Acórdão nº 2033/16.6T8FIG.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 16-05-2023

Data de Julgamento16 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão2033/16.6T8FIG.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIGUEIRA DA FOZ)

Apelação 2033/16.6T8FIG.C1
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Alberto Ruço
Vítor Amaral


*
(…)

*


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Em 20.12.2016, AA[1] e marido BB, instauraram a presente ação especial de divisão de coisa comum contra CC e mulher DD (1ºs Réus), EE, FF e mulher GG e HH e mulher II (2ºs Réus) e JJ[2] e marido KK (3ºs Réus), pretendendo pôr termo a situação de compropriedade existente (na proporção de 1/3 para os AA., 1/3 para os 1ºs Réus e 1/3 para os 2ºs Réus) sobre o prédio identificado no art.º 10º da petição inicial (p. i.)[3] - prédio rústico inscrito na matriz da freguesia ... sob o art.º ...48[4] e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º ...14 -, invocando a sua indivisibilidade legal.

Não obstante os Réus não terem colocado em causa a indivisibilidade do prédio[5], foi oficiosamente suscitada a questão (cf. despacho de 16.01.2018 – fls. 92[6]) e determinada a realização de perícia singular que concluiu que “o prédio indicado no art.º 10º da petição inicial não é suscetível de ser dividido” (cf. relatório junto em 05.6.2018/fls. 147 e seguintes).

Visando determinar a configuração e área do prédio, foi determinada a realização de um levantamento topográfico [tendo por objecto, nomeadamente: a representação de cada uma das parcelas que sobraram após a expropriação; a área de cada uma dessas parcelas; a concreta localização e área ocupada pela edificação nele existente; a sobreposição do prédio a dividir nas cartas do PDM ..., com legenda que indique qual a classificação do solo de cada uma delas - cf. despacho de 08.12.2018/fls. 162], que veio a ser junto com o respetivo relatório (a 02.9.2022/fls. 251).

Não foi possível conciliar as partes, inclusive, quanto à adjudicação do imóvel.

Entretanto, os 1ºs Réus pronunciaram-se no sentido da divisibilidade do imóvel em dois prédios distintos (conforme “Relatório Técnico” que juntaram, datado de julho de 2022 / fls. 257).

Notificados os mesmos Réus “para, em 15 dias, procederem à junção de um dos seguintes documentos: alvará de loteamento, certidão camarária comprovativa de que os requisitos do destaque estão presentes ou que as normas aplicáveis estão cumpridas, ou informação prévia favorável ao loteamento” (cf. fls. 265/despacho de 30.9.2022), vieram depois dizer, designadamente, que a edilidade afastou “a possibilidade de uma operação de loteamento ou de destaque porquanto tal previa a existência de uma conduta voluntária do proprietário(s), não sendo o caso dos presentes autos tendo em conta que o referido prédio foi expropriado”; “Assim, o que o Município certifica e atesta é que o prédio em causa, por ser atravessado por arruamento público, encontra-se fisicamente dividido em duas parcelas separadas, distintas e autónomas”; “o imóvel (...) encontra-se fisicamente dividido e autonomizado”; “existe parecer favorável da Autoridade Tributária no sentido de serem atribuídos dois artigos matriciais distintos para cada parcela, estando os requerentes a aguardar pelo documento comprovativo de tal” (cf. requerimento de 17.11.2022; sublinhado nosso).

Por seu lado, os AA. vieram então dizer que apenas se poderá considerar “a existência de um só prédio na presente ação, situação existente à data da propositura da ação” (cf. requerimento de 23.11.2022).

A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, por sentença de 22.12.2022, decidiu reconhecer a compropriedade do prédio inscrito na matriz da freguesia ... sob o art.º ...48º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...14; o volume das quotas (na proporção de 1/3 para os autores, 1/3 aos segundos[7] réus e 1/3 para os segundos réus) e a indivisibilidade do prédio.

Inconformados, os 1ºs Réus apelaram formulando as seguintes conclusões:

1ª - A sentença em crise declara a indivisibilidade de um prédio que se encontra fisicamente dividido em duas parcelas separadas distintas e autónimas.

2ª - Tal divisão, conforme é espelhada no relatório pericial, que atesta que o prédio se encontra dividido em três parcelas, não pode ficar limitada à apresentação de alvará de loteamento, certidão camarária comprovativa de que os requisitos do destaque estão presentes ou que as normas aplicáveis estão cumpridas, ou informação prévia favorável ao loteamento, por forma ao prédio ser divisível.

3ª - A Divisão de Urbanismo da Câmara Municipal ..., atestou que o referido prédio, por ser atravessado por arruamento público, encontra-se fisicamente dividido em duas parcelas separadas, distintas e autónomas.

4ª - Tal certificação será suficiente para declarar que o imóvel objeto dos presentes autos é passível de divisão.

5ª - Efectivamente e como já foi referido, o prédio em questão foi expropriado sendo hoje e à data da instauração da ação de divisão de coisa comum, atravessado por uma rodovia pública.

6ª - Está assim o mesmo dividido em 3 parcelas (P1, P2 e P3) encontrando-se as parcelas P1 e P2 a norte e em espaço misto de uso silvícola com aptidão agrícola, sendo que na parcela P1 se encontra murada em todo o seu perímetro, uma moradia devidamente licenciada com a área de 754 m2 e a parcela P2 com a área de 3148 m2.

7ª - Por sua vez a parcela P3 que tem a área de 811 m2 insere-se em espaço habitacional tipo 1.

8ª - Assim a sentença em crise teria de se pronunciar favoravelmente sobre a divisibilidade de um prédio, que se encontra pelo menos, dividido em 2 parcelas distintas.

Rematam, pedindo que seja declarada a “divisibilidade” do prédio em questão “nos moldes acima mencionados”.

Os AA. responderam concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa conhecer e/ou reapreciar se é ou não de afirmar a divisibilidade da coisa comum, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 925º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC).


*

II. 1. A 1ª instância considerou ainda provado:[8]

1) O prédio descrito na CRP sob o n.º ...14 e inscrito na matriz da freguesia ... sob o art.º ...48[9] tem a área total de 4 713 m2 e é atravessado pela Rodovia urbana hoje designada Av. ....

2) Uma área de 754 m2 situada a Norte encontra-se murada em todo o seu perímetro e nela está inserida uma moradia com a superfície coberta de 164 m2, devidamente licenciada. De acordo com o Plano Diretor Municipal (PDM) tal área insere-se em Espaço Misto de Uso Silvícola com aptidão agrícola em Zona de alta perigosidade de incêndio.

3) A restante área situada a Norte da Rodovia urbana - 3 148 m2 - encontra-se sem ocupação, em estado natural, com vegetação rasteira espontânea. De acordo com o PDM tal área insere-se em Espaço Misto de Uso Silvícola com aptidão agrícola, em Zona de alta perigosidade de incêndio.

4) A Norte o prédio é servido por arruamento pavimentado em mau estado de conservação e sem passeio, e é servida por infraestruturas urbanísticas com iluminação pública, rede elétrica de baixa tensão, abastecimento de água, e rede de comunicações.

5) De acordo com o PDM a área situada a Sul da Rodovia – 811 m2 – insere-se em solo urbano / espaço habitacional do tipo I.

2. Concluiu, depois, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo que em conformidade com o PDM ... em vigor (publicado em DR, 2ª série – n.º 164 de 24.8.2021, através do Aviso n.º ...21) uma parte do imóvel situa-se em solo urbano classificado “espaço habitacional do tipo I” (área de 811 m2), e outra parte fora do perímetro urbano, em Espaço Misto de Uso Silvícola com aptidão agrícola (área de 3902 m2), sendo que uma área de 754 m2 situada a Norte em espaço Misto de Uso Silvícola com aptidão agrícola encontra-se murada em todo o seu perímetro e nela está inserida uma moradia com a superfície coberta de 164 m2, devidamente licenciada.

3. Cumpre apreciar e decidir.

Na ação 127/08....[10] movida pelos 3ºs Réus contra os AA. e os 1ºs e 2ºs Réus na presente ação, os 3ºs Réus (aí, AA.) invocaram a formação de diversos lotes de terreno, perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, que consideraram pertencentes aos (aí) demandados, como indicaram, ao passo que eles mesmos (3ºs Réus/AA.) seriam donos do prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ...39 [aludido em II. 1. 2) e II. 2. 2ª parte, supra]; pediram, nomeadamente, a condenação dos Réus a reconhecerem que o prédio descrito nos artigos 9º, n.º 2 e 15º da p. i. se encontrava dividido pelo decurso do tempo, em 6 lotes de terreno, perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, pertencendo os lotes n.ºs 3 e 5, à 1ª, 2ºs e 3ºs Réus, os lotes n.ºs 2 e 6 aos 4ºs Réus e os lotes n.ºs 1 e 4 aos 5ºs Réus, bem como a reconhecerem os AA. como donos e legítimos possuidores do dito prédio urbano.

A ação veio a ser contestada, apenas, pelos 4ºs Réus (AA. na presente lide), que concluíram pela sua absolvição dos pedidos; reconvindo, pediram, designadamente, que os AA. (3ºs Réus nos presentes autos) fossem condenados a reconhecer que aqueles eram donos e legítimos possuidores de 1/3 indiviso do prédio identificado no art.º 9º da p. i., sob o n.º 2, e “ser atribuído aos Réus o direito de ficar com a obra construída pelos Autores, mediante o pagamento a estes da quantia de € 150 000”.

Por sentença de 14.02.2012, o Tribunal julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo os Réus do pedido, porquanto, além do mais, «(...) não foram constituídos sobre tal prédio, por via da usucapião, direitos de propriedade exclusivos a favor de nenhum dos seus comproprietários (...)»; julgou a reconvenção parcialmente procedente, declarando os reconvintes AA e marido BB, comproprietários, na proporção de um terço indiviso, do prédio inscrito na matriz sob o art.º ...48, com a área de 7890 m2, condenando os reconvindos JJ e marido a reconhecê-los como tal.

Os AA. JJ e marido recorreram, mas a sentença veio a ser confirmada por acórdão da R... de 03.7.2012, transitando em julgado.

4. Na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT