Acórdão nº 216/22.9T8ACNF.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 02-05-2023

Data de Julgamento02 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão216/22.9T8ACNF.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CINFÃES DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU)

Processo nº 216/22.9T8ACNF.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Paulo Correia

2º Adjunto: Helena Melo

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante o Município ..., e expropriados AA e BB, declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra de Infraestruturas de Desporto, Recreio e Lazer de ..., entre elas a parcela a que corresponde o artigo matricial rústico nº ...35, pertencente aos aqui expropriados,

e proferido Acórdão Arbitral,

dele vieram recorrer a entidade expropriante,

bem como os Expropriados, em cujas alegações de recurso formulam a seguinte pretensão:

alegando terem instaurado uma ação administrativa contra a entidade expropriante, com vista à declaração de nulidade e anulação da Declaração de Utilidade Publica da expropriação que está na génese dos autos (proferida por despacho do Secretário de Estado da Descentralização e da Administração Local, de 17 de Dezembro de 2021, publicado a no Diário da República, 2.ª série, n.º 6, de 10 de Janeiro de 2022), e que essa ação administrativa constitui causa prejudicial em relação à presente ação, uma vez que a decisão sobre a indemnização depende da validade da DUP, em discussão naquele outro processo,

requerem a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a prolatar na jurisdição administrativa.

A Câmara Municipal ... veio-se opor ao pedido de suspensão, alegando, em síntese:

a impugnação do ato administrativo não suspende a sua eficácia, podendo prosseguir com a sua execução, dando seguimento ao competente procedimento administrativo de expropriação, agora aqui em juízo para decidir da justa indemnização;

o Município só ficaria impedido de dar seguimento ao processo de expropriação decorrente da DUP se os expropriados tivessem lançado mão de uma providencia cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo, ao abrigo do art. 112º, nº2, al. a), do CPTA;

de qualquer modo, como se expôs na contestação apresentada pelo Município no âmbito da referida ação, ainda que se considerasse existir alguma insuficiência ou irregularidade no ato de declaração de utilidade publica, quer quanto à identificação dos proprietários, quer quanto à identificação dos prédios, o certo é que as consequências jurídicas da nulidade ou da anulabilidade nunca seriam as pretendidas pelos ali AA.;

este não é o tribunal competente para decretar a suspensão pretendida pelos expropriados ou para se pronunciar sobre o objeto da expropriação contido na DUP.

Pelo juiz a quo foi proferido despacho, de que agora se recorre, determinando a suspensão da ação até ser proferida decisão transitada em julgado no processo n.º 220/22...., a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ....


*

Inconformado com tal decisão, o Município dela interpôs recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

I. A declaração de utilidade pública (DUP) da expropriação que está na génese destes autos, proferida por despacho do Secretário de Estado da Descentralização e da Administração Local, de 17 de Dezembro de 2021, foi publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 6, de 10 de Janeiro de 2022 (Declaração (extrato) n.º 6/2022), retificada por declaração de retificação n.º 42/2022, publicada em 20 de Janeiro de 2022, no DR nº 14, 2ª série, pág. 59.

II. Em 20.04.2022, vieram o Expropriados, aqui Recorridos, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal ..., instaurar ação administrativa para impugnação de ato administrativo pedindo a declaração de nulidade e anulação da Declaração de Utilidade Pública da expropriação litigiosa sub iudice, processo que ali corre termos com o n.º 220/22...., na ....

III. Nesta ação, os aqui Recorridos atacam a DUP com três fundamentos:

i. Preterição do direito de audiência prévia;

ii. Erro nos pressupostos de facto, já que a área de terreno objeto da expropriação delimitada pela Expropriante corresponderia “não a um, mas a dois prédios juridicamente distintos e a parte de outro prédio, também juridicamente distinto e que não é propriedade dos expropriados”;

iii. Usurpação de poder ao, alegadamente, determinar o conteúdo de direito de propriedade privada dos envolvidos – o que não se concede existir, na medida em foi cumprida toda a tramitação do CE.

IV. Nesta ação os Recorridos limitam-se a alegar supostas ilegalidades de natureza formal e sempre supríveis;

V. Nesta ação os aqui Recorridos nada mais invocam, designadamente, não beliscam – sequer – a causa da utilidade pública, âmago do ato de declaração impugnado.

VI. Para além desta ação os Expropriados não requereram, a título cautelar, a suspensão de eficácia da DUP, o que poderiam ter feito ao abrigo do artigo 112º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Ora,

VII. Não o tendo feito, e porque a mera impugnação do ato administrativo não suspende a sua eficácia, a DUP continuou a produzir plenamente os seus efeitos, pelo que, a ora Recorrente pode iniciar e prosseguir com a sua execução, dele retirando todas as consequências jurídicas, muito concretamente, dando seguimento ao competente procedimento administrativo de expropriação.

VIII. Assim, em 07.07.2022 a Recorrente remeteu todo o processo expropriativo ao Tribunal de 1ª instância,

IX. E, por Despacho 13.07.2022, retificado em 14.07.2022, foi adjudicada à ora Recorrente a propriedade e a posse da parcela em apreço e foi ordenada a notificação à expropriante e aos expropriados da Decisão Arbitral e da faculdade de interpor recurso nos termos dos artigos 51º, n.º 5 e 52ºdo CE. Assim, notificados de tal Despacho,

X. Em 19.09.2022 a ora Recorrente, veio interpor recurso da Decisão arbitral, alegando que os critérios utilizados para a avaliação da parcela se encontram infundados, o que consequentemente, resulta numa indemnização que entende injusta, porque excessiva.

XI. Em 20.09.2022, vieram também os Expropriados apresentar o seu recurso alegando, em primeiro lugar – e para o que aqui interessa - que instauraram uma ação administrativa contra a entidade expropriante, com vista à declaração de nulidade e a anulação da DUP da expropriação que está na génese destes autos, pelo que a mesma constitui causa prejudicial em relação à presente ação, uma vez que a decisão sobre a indemnização, que nesta será proferida, depende da validade da DUP, em discussão naqueloutro processo. Por conseguinte, requerem a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a prolatar na jurisdição administrativa

XII. Em 24.10.2022, a ora Recorrente apresentou resposta a este recurso, defendendo – como defende e seguidamente tentará demostrar – não existirem fundamentos para que fosse decretada a suspensão da instância, desde logo, porque a ação que corre no TAF ... não constitui causa prejudicial em relação à presente ação. Contrariamente a este entendimento,

XIII. O Mmº Tribunal a quo decidiu pela existência de um nexo de prejudicialidade entre as duas ações e, por Despacho de 21.11.2022, determinou a suspensão da presente ação até que seja proferida decisão transitada em julgado no processo n.º 220/22...., a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ....

XIV. Ora, com o devido e maior respeito, não se pode concordar com o entendimento e o decidido pelo MMº Tribunal a quo.

XV. Como se disse e alegou na resposta ao recurso da decisão arbitral interposto pelos Expropriados, aqui Recorridos, a mera impugnação do ato administrativo de Declaração de Utilidade Pública não suspende a sua eficácia, podendo a Entidade Demandada – neste caso o ora Recorrente – iniciar e prosseguir com a sua execução, dele retirando todas as consequências jurídicas, muito concretamente, dando seguimento ao competente procedimento administrativo de expropriação, agora aqui em Juízo para decidir da justa indemnização.

XVI. De facto, o Recorrente só ficaria impedido de dar seguimento ao processo de expropriação decorrente da DUP se os Expropriados tivessem lançado mão de uma providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo, ao abrigo do artigo 112º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e o TAF ... o tivesse decretado - o que, sublinhe-se, não aconteceu.

XVII. Acresce, ainda que, como é sabido, a declaração de utilidade pública consiste no ato pelo qual se reconhece que determinados bens são necessários à realização de um fim de utilidade pública mais importante do que a utilização que lhes era dada (cfr. Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo”, Vol. II, 10ª edição, pág.1020)

XVIII. É, pois, um ato administrativo, em que a Administração declara que a expropriação de determinados bens é necessária à realização de um certo fim de utilidade pública. (cfr. art.º 148º do Código do Procedimento Administrativo), é um ato de autoridade, proferido por uma autoridade administrativa, no âmbito duma relação jurídico-administrativa, enquadrado numa atividade regulada por normas, princípios e critérios de direito público (cfr. v.g. art.s 12º, 13º e 14º do CE).

XIX. Ora muito embora o MMº Tribunal a quo refira que a decisão de suspensão da instância não seria equiparável à decisão de suspensão de eficácia da DUP, ainda que, na prática, pudesse conduzir a igual resultado ao decidir pela suspensão da instância no âmbito do processo de expropriação, o Tribunal a quo acaba por considerar – de facto – como ineficazes ou inexistentes os efeitos de um ato administrativo – DUP – cuja suspensão de eficácia não foi requerida e muito menos decretada.

XX. Na prática decide contra a um ato de autoridade, contra o ponderado e fundamentado interesse público que está contido naquele ato e que se sobrepõe àquela que era a...

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