Acórdão nº 20018/19.9T8PRT.P2 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-03

Ano2022
Número Acordão20018/19.9T8PRT.P2
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação 20018/19.9T8PRT.P2
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto

Autora: AA
Réus: BB, CC, DD e EE, na qualidade de herdeiros de FF e de GG.
_______
Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira (1.ª adjunta)
Teresa Sá Lopes (2.ª adjunta)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA interpôs ação declarativa, com processo comum, contra Herança Indivisa de FF, Herança Indivisa de GG, representadas pelo cabeça-de-casal CC, e HH, CC, DD e EE.
Seguindo os autos os seus termos subsequentes, aquando do saneamento dos autos, o Tribunal a quo proferiu decisão em que afirmou que, “não tendo personalidade judiciária as heranças abertas por óbito de FF e GG visto que tais heranças já não são jacentes, a presente ação deverá prosseguir contra os réus BB, CC, DD e EE, na qualidade de herdeiros de FF e de GG.
Mais foi proferida decisão, apreciando a exceção da prescrição invocada, de cujo dispositivo consta (transcrição):
“Decisão:
Pelo exposto, julga-se procedente a exceção de prescrição do direito da autora AA e, em consequência, absolvem-se os réus BB, CC, DD e EE dos pedidos formulados pela autora.
Fixo o valor da presente ação em €23.524,49 (vinte e três mil, quinhentos e vinte e quatro euros e quarenta e nove cêntimos).
Custas pela autora, nos termos do art. 557.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique e registe.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Autora requerimento de interposição de recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões (transcrição):
“A. Vem, o presente recurso, interposto da sentença que absolveu os Réus do pedido por procedência da exceção de prescrição estendida a todos os Réus e inaplicabilidade do disposto no artigo 323º n.º 2 do CC porquanto entendeu a referida sentença que o retardamento da citação do Réu CC é imputável à autora.
B. Assistem razões de direito à recorrente para da mesma interpor recurso, não primando, a sentença recorrida, pelo sentido de justiça, coerência, bom senso e rigor técnico que sempre são expectáveis numa boa decisão judicial, tendo tal decisão evidenciado errónea aplicação do direito a esses mesmos factos.
C. A Recorrente, “AA veio instaurar ação de processo comum contra a herança indivisa de FF, a herança indivisa de GG, BB, CC, DD e EE pedindo que:
(...)
B) A condenação dos Réus no pagamento à Autora de € 2.408,00 (dois mil quatrocentos e oito euros e cêntimos) a título de diferenças salariais;
€ 3.696,84 (três mil seiscentos e noventa e seis euros e oitenta e quatro cêntimos) referente a trabalho suplementar prestado pela Autora em dias úteis, acrescido de € 682,55 (seiscentos e oitenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos) relativos a juros de mora vencidos;
€ 444,67 (quatrocentos e quarenta e quatro euros e sessenta e sete cêntimos) referente a descanso complementar não gozado pela Autora, ao qual acresce o montante de € 16,86 (dezasseis euros e oitenta e seis cêntimos) relativos aos juros vencidos.
€ 938,00 (novecentos e trinta e oito euros) relativo a formação profissional não prestada, ao qual acrescem juros de mora vencidos no montante de € 35,57 (trinta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos).
€ 5.000,00 (cinco mil euros a titulo de danos morais)
juros vincendos até efetivo e integral pagamento”
D. Entendeu a Sentença recorrida julgar procedente a exceção de prescrição, tendo sido todos os Réus absolvidos do pedido, fundamentando-se por um lado no facto de que não se pode ter a prescrição por interrompida porquanto o retardamento da citação de UM dos Réus é imputável à parte e por outro, que tal excepção “aproveita a todos os réus porque estes estão na ação na qualidade de herdeiros e representantes das heranças indivisas de FF e de GG.” e que “Estando os réus na presente ação nessa qualidade há um património autónomo que, enquanto tal, responde pelo pagamento das respetivas dívidas, representado por todos os herdeiros demandados nos autos. Assim, antes da partilha não há, ao contrário do que refere a autora, qualquer solidariedade entre os herdeiros: estes mantêm apenas em conjunto a posição do de cujus, tal como resulta do 515.º, n.º 1, do Código Civil. Significa isto que a prescrição do direito quanto a um dos réus aproveita aos demais.”
E. São duas as questões a apreciar no presente recurso: a de saber se existe efetivamente prescrição ou não e, havendo-a, se a prescrição relativamente a um co-réu aproveita aos demais ou apenas a si mesmo na proporção da sua quota parte na responsabilidade global e comum, atendendo a que quanto aos demais os mesmos foram regularmente e tempestivamente citados.
F. Ora entendeu a Sentença recorrida que in casu é inaplicável o disposto no art.º 323.º n.º 2 do Código Civil porquanto o retardamento da citação foi imputável à Autora uma vez que o mandatário desta aquando da apresentação da Petição Inicial “por mero lapso, indicou o n.º 12 como sendo o número da porta do réu quando o número da porta era outro”; sucede que tal como consta da mesma sentença “Tentada a citação desse réu nessa morada a mesma veio devolvida com a menção de que esse número de porta não existia.”
G. A Secretaria Judicial face a tal devolução diligenciou pela citação por contato pessoal desse réu através de funcionário judicial por mandado, indicando em tal mandado, a mesma morada que sabia não existir, sendo que tal diligência apenas foi feita em 25/10/2019 (NOVE dias depois) e foi junta aos autos uma certidão negativa da qual consta que “não me foi possível efetuar a citação ordenada, pois não existe o nº12 na artéria supramencionada”.
H. A Secretaria Judicial deveria ter ordenado a citação por agente de execução (o que seria sempre mais célere de que por funcionário judicial), conforme refere o art. 231º n.º 1 do CPC; apenas poderia ser feito por funcionário judicial, quando o autor declare, na petição inicial, que assim pretende, - o que não sucedeu – tanto mais que o pedido de apoio jurídico da autora foi concedido também na modalidade de atribuição de agente de execução.
I. O mandado da Secretaria Judicial datado de 16/10/2019, em que se ordena a citação pessoal do Réu CC, na sequência da frustração da citação do mesmo, indica como morada e número de porta daqueles a mesma morada e número de porta para a qual havia sito tentada anteriormente a citação postal e cuja carta veio devolvida com a indicação de que não existe tal número de porta.
J. Tal mandado foi apenas cumprido 9 (nove!) dias depois de ter sido emitido e, obviamente que se concluiu no mesmo o que a Secretaria e os autos já sabiam: o de que não existe o n.º de porta ... na Rua referida.
K. Foi pois, por iniciativa da Secretaria e incumprindo o disposto no art.º 231º n.º 1 (porquanto não recorreu a agente de execução para a efetivação da citação), praticado um acto inútil porquanto se tal número de porta não existia no dia 12/10/2019 também não iria existir no dia 25/10/2019.
L. Tal acto, para além de ilegal, por violador do disposto no artigo 231º n.º 1 parte final e absolutamente inútil (porquanto o mandado indicou como morada aquela que a Secretaria já sabia não existir), influiu diretamente na causa, retardando a citação do referido Réu sendo certo que tal retardamento nunca poderá ser imputada à Autora ou ao seu mandatário.
M. Dispõe o art. 226º n.º 1 do CPC que “Incumbe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da citação por agente de execução ou promovida por mandatário judicial.”, sendo certo que nunca se poderá entender como diligência adequada a citação por contacto pessoal através de funcionário judicial quando a lei prescreve que deve ser por agente de execução e, mais gravoso ainda, que a morada indicada para tal citação por contacto pessoal seja a mesma que a própria Secretaria Judicial sabia não existir.
N. Também nunca se poderá entender como “rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato”, neste caso a citação do Réu a opção por mandado citação por contacto pessoal por funcionário judicial (e não por agente de execução), a qual diga-se apenas foi tentada 9 dias depois de ter sido ordenada.
O. Ora, dispõe o n.º 6 do art. 157º do CPC que “Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.”; a citação por contacto pessoal por mandado a efetuar por funcionário judicial para uma morada que sabia ser inexistente, configura um erro praticado pela Secretaria Judicial, e consequentemente não pode tal erro prejudicar a parte.
P. Deverá operar o disposto no art. n.º 2 do artigo 323º que preceitua que “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.” isto porque ainda que o mandatário da autora tenha incorrido em lapso na indicação da morada na Petição Inicial, não foi tal lapso que originou o retardamento da citação do Réu pelo menos a partir do dia 15/10/2019.
Q. Mesmo que tal preceito (art.º 323 n.º 2 do CC), apenas se aplique após o erro da secretaria judicial já supra descrito ocorrido em 15/10/2019, sempre a prescrição seria interrompida no dia 20/10/2019, pelo que nunca estariam os créditos da Autora prescritos, devendo por isso ser aplicável o disposto no art. n.º 2 do artigo 323º, improcedendo por isso a excepção de prescrição.
R. Ao decidir como decidiu a Sentença Recorrida violou o disposto nos artigos 323º n.º 2 do Código Civil e os artigos 157º n.º 6, 231º n.º 1, 226º n.º 1 e 720º n.º 2 todos do CPC, devendo a douta sentença ora em crise ser revogada
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT