Acórdão nº 213/16.3T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-09-14

Data de Julgamento14 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão213/16.3T8STR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 213/16.3T8STR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo de Comércio ... – J...
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
AA requereu o procedimento de exoneração do passivo restante e, ao ser recusada a exoneração do passivo restante, a devedora veio interpor recurso.
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Por decisão datada de 11/02/2016, foi declarada a insolvência de AA.
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Em 12/04/2016, foi admitido liminarmente o incidente de exoneração do passivo e foi fixado como limiar do rendimento disponível individual o valor correspondente a um salário mínimo nacional, devendo todo o excedente mensal ser entregue ao fiduciário designado.
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Em 18/06/2018 foi determinado o encerramento do processo de insolvência.
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A insolvente não remeteu ao fiduciário a informação relativa ao rendimento por si obtido, desde o início da exoneração.
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Na sequência de requerimento apresentado pelo “(…) Banco, SA” em que solicitava que fosse recusada a exoneração, foi ordenada a notificação do fiduciário para que, no prazo de 10 dias, informasse se a insolvente entregou os comprovativos dos rendimentos e, sendo caso, complementar o relatório.
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O fiduciário informou que a insolvente não entregou a documentação em falta.
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Foi realizada a notificação da insolvente, pessoalmente e através do seu Ilustre Mandatário para, no prazo de dez dias, se pronunciar sobre a requerida cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 243.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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A insolvente nada disse.
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Em 21/06/2023, foi proferida a decisão recorrida, que recusou a exoneração do passivo restante à insolvente AA e, consequentemente, declarou a cessação antecipada do procedimento.
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A insolvente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações contenham as seguintes conclusões:
«1. A sentença recorrida viola os princípio do CIRE.
2. Pois o recorrente demonstrou com documentos que os valores que ficam para viver são insuficientes.
3. O prejuízo que eventualmente que os credores poderiam ter sofrido.
4. O prejuízo a que se refere o artigo 238.º, n.º 1, alínea d), deverá corresponder a um prejuízo concreto que, nas concretas circunstâncias do caso, tenha sido efetivamente sofrido pelos credores em consequência do atraso á apresentação a insolvência
5. Cabia aos credores, o dever de virem reclamar tais prejuízos o que não aconteceu e os que fizeram foram ressarcidos.
6. Alias nenhum dos credores levantou este assunto em processo.
7. O recorrente esteve e sempre esteve de boa-fé.
8. Não sonegou bens, e antes pelo contrario demonstram os seus rendimentos na sua totalidade.
9. Tanto mais que nenhum credor foi prejudicado.
10. Não existe qualquer violação do CIRE.
11. O insolvente sempre prestou a colaboração.
12. Nunca disse que não entregava o carro.
13. Por isso deve ser decretada a exoneração do recorre.
Nestes termos e nos demais , requer-se a V. Exa. que seja revogada a sentença e seja decretada a exoneração do passivo ora negada com as consequências legais.
Assim se fará a costumada Justiça».
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Não houve lugar a resposta.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as conclusões das alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito ao apuramento se deve ser recusada a cessão do passivo restante.
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III – Factos com interesse para a decisão da causa:
Os factos com interesse para a justa decisão da causa constam do relatório inicial quanto à tramitação processual e, bem assim, os seguintes:
1 – À data da entrada da petição inicial, a insolvente era casada, mas vivia separada do marido, tinha dois filhos maiores e trabalhava como doméstica.
2 – Foi apreendida nos autos a meação de fracção autónoma designada pela letra ..., descrita na Conservatória do registo Predial ... sob o n.º...92 e inscrita na matriz sob o artigo ...30, correspondente ao ... andar para habitação, sita na Rua ..., em ....
A outra metade da meação estava apreendida no processo registado sob o n.º 214/16.... e ficou decidida a liquidação conjunta, devendo ser entregue metade do montante apurado aos presentes autos.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Considerações gerais sobre a exoneração do passivo:
Como se pode ler no Preâmbulo do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no que respeita aos insolventes singulares, procura-se conjugar de «forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica».
A exoneração do passivo restante constitui uma novidade do nosso ordenamento jurídico, inspirada no direito alemão (Restschuldbefreiung), determinada pela necessidade de conferir aos devedores pessoas singulares uma oportunidade de começar de novo[1]. Este instituto é igualmente tributário da Discharge da lei norte-americana (Bankruptcy Code).
O procedimento de exoneração do passivo restante encontra assento nos artigos 235.º a 248.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com particular enfoque no regime substantivo do instituto da cessão do rendimento disponível provisionado no artigo 239.º[2] do diploma em análise.
A exoneração do passivo restante traduz-se na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento das condições fixadas no incidente[3] (à data cinco anos). Daí falar-se de passivo restante. Excepciona-se, contudo, as dívidas abrangidas pela estatuição do n.º 2 do artigo 245.º[4] [5].
Estamos confrontados com dois interesses conflituantes, por um lado, a subsistência dos insolventes e, por outro, a finalidade primária do processo de insolvência que consiste no pagamento dos credores, à custa dos bens e dos rendimentos que deveriam ser canalizados para a massa insolvente.
A exoneração do passivo não se traduz numa faculdade do direito falimentar para o insolvente se libertar, incondicionalmente, da responsabilidade de satisfazer as obrigações que tem para com os seus credores durante o período de cessão e isso implica que seja encontrado um ponto de equilíbrio entre o ressarcimento desses credores e a garantia do mínimo necessário ao sustento digno do devedor e do seu agregado familiar.
Para além das obras genéricas relacionadas com o direito falimentar, sobre a problemática específica da exoneração do passivo restante podem consultar-se as posições de Luís Carvalho Fernandes[6] [7], Catarina Serra[8] [9], Adelaide Menezes Leitão[10] [11], Ana Filipa Conceição[12] [13], Alexandre Soveral Martins[14], Catarina Frade[15], Cláudia Oliveira Martins[16], Francisco de Siqueira Muniz[17], Gonçalo Gama Lobo[18] [19], José Gonçalves Ferreira[20], Mafalda Bravo Correia[21], Maria Assunção Cristas[22], Maria do Rosário Epifânio[23], Paulo Mota Pinto[24] e Pedro Pidwell[25].
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4.2 – Da decisão recorrida:
A decisão recorrida estriba-se no seguinte premissa: «a insolvente tinha conhecimento das obrigações que sobre si impendiam, tanto mais que foi notificada das mesmas aquando da prolação do despacho inicial a que alude o artigo 238.º, n.º 1, do CIRE.
Do supra exposto, resulta que a insolvente não prestou as informações a que estava obrigado nos termos do artigo 239.º, n.º 4, alínea a), do CIRE e, mesmo quando notificada pelo tribunal, não as prestou nem justificou esse comportamento omissivo.
Assim sendo, a conduta da insolvente consubstancia uma grosseira displicência face aos deveres que lhe estavam cometidos no período de cessão, mais concretamente, o dever de prestar as informações sobre os seus rendimentos (artigo 239.º, n.º 4, alínea a), do CIRE), actuação que se qualifica de grave negligência».
As causas que
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