Acórdão nº 21576/19.3T8LSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-02-09

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão21576/19.3T8LSB.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I.Relatório

C… veio intentar a presente acção de divisão de coisa comum contra M…, A…, AP…, L…, J…, G…, e J… com vista a pôr termo à indivisão do prédio urbano em propriedade total com cinco pisos e seis andares, sito na C…, nº ... a nº ...-A, freguesia de A..., concelho de L____, inscrito na matriz urbana sob o artigo ....º (proveniente do anterior artigo ...-U da extinta freguesia de S. J... A...), descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... da freguesia de S. J... A... (proveniente da anterior descrição n.º ..... da dita freguesia), invocando a indivisibilidade do mesmo.
Citados, os interessados M…, A…, AP…, deduziram contestação invocando que o prédio é divisível e passível de ser constituído em propriedade horizontal.
Apesar de convidados para o efeito, não juntaram aos autos certificado municipal a atestar que o edifício satisfaz os requisitos administrativos para a constituição da propriedade horizontal.
Foi determinada a realização de perícia colegial com vista a apurar da divisibilidade do prédio em cinco fracções autónomas, tendo os a maioria dos Srs. Peritos concluído pela impossibilidade material de tal divisibilidade.

Foi proferida decisão a concluir pela desnecessidade de realização de segunda perícia requerida pelos contestantes e, na sequência, pela indivisibilidade do prédio, constando da fundamentação da mesma o seguinte:

“Factualidade assente com recurso aos documentos constantes dos autos e ao acordo das partes:
1.–Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... da freguesia de S. J... A..., o prédio urbano em propriedade total com cinco pisos e seis andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, composto por loja, rés-do-chão, três andares e mansarda, com a área total do terreno de 220 m2, área de implantação do edifício de 170 m2, área bruta privativa total de 685 m2 e área de terreno integrante das fracções de 50 m2, sito na C…, n.º ... a n.º ...-A, freguesia de A..., concelho de L____, que está inscrito na matriz urbana sob o artigo .....º.
2.–Pela apresentação 15 de 28.05.1987 foi registada a aquisição, por doação, da propriedade sobre o prédio identificado em 1., na proporção de:
- 6/24 a favor de C…;
- 6/24 a favor de J… e sua mulher L…;
- 4/24 a favor de M…;
- 4/24 a favor de A…; e
- 4/24 a favor de AP….
3.–Em 07.12.1995, faleceu J… deixando como seus únicos herdeiros L… e os filhos JN…, G… e JP….
Dos factos ora enunciados, dúvidas não restam de que a propriedade do prédio urbano cuja divisão se requer se encontra registada a favor do Requerente e dos Requeridos na proporção melhor descrita em 2. Verifica-se, pois, estarmos perante uma situação de compropriedade.
Atenta a natureza do bem a dividir, que corresponde a um prédio urbano; o resultado da perícia que refere que o bem não pode ser cindido de molde a por si só completar, em proporção, as quotas de cada comproprietário; e ainda ao facto de os Requeridos não terem junto certificado municipal a atestar que o edifício satisfaz os requisitos administrativos para a constituição da propriedade horizontal conclui-se, por um lado, não ser possível a constituição de propriedade horizontal e, por outro, que a divisibilidade do bem em substância se demonstra materialmente impossível.”.

Inconformado com a decisão proferida, vieram os interessados M…, A… e AP… recorrer, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
I–O Tribunal recorrido decidiu, no despacho recorrido, que o prédio objecto do processo é indivisível em substância, decisão que constitui decisão final respeitante à fase declarativa do processo especial de divisão de coisa comum, tendo indeferido a realização da segunda perícia solicitada pelos Requeridos, ora Recorrentes, decisão com a qual os Recorrentes não se conformam.
II–No âmbito do presente processo foi realizada perícia colegial, por 3 peritos nomeados pelas partes, tendo os Senhores Peritos prestado esclarecimentos ao relatório pericial, na sequência do pedido apresentado pelos Requeridos, aqui Recorrentes.
III–Não obstante os esclarecimentos prestados pelos Peritos e após análise dos mesmos, vieram os ora Recorrentes requerer a realização de segunda perícia, por entenderem subsistir no relatório pericial obscuridades e contradições, designadamente quanto à divisibilidade do prédio, por entenderem que o prédio em questão é divisível.
IV–No despacho recorrido, veio o Tribunal considerar não existirem quaisquer dúvidas quanto às conclusões vertidas no relatório pericial e informações complementares, no sentido de que, pese embora o prédio seja composto por “seis unidades funcionais independentes”, passíveis de preencher os critérios de autonomia, acessibilidade e isolamento, atento o presumível valor de mercado atribuído a cada uma das partes, não é possível estabelecer quinhões exclusivamente constituídos por cada uma das “ unidades funcionais autónomas” do edifício, por não existir correspondência entre os valores de mercado de cada uma dessas unidades e as quotas dos comproprietários, sem recurso a tornas, decidindo, consequentemente, que o prédio é indivisível.
V–Ora, a questão da (in)divisibilidade afere-se em função dos critérios veiculados pelo artigo 209º do Código Civil e outras normas imperativas, nela não interferindo a possibilidade de todos os interessados verem a sua quota satisfeita e integrada por uma fracção do primitivo prédio.
VI–Ou seja, nos termos do citado artigo 209º do Código Civil, serão divisíveis “as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam.”, como é o caso do prédio em causa nos presentes autos.
VII–Atendendo ao caracter instrumental do direito processual, ao qual não cabe definir direitos ou interesses dos particulares mas apenas fornecer os instrumentos jurisdicionais para a sua protecção, não poderá interpretar-se o disposto no artigo 929º, nº 1 do Código de Processo Civil no sentido de que a divisibilidade de um prédio tem de ser aferida em função da quota-parte dos comproprietários, teoria que se encontra, incorrectamente, plasmada nas respostas ao relatório pericial e nos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos F… e R…, em oposição à posição assumida nesses mesmos documentos por parte do Senhor Perito JC…, posição que foi acolhida pelo Tribunal no despacho recorrido.
VIII–Da análise do processo resulta que, ao contrário do que consta no despacho recorrido, a posição dos diversos peritos é contraditória entre si no que se refere à possibilidade de formação de quinhões, questão que constitui o segundo quesito do objecto da perícia, para além de errada, pelo que a realização de segunda perícia, com o mesmo objecto da primeira, com vista ao cabal esclarecimento de tais contradições, as quais se mantiveram após a prestação de esclarecimentos por parte dos peritos, deveria ter sido deferida pelo Tribunal.
IX–A contradição manifesta-se, desde logo, no facto de, respondendo os Peritos que o prédio preenche os critérios de autonomia, acessibilidade e isolamento, logo sendo divisível, não se entender o motivo pelo qual entendem não poderem formar-se quinhões para a sua divisão.
X–O erro encontra-se na interpretação dada ao artigo 209º do Código Civil e ao artigo 929º do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de que a divisão tem de ser possível, de forma equitativa e proporcional à quota de cada interessado, sem recurso a tornas.
XI–O raciocínio plasmado no relatório pericial e nos esclarecimentos prestados enferma assim, de manifesta contradição e obscuridade, que inviabiliza o relatório pericial no seu todo, uma vez que a resposta dada a final por dois dos peritos é manifestamente contraditória com a resposta dada ao primeiro quesito que constitui o objecto do relatório pericial.
XII–Como bem se decidiu no Acordão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 15.11.2012, proferido no processo nº 261/09.0TBCHV.P1.S1, em que foi relator Abrantes Geraldes, doutrina a que se adere:1– Numa acção de divisão de coisa comum, a divisibilidade de um prédio através de constituição da propriedade horizontal por sentença judicial não depende do acordo de todos os comproprietários, bastando-se com o requerimento de algum deles e com a verificação dos requisitos substantivos (artigo 1417º do CC) e os de ordem administrativa.
2– Não obsta à constituição da propriedade horizontal ope judicis o facto de as frações apresentarem valores diversos, já que o processo especial de divisão de coisa comum admite que possam existir tornas entre os proprietários.”.
XIII–Importa salientar, facto que foi totalmente desconsiderado por dois dos peritos, que, na realidade, os comproprietários, partes na presente acção, repartiram entre si, há várias décadas, a posse das várias “fracções” do prédio, ou seja das unidades funcionais independentes (no número de seis atenta a divisão do r/ch em duas unidades, sendo uma destinada a habitação e outra a loja), posse que mantêm há vários anos, a qual deve igualmente ser levada em consideração na possibilidade de divisibilidade do prédio objecto dos autos.
XIV–Para além de que o prédio se encontra materialmente dividido em 6 unidades funcionais autónomas, nos termos constantes da
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