Acórdão nº 2051/12.3TYLSB-G.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 24-01-2023

Data de Julgamento24 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão2051/12.3TYLSB-G.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
A. R., SA, foi declarada insolvente por sentença de 22/04/2014, na qual foi nomeado como administrador da insolvência a Srª Drª M. O.
Realizou-se assembleia de apreciação do relatório, tendo sido determinado o prosseguimento dos autos para liquidação.
Foram apreendidos e liquidados bens.
Foram reclamados créditos e em 02/12/2016 foi proferida sentença. Foram reconhecidos créditos no valor global de €1.385.300,71.
Foram prestadas contas da administração da massa insolvente, julgadas validamente prestadas por sentença de 15/05/2019, transitada em julgado. Consta da conta corrente apresentada pela Administradora da Insolvência que as receitas importaram em € 368.423,77 e as despesas em €2.829,00 € (nas quais se inclui a remuneração fixa, no valor de €2.460,00).
Em 06/04/2022 foi elaborada a conta nos autos, resultando da mesma que as custas são no montante de €3.923,50.
Em 06/05/2022, o tribunal proferiu Despacho do qual resulta que a remuneração variável da Sr.ª Administradora da Insolvência é no valor de €12.850,11€, a suportar pela massa insolvente.
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Notificada deste despacho, a Sr.ª Administradora da Insolvência apresentou requerimento e juntou a fórmula de cálculo, segundo a qual a remuneração variável devia ser fixada em €35.054,99, a qual acrescida de IVA importaria em €43.117,64.
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Sobre este requerimento recaiu, em 30/06/2022, o seguinte Despacho:
«Veio a Sr.ª AI reclamar do despacho datado de 20.5.2021 quanto à fórmula do cálculo da remuneração variável adoptado, por força da entrada em vigor da Lei 9/2002 de 11.1, prevendo o art.º 10º ser este regime aplicável aos processos pendentes.
Analisemos:
Estabelece o art.º 60 nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que o Administrador da Insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto.
Por seu turno, estabelece o art.º 23 nº 1 do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013 de 26.2 que “o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos actos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia”.
Já o nº 2 deste mesmo preceito estatui que “os administradores judiciais referidos no número anterior auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na portaria referida no número anterior.”
Por conseguinte, o Administrador da Insolvência tem direito à remuneração fixa e à remuneração variável. A remuneração fixa é no montante de 2.000,00€ nos termos do art.º 1 da Portaria 51/2005 de 20.1, sendo paga em duas prestações de 1.000,00€ cada.
A remuneração variável apenas é devida quando há liquidação e é calculada nos termos dos n.ºs 4 a 6 do referido artigo 23º e em consonância com as tabelas publicadas em anexo à mencionada portaria.
No que tange especificamente à remuneração variável, importa ter presente o seu escopo de premiar o trabalho desenvolvido pelo Administrador da Insolvência de modo a incentivá-lo a optimizar o mais possível o seu desempenho em benefício dos credores.
Há assim um nexo de causalidade entre a recuperação da insolvente ou o resultado da liquidação e a actuação do Administrador da Insolvência. Assim, a divisão da remuneração variável deverá ser efectuada por referência aos actos de liquidação praticados pelo administrador e na proporção do respectivo valor.
Destarte, in casu, tendo todo esse trabalho de liquidação sido desenvolvido pela Sr.ª Administrador de Insolvência antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/2022 de 11.1.2022, tendo inclusive a liquidação sido encerrada em 30.10.2017, há quatro anos e meio portanto, é nosso entender, acompanhando o sentido de mais jurisprudência deste Tribunal, dever a respectiva remuneração variável ser fixada em harmonia com a legislação vigente à data do encerramento da liquidação, não se afigurando existir legítimas expectativas a acautelar justificativas de orientação diversa.
Pelo que mantenho o anteriormente decidido.
(…)»
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Inconformada, apelou a Sra. Administradora da Insolvência, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O administrador judicial é remunerado pelo exercício das respectivas funções, nos termos previstos no EAJ.
2. O administrador judicial nomeado pelo juiz tem direito a auferir, além da remuneração fixa prevista no n.º 1 do artigo 23.º do EAJ, na redacção dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, a remuneração variável, em função do resultado da liquidação da massa insolvente, prevista no n.º 2 daquele mesmo artigo.
3. A remuneração variável é paga a final, aquando do encerramento do processo de insolvência, momento em que há lugar à determinação do respectivo montante, ordenando-se o seu pagamento.
4. O n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, que alterou a redacção do artigo 23.º do EAJ, dispõe, o seguinte: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor”.
5. A solução do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, segue o princípio de aplicação imediata da lei nova aos processos em curso, decorrente do artigo 12.º do Código Civil.
6. O artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, não estabeleceu nenhum regime transitório especial para o artigo 23.º do EAJ, excluindo a sua aplicabilidade imediata aos processos pendentes.
7. A nova redacção do artigo 23.º do EAJ aplica-se ao Proc. n.º 2051/12.3TYLSB, porque estava pendente à data da entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
8. O valor da remuneração variável que a Apelante tem direito a auferir pelos serviços que prestou enquanto Administradora Judicial no processo de insolvência supra identificado e correspondentes apensos, deverá ser determinado segundo os critérios elencados no artigo 23.º do EAJ, na redacção dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
9. O Tribunal a quo fez uma interpretação errada e censurável do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, quando decidiu aplicar ao caso em apreço a redacção anterior do artigo 23.º do EAJ, isto é, a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril.
10. O Tribunal a quo errou, de forma censurável, quando determinou o valor da remuneração variável à Apelante segundo os critérios elencados no artigo 23.º do EAJ, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril, violando, assim, a lei, cometendo uma injustiça e lesando os direitos e interesses da Apelante.
11. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no facto de todos os actos de liquidação terem sido praticados pela Apelante antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, e, ainda, no facto de a liquidação ter sido declarada finda em 30/10/2017, também antes da entrada em vigor daquela lei.
12. Não se compreende tal fundamentação, que, face à lei, se mostra errada e censurável.
13. A remuneração variável vence-se na data do encerramento do processo, momento adequado para determinar qual o valor da remuneração variável, para cujo cálculo são necessários outros elementos para além do valor do produto da venda, tais como os montantes necessários para pagamento das dívidas da massa e das custas dos processos judiciais pendentes à data da declaração de insolvência, grau de satisfação dos créditos reclamados, etc.
14. O legislador não fez depender a aplicação imediata da redação do artigo 23.º do EAJ, dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, aos processos pendentes da data da prática dos actos de administração e liquidação da massa insolvente que determinam o direito do administrador judicial à remuneração variável.
15. O facto da liquidação ter sido declarada finda em 30/10/2017, não exclui a aplicação do artigo 23.º do EAJ, na redacção dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, ao caso concreto em apreço, pois o processo principal (de insolvência), no qual, nos termos legais, é determinado o valor da remuneração variável e ordenando o seu pagamento, estava pendente à data da entrada em vigor da referida Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
16. O valor da remuneração variável a auferir pela Apelante deverá ser determinado nos termos da lei em vigor à data do seu vencimento, ou seja, segundo os critérios elencados no artigo 23.º do EAJ, na redação dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, aplicável aos processos pendentes por força do n.º 1 do artigo 10.º da mesma Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
17. O presente recurso terá necessariamente que proceder e, em consequência, deverá ser proferido acórdão, que revogue o despacho recorrido (com a ref.ª 417206798), proferido em 30/06/2022, determine, segundo os critérios elencados no artigo 23.º do EAJ, na redação dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, o valor da remuneração variável à Apelante, fixando-o em €43.117,64 (quarenta e três mil cento e dezassete euros e sessenta e quatro cêntimos), e ordene o seu pagamento à Apelante nos termos legalmente previstos.
Terminou peticionando que, na procedência do recurso, seja proferido acórdão que revogue o despacho recorrido e determine, segundo os critérios elencados no artigo 23.º do EAJ, na redação dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, o valor da remuneração variável à Apelante, fixando-o em €43.117,64 (quarenta e três mil cento e dezassete euros e sessenta e quatro cêntimos).
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Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de 21/11/2022.
Foram colhidos os vistos.
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II- Objecto do recurso
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o
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