Acórdão nº 2139/20.7T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10-03-2022

Data de Julgamento10 Março 2022
Ano2022
Número Acordão2139/20.7T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

A autora V. C., NIF ………, com a profissão de empregada de limpeza, emigrante no Luxemburgo, onde reside em .., Rue … e com morada em Portugal na Rua …, freguesias de … e …, comarca de Braga, veio instaurar acção Comum de indemnização com base em responsabilidade civil extracontratual - Lei n. 67/2007, de 31-12, contra o Réu Estado Português, contribuinte nº ………, com sede na Praça … Lisboa, representado pelo Ministério Público, deduzindo os seguintes pedidos:

“- Julgar-se a presente acção procedente por provada, condenando-se o Réu a pagar à Autora:
a)- A quantia de € 53.894,05 (71.589,05 € - 18.000,00€),
b)- A quantia de € 3.233,64, relativa aos juros de mora, sobre tal quantia de € 35.894,28, contados nos termos das ditas sentenças, desde a data da prolacção da sentença de 1ª Instância, em 12.10.2018 até ao momento da instauração da presente acção (…)”.
Como fundamento, alega, em suma, a responsabilidade civil decorrente de erro de direito praticado no exercício da função jurisdicional quanto à decisão proferida no processo 2281/15.6T8VCT, por si instaurado contra a Companhia de Seguros X, S.A., respeitante a um acidente de viação de que foi vítima, por ocorrência de um erro no cálculo final respeitante ao dano biológico que aí foi fixado.
*
Devidamente citado, o Ministério Público contestou a acção, impugnando os factos e arguindo não existir decisão revogatória da alegada decisão danosa, como pressuposto necessário para a procedência da demanda, que, por inexistente consubstancia excepção peremptória que importa a absolvição total do pedido.
*
Foi agendada audiência prévia e conferida às partes a possibilidade de se pronunciarem quanto às excepções invocadas na contestação, tendo-se, atendendo à causa de pedir e aos factos tidos como assentes, proferido decisão de mérito que julgou procedente a excepção peremptória invocada pelo Réu, da falta do pressuposto a que alude o n.º 2 do art. 13.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro e, consequentemente, absolvido o Estado Português do pedido.
*
II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio a A. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

A.
Tendo as duas sentenças,
declarado que a autora tem direito e receber uma indemnização de € 71.859,05, à qual se deduz a quantia de € 18.000,00, ou seja, a quantia de € 53.859,05;
Tendo ambas as sentenças,
cometido o erro judiciário - palmar, supino, crasso, gravemente negligente, intolerável, grosseiro e que conduziu a uma decisão aberrante - de, após reconhecerem tal direito de a ora recorrente receber da ré seguradora tal quantia, a condenaram a pagar apenas a quantia de € 18.000,00,
Tendo a autora,
recorrido de ambas essas decisões, nenhuma delas reparou tal tipo de erro, esgotando a autora todas as instâncias,
Tendo a sentença, ora recorrida,
absolvido o réu do pedido, por não haver a ora recorrente obtido previamente a revogação de tal danosa decisão, impõe se conclua que:
1º.
- A ORA RECORRENTE tem direito a receber a quantia de € 53.859,05, a título de dano biológico, por força das próprias sentenças transitadas em julgado.
2º.
- É absolutamente irrelevante - por desnecessária e sem sentido algum, porque violadora dos principios consagrados no nosso ordenamento jurídico - a exigência de uma prévia revogação da decisão danosa, conferindo ou reconhecendo um direito, porquanto o mesmo se encontra já atribuído pelas próprias 2 sentenças recorridas, ambas transitadas em julgado.
B.
Tendo a sentença de 1ª instância declarado, com contas detalhadas:
“ Aplicando estes dados obtemos o resultado de € 71.859,05 (€1.287,22 * 55 anos * 1,5% = 71.859,05”.
“ Dada a circunstância de a antecipação do recebimento do capital constituir um benefício para quem o recebe, por não ser a mesma coisa receber uma quantia de uma só vez ou recebê-la em diversas parcelas ao longo do tempo, justificar-se-ia que àquele valor se descontasse ¼, com o que se obteria o valor final de € 17.964,76.” - Fls. __. dos presentes autos.
Tendo o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, mantido - na íntegra “ipsis verbis” - tal decisão de 1ª Instância,
Tendo ambas as sentenças, condenado a Ré Seguradora a pagar à ora Recorrente uma indemnização de apenas € 18.000,00, não obstante haverem declarado ter direito a receber a quantia de 71.859,05, à qual mandava deduzir a quantia de € 18.000,00, ou seja, a quantia de € 53.859,05,
Impõe se conclua que:

- Ambas as sentenças cometeram erro judiciário palmar, supino, crasso, gravemente negligente, intolerável, grosseiro.

- Tal tipo de erro conduziu a uma decisão aberrante, com grave prejuízo material para a ora recorrente.
C.
Atentas as conclusões anteriores,
importa concluir que:
- No caso concreto dos autos, a exigência, de uma prévia revogação da decisão danosa, como decorre da sentença recorrida, sempre constituiria um manifesto atentado ao princípio da proporcionalidade, no caso concreto, em favor do lesante, como decorre – v.g.- do recente Acórdão do STJ de 5 de Junho de 2018 - Ana Paula Boularot (Relatora), acima transcrito.
D.
A PREVISÃO, NO ARTIGO 13.º DO RJRCEE, de que haverá responsabilidade por actos jurisdicionais “stricto sensu”, em caso de decisões manifestamente inconstitucionais ou ilegais inspirou-se na jurisprudência comunitária, que decidiu, atendendo às especificidades da função jurisdicional, que só poderá haver responsabilidade do Estado resultante de uma violação do direito comunitário por decisão jurisprudencial no caso excepcional de o juiz ter ignorado, de modo manifesto, o direito aplicável.
E.
O DISPOSTO NO ARTIGO 13.º, N.º 2, DO RJRCEE revela-se em oposição á jurisprudência do TJUE, porquanto exige que haja prévia revogação da decisão considerada violadora do direito comunitário, o que, no caso dos autos, é inaplicável,
POIS QUE:
a)- Estamos perante duas decisões judiciais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto,
Isto é,
b)- Não se trata de responsabilidade do Estado por actos de simples interpretação do direito e valoração dos factos.
c)- Invoca-se como causa de pedir da responsabilização civil extracontratual do Estado, tal erro grosseiro.
d)- A Autora (lesada) interpôs recurso de ambas as decisões, impugnando-as, primeiro junto do Tribunal da Relação de Guimarães, depois junto do Supremo Tribunal de Justiça e, finalmente, por força da não admissibilidade do recurso de revista, por o valor do processo não o admitir, novamente junto do Tribunal de 2ª Instância,
Ou seja,
e)- Percorreu/esgotou todas as instâncias recorríveis, impugnando as decisões das duas referidas instâncias, não só relativamente à questão da indemnização ora em causa, mas também relativamente a outros danos morais e patrimoniais, conforme resulta dos documentos juntos aos autos com a Petição Inicial, com a contestação - vide fls. 260 destes autos.
F.
DECLARANDO AMBAS AS DECISÕES, transitadas em julgado:
a)- “ Ora, tendo em conta os critérios jurisprudenciais e as circunstâncias concretas do caso, e adoptando a fundamentação e a fórmula de cálculo da indemnização proposta no acórdão da Relação de Guimarães de 10.04.2014, a sua expectativa de vida da autora em termos estatísticos (pelo menos, mais 55 anos) – de acordo com os elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, actualmente a esperança de vida à nascença foi estimada em 80,41 anos para o total da população, sendo de 77,36 anos para os homens e de 83,23 anos para as mulheres -, o grau de incapacidade que a afecta (0,06), e ainda julgando como equitativo para o efeito de base de cálculo, a média de € 1.533,00 mensais temos o seguinte: para o rendimento anual de € 21.462,00 (€1.533x14 meses), uma IPG de 0,06, uma taxa de juro de 1,5% 12/13, a perda salarial cifra-se em €1.287,72 (€21.462x0,06); aplicando estes dados obtemos o resultado de € 71.859,05 (€1.287,22x55 anos x 1,5%= € 71.859,05), valor ao qual é deduzida a quantia de € 18.000,00.

IMPORTA CONCLUIR QUE:

- Cabendo à autora o declarado direito, que é o de receber a diferença entre esses valores - € 53.859,05 - é absolutamente irrelevante, por desnecessária e sem sentido algum, a exigência de uma revogação da decisão danosa, conferindo/ reconhecendo exactamente um direito, que já se encontra atribuído por tais sentenças, transitadas em julgado.

- Reconhecido que está o direito a receber € 53.859,05, mas condenando-se a pagar apenas € 18.000,00, “in casu”, só há uma coisa a fazer:- Declarar tal tipo de erro e indemnizar a Autora, nos termos do disposto na Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.

- Ao decidir de forma diferente, a sentença subverteria, desde logo, com/sagrado princípio da divisão dos poderes, assim como o da efetivação de um direito constitucionalmente previsto no artº 22 da CRP.
G.
A SENTENÇA RECORRIDA viola as Directivas Comunitárias,
PORQUANTO:

- As jurisdições nacionais devem, dentro do possível, interpretar o respectivo direito nacional à luz das Directivas Comunitárias no caso aplicáveis, mesmo que não transpostas ou incorrectamente transpostas. É a chamada obrigação de interpretação conforme” (Ac. do STJ de 4 de Outubro de 2007, R.L.J., Ano 137.°, n.° 3946, pg. 44).

- Impõe-se, por isso, com vista ao respeito pelo princípio da primazia do direito comunitário em relação ao direito infra-constitucional e pelas soluções que o próprio legislador nacional sufragou, o entendimento de que o regime emergente do Dec.-Lei n.° 14/96, de 6 de Março, pretende regular não apenas as situações ocorridas posteriormente à sua entrada em vigorcomo também as anteriores que ainda não tenham sido objecto de decisão transitada em julgado.
G.
O legislador pode densificar os pressupostos da obrigação de...

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