Acórdão nº 2175/22.9T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-06-26

Data de Julgamento26 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão2175/22.9T8MTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Procº nº 2175/22.9T8MTS.P1

Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1338)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório

A autora, AA, patrocinada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra “A...” e “BB” pedindo que, na procedência da ação,
a) “Reconhecer-se que a A., desde 14/12/2021 era trabalhadora permanente da Ré ou trabalhava por tempo indeterminado para a Ré e que foi ilicitamente despedida pelo facto do despedimento ter ocorrido fora do período experimental de 15 dias e não ter sido precedido do respectivo procedimento;
b) Condenar-se a Ré a pagar à A uma indemnização em substituição da reintegração, que à data da propositura da acção perfaz o montante de 2631,29€;
c) Condenar-se a Ré a pagar o montante correspondente ao valor das retribuições que a A. deixou de auferir nos antecedentes 30 dias e nas que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão, computando-se as vencidas em 892,65€;
d) Condenar-se a Ré no pagamento dos créditos reclamados nos art.º 24º a 27º da P.I., no montante global de 397,10€ e no
e) pagamento de juros:
- quanto à indemnização em substituição da retribuição a partir da data da respectiva decisão judicial;
- a partir da data do vencimento de cada uma daquelas retribuições intercalares peticionadas no art.º 23º da PI, sendo a primeira devida na data de propositura da presente acção (art.º 278º, n.sº1 e 4, do CT);
- desde 1/01/2022 quanto à quantia peticionada no art.º 24º da P.I.;
- desde o dia seguinte à cessação do contrato de trabalho quanto ao peticionado nos art.º 25º, 26º e 27º da P.I. - art.º 805º, n.º 2, al. b) e n.º 3 do C. Civil.
Condenar-se a Ré BB, gerente da Ré, subsidiariamente nos termos do art.º 174º, n.º 2 do Código do Trabalho, no pagamento dos créditos reclamados nos art.º 22º a 27º da P.I., no montante global de 3921,04 e no pagamento de juros:
- quanto à indemnização em substituição da retribuição a partir da data da respectiva decisão judicial.
- a partir da data do vencimento de cada uma daquelas retribuições intercalares peticionadas no art.º 23º da PI, sendo a primeira devida na data de propositura da presente acção (art.º 278º, n.sº1 e 4, do CT);
- desde 1/01/2022 quanto à quantia peticionada no art.º 24º da P.I.;
- desde o dia seguinte à cessação do contrato de trabalho quanto ao peticionado nos art.º 25º, 26º e 27º da P.I. - art.º 805º, n.º 2, al. b) e n.º 3 do C. Civil.”
Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a Ré contrato de trabalho temporário, a termo incerto, que deve, contudo, ser considerado sem termo e, assim, tendo a Ré comunicado-lhe a sua cessação foi ilicitamente despedida.

A Ré contestou, invocando, em síntese:
- a aceitação da caducidade do contrato de trabalho pela Autora, para tanto alegando que: na sequência da caducidade do contrato de trabalho da Autora, a Ré procedeu ao pagamento da compensação devida, calculada nos termos do art. 345º, n.º 4, alínea a) e 366º do Código do Trabalho (CT), no montante de € 46,66, conforme recibos de vencimento juntos como doc. n.º 4 e 5 na petição inicial e que a A. recebeu e aceitou, como refere no art. 15.º da p.i., não questionando a A. a correção de tal montante e, em nenhum momento a devolveu ou colocou à disposição da Ré; assim, e porque não a ilidiu, presume-se que aceitou a caducidade do seu contrato de trabalho, bem como o termo aposto ao seu contrato, os motivos e procedimento conducentes à caducidade, o que determina a extinção do seu direito de impugnar a caducidade do seu contrato de trabalho, pedindo a nulidade do motivo justificativo do termo aposto ao mesmo.
Invoca ainda o abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Mais pugna pela validade do contrato de trabalho temporário celebrado.

A A. respondeu (na sequência do despacho de 14.06.2022), pugnando pela improcedência das exceções da “aceitação do despedimento, da caducidade e do abuso de direito em invocar a nulidade da estipulação do termo e da consequente conversão em contrato de trabalho sem termo” alegando, em síntese, que: é empregada de andares/limpeza, completamente leiga em matéria jurídica, razão pela qual desconhecia, até ser informada pelo magistrado do Mº Pº, que o contrato de trabalho celebrado com a Ré no dia 14/12/2021 não obedecia aos requisitos legais e que estava contratado «ab initio» como trabalhador por tempo indeterminado ou que tinha celebrado um verdadeiro contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado; quando lhe foi comunicada a alegada caducidade do contrato de trabalho em momento algum aceitou a cessação do contrato, tendo ficado surpreendida com tal comunicação, uma vez que gostava do seu trabalho e estava convencida que continuaria a trabalhar para a Ré para além de 26/01/2022; nunca aceitou expressa ou tacitamente a cessação do contrato de trabalho por caducidade, pois limitou-se a receber os créditos salariais ou laborais que lhe eram devidos, incluindo a compensação no montante de 46,66€, a qual será abatida à indemnização devida pelo despedimento ilícito, conforme já expresso na P.I.; só nos casos de despedimento coletivo, extinção de posto de trabalho ou por inadaptação, está legalmente prevista a presunção dessa aceitação, a qual pode ser ilidida pelo trabalhador, nos termos previstos no art. 366º, nº 5.
Mais pugna pela inexistência do invocado abuso de direito.

Aos 16.09.2022 foi fixado o valor da ação em €3.921,04 e proferido despacho saneador que considerou ter-se o contrato de trabalho convertido em contrato de trabalho sem termo (por falta de concretização do motivo justificativo da sua celebração) e mais dizendo o seguinte:
“Uma vez que o contrato sempre se terá de considerar como celebrado por tempo indeterminado, a supra descrita conduta da ré (em pôr fim ao vínculo laboral) configura uma situação de despedimento.
Por sua vez, não tendo tal despedimento sido precedido do competente processo disciplinar, ter-se-á de considerar o mesmo ilícito – art. 381º, al. c) do CT.
Nos termos do disposto no art. 390º do CT, a autora tem direito às importâncias correspondentes ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença proferida a final, deduzida dos montantes a que alude o n.º 2 do mesmo artigo.
Assiste, ainda, à autora o direito a ser indemnizada por todos os danos sofridos (já que a autora optou, desde logo, pela correspondente indemnização por antiguidade em detrimento da sua reintegração) – art. 389º n.º 1, al. a) –, indemnização essa fixada nos termos previstos pelo art. 391º do CT, ou seja, fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade (atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º do mesmo código), sendo certo que tal indemnização não pode ser inferior a três meses de retribuição base - art. 391º n.º 3.
Considerando que, no caso em análise, a autora esteve ao serviço da ré durante 44 dias não se tendo apurado/provado quaisquer informações concretas referentes ao exercício das respectivas funções, julga-se adequado e justo fixar a indemnização no mínimo legal de 15 dias
Para o cômputo da indemnização a atribuir ter-se-á de ter subjacente a retribuição auferida pela autora a título de remuneração, ou seja, RB de € 5.15 /hora x 173,33 / 15 dias x 3 meses (art. 391 n.º 3 do CT).
Consequentemente, a título de indemnização, terá a autora direito ao montante global de € 1388,99 deduzido da quantia de €46,66(já recebida a título de compensação), ou seja, a quantia de € 1292,33.
Quanto às retribuições a que alude o art. 390º n.º 1 do CT tem a autora direito a receber as mesmas referentes aos 30 dias anteriores à propositura da presente ação no montante de 892,65 (€ 5.15 x 173,33 horas), ou seja, desde 03-04-2022 até ao trânsito em julgado da presente ação.”,
E mais determinando o prosseguimento dos autos para apuramento da restante matéria em discussão – créditos reclamados nos art.s 24º a 27º da p.i.”

A A., aos 25.09.2022, recorreu. Porém, por requerimento de 11.10.2022, no qual refere que “no intuito de evitar uma possível contradição de julgados e dado que apresentou recurso subordinado”, dele veio desistir, desistência admitida pela 1ª instância por despacho de 28.11.2022.

A Ré recorreu da decisão proferida no despacho saneador, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso vem interposto do douto despacho saneador sentença notificado às Recorrentes em 19/09/2022 e que veio julgar a acção parcialmente procedente, e julgar como nulo o termo aposto ao contrato de trabalho, bem como, em conformidade, concluir pela existência de despedimento ilícito nos autos, condenando as Rés ao pagamento de indemnização à Autora.
B. O recurso vem ainda interposto da interpretação que é feita no despacho saneador sentença da interpretação do artigo 366,º, n.º 4 do CT, e bem assim, dos efeitos jurídicos retirados da comunicação da caducidade do contrato de trabalho à Autora.
C. Assim, com o presente recurso, as Recorrentes pretendem impugnar a decisão proferida quanto às referidas matérias, uma vez que as mesmas decorrem de uma errada análise e julgamento da matéria submetida a apreciação e à errada interpretação e aplicação do Direito aos factos, o que imporia uma decisão diferente por parte do tribunal recorrido. O julgamento quanto à validade do termo do contrato implicará ainda uma diferente decisão quanto à consequência jurídica da declaração unilateral da cessação do contrato e bem assim, quanto à inexistência de despedimento ilícito.
Isto posto,
D. No ponto A) dos factos dados como provados, vem o tribunal recorrido dar como provado que
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT