Acórdão nº 215/18.5GBMCN-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-05-03

Ano2023
Número Acordão215/18.5GBMCN-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 215/18.5GBMCN-A.P1
Conferência de 03-05-2023.
Relator: Raul Cordeiro.


Sumário:
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I
Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
Nos autos de Processo Comum Singular n.º 215/18.5GBMCN, do Juízo Local Criminal de Marco de Canaveses, em que é arguido AA, foi proferido, em 13-01-2023, despacho homologatório da liquidação da pena principal de 16 meses de prisão, a executar em regime de permanência na habitação, e da pena acessória de inibição de conduzir por 16 meses, em que o arguido foi condenado nos autos (ref.ª 90876976).
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Descontente com tal decisão, no que à contagem da pena acessória diz respeito, dela interpôs recurso o arguido AA, tendo apresentado a respetiva motivação e conclusões, as quais se sintetizam nas seguintes questões:
a) Nulidade da “sentença”, por alegada omissão de pronúncia, dizendo o recorrente que não consta da mesma o critério utilizado para proceder à liquidação, o que afecta o seu direito de defesa, invocando a violação do disposto nos artigos 97.º, n.º 4, e 374.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, do CPP e 32.º, n.ºs 1 e 5, e 205.º da CRP, com a consequência enunciada no 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), do mesmo CPP (conclusões 1.ª a 11.ª).
b) Período de cumprimento da pena acessória, considerando o recorrente que, tendo entregue a carta de condução no dia 31-10-2022, termina o cumprimento dessa pena em 28-02-2024, atento o disposto nos artigos 479.º e 500.º do CPP, não podendo aplicar-se o disposto no artigo 69.º, n.º 6, do Código Penal, sendo a interpretação dada a essas normas pelo Tribunal a quo inconstitucional, por violar o estipulado no artigo 32.º da CRP (conclusões 12.ª a 25.ª).
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Admitido o recurso, respondeu ao mesmo o Exm.º Magistrado do Ministério Público, alegando, em síntese, que o arguido foi notificado da liquidação da pena acessória efectuada pelo Ministério Público e nada disse, sendo que não foi violado qualquer normativo legal pelo despacho homologatório (ref.ª 21590).
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Remetidos os autos a este Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, sustentando, em síntese, que o despacho recorrido (e não “sentença”, como o apelida o recorrente) não enferma dos vícios apontados, cujo sentido é perceptível, além de que fez uma correcta contagem do período de inibição de conduzir, pelo que deve o recurso ser julgado improcedente (ref.ª 16790067).
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Foi proferido despacho liminar e colhidos os vistos, com decisão em conferência.
II
As aludidas conclusões, que se sintetizaram, resultado da motivação apresentada, delimitam o objecto do recurso (art. 412.º, n.º 1, CPP), sem prejuízo de apreciação de questões de conhecimento oficioso que pudessem suscitar-se, como é o caso dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, mesmo que o recurso verse apenas sobre a matéria de direito (cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR I, de 28-12-1995).
Não se descortinando outras de conhecimento oficioso, passa a apreciar-se as questões suscitadas pelo recorrente AA. Assim,
a) Nulidade da “sentença”, por alegada omissão de pronúncia, dizendo o recorrente que não consta da mesma o critério utilizado para proceder à liquidação, o que afecta o seu direito de defesa, invocando a violação do disposto nos artigos 97.º, n.º 4, e 374.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, do CPP e 32.º, n.ºs 1 e 5, e 205.º da CRP, com a consequência enunciada no 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), do mesmo CPP.
Para melhor percepção das questões enunciadas, importa ter presente a decisão proferida, o qual é do seguinte teor:
Liquidação da pena fls. 824:
Veio o Ministério Público promover a liquidação da pena de prisão aplicada ao condenado AA, na sequência do Acórdão que o condenou a 16 meses de prisão em regime de permanência na habitação.
Notificado o arguido, nada foi dito.
Cumpre decidir:
O condenado encontra-se privado da liberdade à ordem destes autos desde 21 de dezembro de 2022 (fls. 822).
Foi detido por um dia, em 20.08.2018 (fls. 20 e 58), à ordem dos presentes autos, pelo que há que proceder a desconto nos termos do artigo 80.°, n.° 1, do CP.
Posto isto, o início do cumprimento da pena ocorreu em 21.12.2022, pelo que:
1/2 ocorrerá em 20.08.2023.
2/3 em 09.11.2023.
Fim em 20.04.2024.
Em face do exposto homologo a liquidação de pena (artigo 477.°, n.° 4, do Código de Processo Penal).
Notifique dando cumprimento ao disposto na parte final do n.° 4 do artigo 477.° do Código de Processo Penal.
Diligencie pela transmissão eletrónica das certidões (artigo 477.°, n.° 1, do CPP).
(…)
Liquidação da pena acessória:
Ao condenado AA foi ainda aplicada a pena acessória de inibição de conduzir veículos por 16 meses.
O condenado entregou a carta de condução em 31.10.2022.
Está privado da liberdade desde 21.12.2022 e até 20.04.2024, como acima liquidado.
Considerando que durante o período de privação de liberdade não estará em cumprimento da pena acessória, cfr. artigo 69.°, n.° 6, do CP,
O termo da pena acessória ocorrerá a 01.07.2025.
Em face do exposto, defiro o promovido.
Notifique e dn.” (ref.ª 90876976).
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Cumpre apreciar.
O presente recurso, atento o seu objecto, versa exclusivamente sobre matéria de direito (n.ºs 1 e 2 do art. 412.º do CPP).
Versando sobre matéria de direito, a lei impõe que sejam indicadas pelo recorrente, designadamente, “as normas jurídicas violadas” e “o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela deveria ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada” (als. a) e b) do n.º 2 do art. 412.º do CPP).
Efectivamente, os recursos representam um meio de impugnação das decisões judiciais, cuja finalidade consiste na eliminação dos seus erros, defeitos ou lapsos através da sua análise por outro órgão jurisdicional, desse modo constituindo um instrumento processual de consagração prática dos princípios constitucionais de acesso ao direito e de garantia do duplo grau de jurisdição (arts. 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP).
Alega o recorrente, em síntese, que da “Sentença recorrida” não consta o critério utilizado para proceder à liquidação da pena acessória, nos termos aí estabelecidos, pelo que tal omissão de pronúncia acarreta a “nulidade da sentença”, uma vez que afecta as suas garantias de defesa constitucionalmente consagradas, devendo tal nulidade ser declarada, bem como os actos posteriores, sendo que a mesma “Sentença recorrida” não fez um exame crítico das provas que permitiram formar a “convicção”, o que igualmente conduz à sua nulidade. Em suporte de tal alegação, o recorrente invoca o disposto nos artigos 374.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), 355.º, 97.º, n.º 4, e 127.º todos do CPP e nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5, e 205.º da CRP.
O invocado artigo 374.º do CPP reporta-se, como é sabido, aos “Requisitos da sentença”, estabelecendo o aludido n.º 1, alínea d), que “A sentença começa por um relatório, que contém: (…) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada”, referindo, por sua vez, o n.º 2 que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Essas menções a que alude o n.º 2 assumem tal importância que a lei sanciona a sua falta com a nulidade da própria sentença, tal como ocorre quando o tribunal “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”, devendo essas nulidades “ser arguidas ou conhecidas em recurso” (als. a) e c) do n.º 1 e n.º 2 do art. 379.º).
Tal abrangência de enunciação e fundamentação factual incide, necessariamente, sobre os factos alegados pela acusação e pela defesa, bem como os que resultarem da prova produzida em audiência, que sejam relevantes para a decisão da causa, designadamente para a caracterização do crime, os quais constituem objecto da prova, sendo essa a amplitude da discussão em audiência de julgamento (arts. 124.º, n.º 1, e 339.º, n.º 4, do CPP).
Sucede que a alegação do recorrente parte de um pressuposto totalmente errado, qual seja a afirmação de que a decisão recorrida é uma sentença, o que, como certamente bem saberá, não corresponde à verdade.
A sentença dos autos foi proferida em 15-09-2021, depois alterada por acórdão deste Tribunal da Relação de 27-04-2022, que reduziu as penas ali aplicadas, fixando a principal em 16 meses de prisão, a executar em regime de permanência na habitação, e a acessória em 16 meses de proibição de conduzir.
Tais actos decisórios, que conheceram, a final, do objecto do processo, é que têm a natureza de sentença e acórdão, respectivamente, tal como definidos pelo artigo 97.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do CPP.
Manifestamente que não cabe no conceito de sentença o acto decisório pelo qual se efectuou o cômputo das penas principal e acessória em que o agora recorrente foi condenado, tratando-se, antes, de um despacho (al. b) n.º 1 do referido art. 97.º).
Tais normativos dos artigos 374.º e 379.º do CPP são aplicáveis somente à sentença (ou acórdão), não sendo aí feita qualquer alusão à sua aplicabilidade aos restantes actos decisórios, ao contrário do que sucede com outras normas, onde essa aplicação está expressamente prevista (cfr. n.º 3 do art. 380.º).
Tanto basta para “fazer cair” toda a argumentação do recorrente, estribada nos mencionados artigos 374.º e 379.º do CPP.
E o mesmo se diga quanto aos invocados artigos 127.º (livre apreciação da prova) e 355.º (proibição de valoração de provas) do CPP, não se descortinando a sua relevância para o caso em apreciação, nem a mesma é referida na motivação,
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