazo para interpor recurso ainda não se iniciou sequer.
17 - À cautela, diga-se desde já que a interpretação restritiva citada e adoptada de que a parte do artigo 74.º nº 1 do DL 433/82 no sentido de que apesar de a lei dizer caso o arguido não tenha estado presente na audiência apenas é aplicável caso não tenha estado presente nem representado é manifestamente inconstitucional por violar os princípios da segurança e confiança jurídicas, fazendo concomitantemente uma interpretação restritiva contrária aos ditâmes do Direito Penal, violando também o disposto nos arts. 2.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
18 - Os princípios da segurança e da confiança jurídicas bem como os ditâmes interpretativos do Direito Penal nunca permitiriam uma constitucional interpretação restritiva como a preconizada e feita.
19 - Assim, em qualquer processo contra-ordenacional a que se aplique o DL 433/82, a interpretação restritiva que determine que de forma geral e abstracta onde se lê no art. 74.º nº 1 que o prazo se conta da notificação pessoal ao arguido que esteve ausente da leitura da sentença apenas se aplica se este esteve ausente E não representado.

TERMOS EM QUE deve ser julgado procedente o recurso e:
a) reconhecido que o arguido nunca foi notificado da sentença principal proferida nos autos;
b) reconhecido que o prazo de recurso ainda não iniciou;
c) ordenada a baixa dos autos para efectivação da notificação pessoal da sentença ao arguido.”

Respondeu o Ministério Público na 1ª instância, que suscitou a questão prévia de rejeição do recurso por falta de alegações e, caso se entenda pela sua admissão, pugna pela sua improcedência e pela consequente confirmação do decidido, porquanto e em suma, no dia da leitura da sentença – 01/06/2022 – a recorrente esteve representada por mandatário, pelo que considera-se regularmente notificada do teor da sentença no dia em que a mesma foi proferida, dia a partir do qual começou a correr o prazo para recurso da mencionada sentença.

Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer suscitando a questão prévia da rejeição do recurso, por ausência de conclusões e, caso assim se não entenda, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, aderindo, no essencial, aos fundamentos constantes da resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância, que complementou com citação de jurisprudência que os sustenta.

Cumprido que foi o art.º 417º, nº 2, do CPP, foi apresentada resposta pela recorrente, mantendo, no essencial, o pedido final do recurso apresentado.

Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado - artigo 419º, nº 3, al. c), do Código de Processo Penal.

II- FUNDAMENTAÇÃO:

1 – OBJECTO DO RECURSO.

A jurisprudência do STJ[1] firmou-se há muito no sentido de que é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.[2]
Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, consiste em determinar se verifica a nulidade decorrente da falta de notificação pessoal da sentença à arguida.

2- DA DECISÃO RECORRIDA

“No dia 01.06.2022 foi proferida sentença no âmbito dos presentes autos, na presença do Exmo. Sr. Dr. AA, devidamente munido com substabelecimento com reserva outorgado pelo Exmo. Sr. Dr. BB, mandatário da recorrente.
Compulsados os autos, mais concretamente, as referências n.ºs ...29 e ...48 verificamos que o legal representante da recorrente foi notificado para a data da leitura, por carta registada com aviso de recepção, não tendo, no entanto, procedido ao seu levantamento.
Veio a recorrente, por requerimento datado de 31.08.2022, alegar que a sentença ainda não transitou em julgado, uma vez que foi proferida sem que tivesse sido notificada da data designada para a sua leitura, o que, na sua óptica, constituiu uma nulidade.
Pronunciou-se a Digna Magistrada do Ministério Público nos termos e com os fundamentos que constam da promoção que antecede.
Apreciando.
Conforme se lê, a título meramente exemplificativo, no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 04.11.2016 e disponível no sítio da internet www.dgsi.pt, “a notificação a que alude a última parte do n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro apenas se aplica a decisão que seja proferida por despacho ou em que a audiência seja realizada sem notificação regular do arguido, e não nas situações em que o mandatário tenha sido notificado da data da leitura da sentença e não compareceu, contando-se o prazo para interposição de recurso a partir do depósito da sentença”.
No caso dos autos, verifica-se que o legal representante da recorrente foi devidamente notificado da data designada para a leitura de sentença, não se vislumbrando donde decorre a conclusão do il. causídico quando se reporta à obrigatoriedade de notificação através de PD, a qual, obviamente, apenas se aplica no...

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