Acórdão nº 203/23.0PBPTG-A.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-03-19

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão203/23.0PBPTG-A.E2
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. No Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Local Criminal de …, Proc. Tutelar Educativo nº 203/23.0PBPTG, foi proferido despacho, aos 18/12/2023, que indeferiu a promoção do Ministério Público no sentido de, cessada a medida cautelar de guarda de menor em Centro Educativo imposta, fosse aplicada ao menor AA, nascido aos …/…/2008, a medida cautelar prevista no artigo 57º, alínea a), da Lei Tutelar Educativa, com a imposição das obrigações que concretizou.

2. Inconformado com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso o Ministério Público, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição):

1. O artigo 60.º da LTE contempla duas alíneas, sendo que apenas a alínea a) prevê como prazo máximo a duração de seis meses, não podendo, este ser excedido.

2. A alínea b) do citado preceito legal salienta “O prazo de duração das restantes medidas cautelares é de seis meses até à decisão do tribunal de 1.ª instância e de um ano até ao trânsito em julgado da decisão” (sublinhado nosso).

3. Da redacção não se infere que a aplicação da medida da alínea a) invalida a sua substituição por uma das restantes medidas cautelares, cabendo estas, naturalmente, na alínea b), com o respectivo prazo que lhe cabe, sendo balizando, apenas, pela decisão da 1ª instância ou até ao respectivo trânsito em julgado.

4. Das referidas redacções, não retiramos a ilação que o prazo de seis meses é uno, independente da espécie da medida aplicada, e que o seu prazo não se inicia sempre que é aplicada nova medida cautelar.

5. Parece-nos que a interpretação do Tribunal a quo, de uma forma simplista, é: independentemente da espécie das medidas aplicadas o prazo máximo da sua aplicação é apenas e sempre de seis meses, independentemente seja a medida da alínea a) ou a medida da alínea b) e, no caso, como o prazo da medida da alínea a) se esgota no dia 29.12.2023, então não pode ser substituída por outra medida cautelar (da alínea b)), porque já decorreram seis meses.

6. Sendo substituída a guarda do menor em centro educativo por outra menos gravosa, in casu, a entrega do menor aos pais, com imposição de obrigações ao menor, acima especificadas, esta não pode ser aplicada por ter-se esgotado o prazo de seis meses na medida cautelar mais grave, in casu, guarda em centro educativo?

7. Se assim fosse, é nosso entendimento de que o legislador teria de ter acautelado essa situação na letra da lei, referindo, um prazo uno para todas as medidas, não as diferenciando entre si, ao invés de contemplar, como faz, no n.º 2 do artigo 60.º da LTE que para as restantes medidas cautelares, isto é, a das alíneas a) e b) do artigo 57.º da LTE o prazo é de seis meses até à decisão do tribunal de 1ª instância e de um ano até ao trânsito em julgado da decisão (negrito e sublinhado nossos).

8. Mais: teria igualmente o legislador acautelado que findo o prazo da medida mais gravosa não havia lugar a substituição por outro menos gravosa, o que não se verifica. Ou seja, caso a substituição de medidas não fosse admissível, tal deveria ter sido acautelado pelo legislador na letra da lei, o que não foi.

9. Donde se infere e depreende que, substituída a medida cautelar da alínea c) do artigo57.º da LTE por uma das previstas em cada uma das alíneas a) e b) do mesmo preceito legal, então o prazo começa a contar desde a sua implementação e não cessa por já ter-se esgotado o prazo da alínea c) do mesmo artigo.

10. Se assim fosse, bastaria o legislador ter previsto, na letra lei, que as medidas cautelares, não as distinguindo entre si, teriam um prazo máximo de seis meses, sem mais; o que não fez.

11. Ora, se a prisão preventiva se esgotar, por decurso do seu prazo, o indivíduo a ela sujeito for restituído à liberdade, não pode o Tribunal aplicar outra medida de coacção, menos gravosa, de forma a acautelar os perigos inerentes ao caso concreto?

12. O que o artigo 212.º, n.º 2 do Código de Processo Penal prescreve é que “as medidas revogadas podem de novo ser aplicadas, sem prejuízo da unidade dos prazos que a lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação.”, mas não estamos, como bem se vê, perante a mesma redacção, nem é isto que a letra da lei do artigo 60.º da LTE prevê.

13. Neste âmbito, uma vez mais a título de paralelismo, cumpre sublinhar o Parecer do Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.03.2009, que sublinha que “I. Nos termos do n.º 3 do art. 212.º do C. P. Penal a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave ou de execução menos gravosa apenas se justifica caso se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação”.

14. No caso concreto, como bem resulta da informação social junta aos autos, não obstante o desculpabilizar da sua conduta, o jovem AA mostrou evolução a nível comportamental, o que justifica que lhe seja aplicada medida menos gravosa.

15. No caso concreto, como bem salientou o Ministério Público na sua promoção, não obstante a tendência do jovem AA para desculpabilizar a prática dos factos, as informações obtidas relativamente à conduta e comportamento foram positivas, o que denota uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua guarda em centro educativo e, por isso, a necessidade de esta medida ser substituída por outra menos grave, o que promoveu, com a imposição das obrigações acima descritas.

16. A sábia doutrina refere: “As medidas cautelares educativas não são imutáveis, mas modificáveis, constituindo um afloramento dos princípios da necessidade e da precariedade ou, mais propriamente, do princípio ‘rebus sic standibus’. A possibilidade de modificação (ou de cessação) das medidas cautelares educativas justifica-se em função da alteração das circunstâncias (…) O juiz pode também substituir a medida cautelar por outra mais ou menos gravosa consoante se verifique uma agravação ou atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação ou mesmo uma forma mais ou menos gravosa da execução da medida, modificando as condições impostas” (sublinhado nosso) (António José Fialho, in Lei Tutelar Educativa Anotada, Cristina Dias, Margarida Santos e Rui do Carmo (coord.), Almedina, 2020, p. 234).

17. Revertendo ao caso dos autos, não nos parece, pois, que tenham deixado de existir as exigências cautelares:

i) desvio comportamental ao normativo, de que é acusado no presente ITE, tem sido ponderado por AA com uma reacção a reiteradas provocações, por parte da vítima, não verbalizando o jovem, em contexto da medida cautelar de guarda, a necessidade de reparação dos danos causados, o que põe em causa a sua capacidade de ressonância afectiva e de leitura empática e responsabilizante

ii) (…) as suas atitudes parecem configurar uma dinâmica interna que salienta a necessidade do jovem fazer justiça por si próprio, ignorando as respectivas instâncias judiciais para esse efeito”.

18. O que se evidencia, isso sim, é a atenuação destas exigências cautelares porquanto:

i) Em Setembro, iniciou o ensino secundário à distância, 10.º ano na área de Línguas e Humanidades, na Escola Secundária …, mostrando-se motivado e empenhado.

ii) Mostra-se mais integrado nas diversas vivências do quotidiano do Centro Educativo, assumindo, no entanto, uma postura de alguma passividade em actividades não individuais.

iii) Até ao momento, não foi alvo de nenhum procedimento disciplinar, tendo sido considerado, diversas vezes, o “jovem da semana”.

19. Ser restituído à liberdade, sem qualquer outra medida cautelar com imposição de determinadas obrigações, como o Ministério Público promoveu, parece-nos desresponsabilizar o jovem AA, sentindo que até à prolação de decisão final se trata de um cidadão que não impende sobre si a gravidade dos factos praticados.

20. Transparece à sociedade um sentimento de impunidade que não deve ser incentivado pela inércia judicial.

21. A aplicação de qualquer medida cautelar pressupõe a existência de indícios da prática de um crime, a previsibilidade de aplicação de uma medida tutelar e a existência de perigo de fuga ou de cometimento de novos crimes.

22. Não obstante a interpretação que o Tribunal a quo faz da letra do artigo 60.º da LTE, consideramos, no caso em concreto, que a mesma pode revelar-se temerária, considerando que o jovem retornará ao seu ambiente natural, com frequência dos mesmos locais que o ofendido e testemunhas, mormente, a escola, pois, até então, por encontrar-se privado da liberdade, o seu ensino ocorria por meios técnicos à distância.

23. Não se poderá perder de vista que as medidas cautelares, maxime o processo tutelar educativo, têm também por objectivo (principalmente), a necessidade de educar o menor para o direito bem como restabelecer a paz jurídica comunitária.

24. A medida tutelar educativa visa educar o menor para o direito e visa também inserir o menor de forma digna e responsável na vida em comunidade.

25. Trata-se apenas de continuar a proteger o menor.

26. As medidas tutelares visam garantir que o desenvolvimento do menor “ocorra de forma harmoniosa e socialmente integrada e responsável, tendo como referência o dever-ser jurídico consubstanciado nos valores juridicamente tutelados pela lei penal, enquanto valores mínimos e essenciais da convivência social” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 22.05.2023, proc. n.º 2289/12.3TAVNG.P1, relator: Elsa Paixão, disponível em www.dgsi.pt).

27. A medida cautelar, mais do que qualquer outra, e independente da sua espécie, encerra em si mesma uma forte componente protectora, na medida em que a sua aplicação em qualquer fase do processo - prévia à decisão proveniente da fase jurisdicional - permite antecipar uma intervenção já direccionada para a aplicação de uma medida tutelar educativa, (cfr. artigo 165.º da LTE), fornecendo, desde...

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