Acórdão nº 20802/21.3T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-12-20

Data de Julgamento20 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão20802/21.3T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I- Relatório:
A , em Lisboa, propôs, em 10.9.2021, contra B [ ….-Sociedade de Construções, Lda ], ação declarativa sob a forma comum, pedindo a condenação da Ré a eliminar os defeitos do prédio sito na Rua …, nºs …, em Lisboa, de que a mesma Ré foi promotora imobiliária, assumindo o projeto respetivo cuja aprovação submeteu à CML.
Alega, para tanto e em síntese, que o prédio padece de vários defeitos que denunciou à Ré por carta de 2.3.2020, tendo esta aceitado a reparação de alguns deles, por cartas de 9.7.2020 e de 10.12.2020, e recusando outros, sendo certo que não veio a realizar qualquer reparação. Enumera, nos art.ºs 17º a 67º da p.i., os defeitos que cumpre à Ré eliminar, uma vez que constituem, segundo afirma, vícios de construção e más opções técnicas. Pede a condenação da Ré “a eliminar todos os defeitos do prédio, nos termos acima descritos na presente, e com o sentido e alcance aí evidenciados.”
A Ré contestou, impugnando, no essencial, a factualidade alegada e requerendo a intervenção acessória de A.M.V.- Arquitectura e Design, Lda. Conclui pela improcedência da causa.
Por despacho de 1.6.2022 foram as partes convidadas a pronunciar-se sobre “a eventual ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido, e contradição entre o pedido e a causa de pedir, nos termos do artigo 186º, nº 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.”
Pronunciou-se, em 17.6.2022, o Condomínio A., sustentando que não há contradição entre o pedido e a causa de pedir, tendo a Ré aceitado a existência de alguns defeitos enumerados no artigo 17º da p.i. e negado os demais enumerados nos artigos 18º a 71º, mas não tendo feito qualquer reparação, pelo que tem de ser pedida a eliminação de todos eles, cumprindo ainda fazer prova dos que não foram reconhecidos pela Ré. Nega, ainda, a ininteligibilidade do pedido, posto que os defeitos se encontram identificados, embora de forma densa, no articulado.
Em 5.7.2022, foi proferido despacho que julgou improcedente a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido, nos termos do art.º 186, nº 2, al. a), e 3, do C.P.C., mas julgou verificada a ineptidão por contradição entre o pedido e a causa de pedir, discorrendo neste tocante do seguinte modo: “(…) conforme se mencionou supra, considera-se que poderá estar em causa, igualmente, uma contradição entre a causa de pedir e o pedido. Vejamos.
Nos artigos 12.º e 15º da petição inicial, que acima se transcreveram, indica o Autor quais os defeitos que a Ré aceitou reparar.
E no artigo 17.º da petição inicial, que se repete, devido à sua relevância, refere o Autor que:
"Apesar de a R. não ter executado as correções dos defeitos que declarou aceitar, a A. admite que o fará, pelo que se vai limitar a reproduzir no pedido a condenação na sua eliminação de:
a) Fissuras visíveis nas paredes das garagens;
b) Empolamento da tinta na parede junto ao ponto de água no piso -1 por debaixo do Bloco 18;
c) Anomalia existente no rodapé da sala do 1º A.".
O próprio artigo 17.º da petição inicial é em si contraditório, porquanto refere o Autor que admite que a Ré fará as correcções dos defeitos que declarou aceitar, mas indica que pretende a condenação desta na eliminação dos defeitos que aceitou.
Ademais, o Autor menciona que se "vai limitar a reproduzir no pedido a condenação na sua eliminação de.
a) Fissuras visíveis nas paredes das garagens;
b) Empolamento da tinta na parede junto ao ponto de água no piso -1 por debaixo do Bloco 18;
c) Anomalia existente no rodapé da sala do 1º A.".
Contudo, o Autor peticiona a condenação da Ré "a eliminar todos os defeitos do prédio", o que é manifestamente contraditório com a causa de pedir acima mencionada.
Assim, se o Autor refere, conforme se mencionou, que se limitará a peticionar a eliminação daqueles três defeitos, mais tarde, quando formula o pedido, peticiona a eliminação de todos os defeitos do prédio.
No que concerne a este aspecto, veja-se ainda o seguinte.
O Autor, no requerimento datado de 17-06-2022, em que se pronuncia sobre a eventual ineptidão da petição inicial, refere que:
"1- Não se vê qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir.
2- A causa de pedir está claramente identificada, designadamente nos artigos 1.º a 16.º; com as especificações resultantes da parte restante da Petição até ao artigo 71.º.
3- Ou seja, a Ré construiu um prédio urbano, que manifestou defeitos, os quais foram denunciados de forma clara (artigo 10.º), sendo que, Respondendo, a Ré aceitou a existência de alguns enumerados no artigo 17.º e negou os restantes enumerados nos artigos 18.º a 71.º.
4- Portanto, relativamente aos defeitos confessados entende o Autor que o Tribunal não deve ser obrigado a pronunciar-se ou a discuti-los.
5- Obviamente porque estão confessados.
6- Mas não foram objeto de reparação.
7- Logo tem de ser levado ao pedido a sua eliminação.
8- Quanto aos restantes, que não foram objeto de confissão por parte da Ré, tem que se julgar da sua existência, qualificação e se os mesmos dão lugar ou não ao direito à reparação.".
Veja-se, desde logo, que o Autor vem agora trazer uma nova versão do que pretende com a petição inicial, uma vez que no pedido por si feito não distingue entre os defeitos que apenas quer ver eliminados e aqueles que quer ver também reconhecidos, qualificados e averiguados sobre se dão ou não direito à reparação, conforme agora explicita.
Ademais, esta argumentação do Autor também não se mostra de acordo com o exposto no artigo 17.º da petição inicial.
Quanto a esta questão, veja-se que "a ineptidão da petição inicial ou da reconvenção por contradição entre a causa de pedir e o pedido consubstancia um vício de raciocínio lógico que se traduz na circunstância de as premissas (causa de pedir) se mostrarem contraditórias com a conclusão (o pedido): - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 18-02-2016, relator Jorge Seabra, processo nº 7600/12.4TBBRG.G1,disponível in www.dgsi.pt.
A petição inicial também é inepta quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir, nos termos do artigo 186.º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil.
Desta forma, entende-se que a petição inicial é inepta, sendo nulo todo o processo, ao abrigo do disposto no artigo 186.º, nºs 1 e 2, alínea b) do Código de Processo Civil.
Ora, a nulidade de todo o processo consubstancia uma excepção dilatória, nos termos da alínea b) do artigo 577.º do Código de Processo Civil.
Veja-se que esta excepção dilatória é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 578.º do Código de Processo Civil).
A verificação desta excepção dilatória conduz à absolvição do réu da instância (cfr. artigo 576.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Pelo exposto, julga-se inepta a petição inicial, declarando-se nulo todo o processo e, consequentemente, absolve-se a Ré da instância, nos termos das disposições legais acima referidas.
Custas pelo Autor (cfr. artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
(…).”
Inconformado, interpôs recurso o Condomínio A., apresentando as respetivas alegações que culmina com as conclusões a seguir transcritas:

1) A causa de pedir, nos termos do artigo 581.º, n.º 4, 2ª parte do CPC, é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
2) A ineptidão da petição inicial decorrente da contradição entre o pedido e a causa de pedir pressupõe a ausência de nexo lógico entre a causa de pedir e o pedido formulado.
3) Não há contradição entre o pedido e a causa de pedir se na petição inicial foi demandado o promotor imobiliário, alegando-se a existência de defeitos em prédio urbano que este construiu e vendeu, os
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT