Acórdão nº 1994/22.0T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-12-13

Ano2023
Número Acordão1994/22.0T8CBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE)
Relator:
Carlos Moreira
Adjuntos:
Vítor Amaral
João Moreira do Carmo


ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COPIMBRA

1.

AA, intentou contra BB E CC a presente ação declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum.

Pediu:

Seja declarada a nulidade das disposições testamentárias, constantes do testamento outorgado por DD, em 27-07-2015, que:

a) Determinou a constituição da propriedade horizontal dos dois prédios identificados em 6.º1. e 6.º2. da petição inicial;

b) Instituíram os Réus como legatários dos bens identificados em 14.º da petição inicial, bem como os legados efetuados a seu favor, por via dessas disposições.

Para tanto, alegou, em síntese:

É mãe dos Réus, ambos menores, e filha de EE e de DD.

EE faleceu em .../.../2003, no estado de casado, sob o regime de comunhão geral de bens com DD.

O falecido EE, deixou como únicos e universais herdeiros a sua mulher, DD, e a sua filha, aqui Autora, sendo que a herança aberta por óbito de EE, permanece ilíquida e indivisa, por os respetivos herdeiros nunca terem procedido à partilha.

Aduz que do acervo da herança deixada por óbito de EE, fazem parte, designadamente os seguintes bens imóveis:

a) Prédio urbano, composto por rés-do-chão e 1º andar com garagem, sito em ..., na Rua ..., Bairro ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., ...01 da referida freguesia, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2438, da União das freguesias ...;

b) Prédio urbano, composto de cave, rés-do-chão e 1º andar, sito na Rua ..., letras ..., Bairro ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 2688, da União das freguesias ...; e c) Prédio urbano, sito no Lugar ..., freguesia e concelho ..., não descrito na Conservatória do Registo Predial, mas inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 3229 da freguesia ....

Por sua vez, DD faleceu em .../.../2021, no estado de viúva de EE, tendo deixado como única herdeira a Autora.

Em 27-07-2015, DD outorgou, no Cartório Notarial ..., testamento, nos termos do qual submeteu ao regime da propriedade horizontal, o prédio identificado supra em a), composto pelas frações designadas pelas letras “A” e“B”; submeteu ao regime da propriedade horizontal o prédio identificado supra em b), composto pelas frações autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “F”; e instituiu legatários os Réus, a favor de quem, por conta da quota disponível dos seus bens, fez, de entre outros, os seguintes legados: i. Legou ao Réu BB, a fração autónoma designada pela letra “A” do prédio identificado supra em a), e as frações autónomas designadas pelas letras “A”, “C” e “E” do prédio identificado supra em b); ii. Legou à Ré CC, a fração autónoma designada pela letra “B” do prédio identificado supra em a), e as frações autónomas designadas pelas letras “B”, “D” e “F” do prédio identificado supra em b); d) Constituiu a favor de ambos os Réus, o usufruto simultâneo e sucessivo do prédio sito em ..., melhor identificado supra em c).

No que respeita ao título constitutivo da propriedade horizontal, refere que o testamento em questão não foi instruído com documento, passado pela Câmara Municipal, comprovativo de que as frações autónomas satisfazem os requisitos legais, como o exige o artigo 59.º, n.º 1, do Código do Notariado, o que importa a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, nos termos do disposto no artigo 1416.º do Código Civil.

Quanto aos legados feitos aos Réus, alega que os bens identificados integravam o património comum da mãe e do pai da Autora, tratando-se de bens que pertenciam, em comum, ao acervo patrimonial do casal, situação que ainda se mantinha quando a disposição testamentária foi feita, donde se está perante uma disposição, feita pela mãe da Autora de um bem comum e indiviso do casal, que a testadora formara com o seu marido, pré falecido.

Mais refere que, por óbito do marido da testadora, a titularidade de tal acervo patrimonial passou a ser titulada, em comum e sem determinação de parte ou direito, pela testadora ora falecida e pela Autora.

Por despacho datado de 13-09-2022, atenta a menoridade dos Réus e a sua consequente incapacidade, foi nomeado para exercer as funções de curador especial dos Réus na presente ação, o seu progenitor, FF.

Válida e regularmente citado o curador dos Réus, o mesmo não deduziu contestação, não constituiu mandatário, nem interveio de qualquer forma no processo.

Nesta sequência, foi citado o Ministério Público, nos termos do artigo 21.º do Código de Processo Civil, não tendo sido deduzida contestação.

2.

Seguidamente foi proferida sentença na qual foi decidido:

«Face ao exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência:

7.1. Declara-se a nulidade das disposições testamentárias, constantes do testamento outorgado por DD, em 27-07-2015, na parte em que instituíram os Réus como legatários dos bens descritos no facto 4.1.10.3., bem como dos legados efetuados a seu favor por via dessas disposições, no correspondente ao excedente da meação da testadora nos bens comuns do casal composto por si e pelo seu falecido cônjuge EE, e da sua quota parte ideal na herança aberta por morte do seu cônjuge;

7.2. Improcede o demais peticionado.»

3.

Inconformada recorreu a autora.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.ª Analisando o ponto 7.1 do dispositivo da sentença, não é possível saber com certeza, qual o seu alcance e significado.

2.ª Se é certo que a sentença reconhece a nulidade das disposições testamentárias em questão, não é certo, nem claro que se consiga apreender qual o alcance dessa declaração de nulidade e consequentemente da decisão proferida pelo Tribunal a quo.

3.ª Dissecando o ponto 7.1 do dispositivo da sentença, não se entende o que se pretende dizer quando se afirma que as disposições são nulas “no correspondente ao excedente da meação da testadora nos bens comuns do casal composto por si e pelo seu falecido cônjuge EE, e da sua quota parte ideal na herança aberta por morte do seu cônjuge”.

4.ª A sentença proferida pelo Tribunal a quo, na parte constante do ponto 7.1 do dispositivo, é obscura, o que torna ininteligível a decisão, sendo por isso nula, nos termos do disposto no artigo 615º-1 alínea c), 2ª parte do CPC.

5.ª A Recorrente peticiona nesta ação que se declare a nulidade da disposição testamentária, constante do testamento outorgado por DD, em 27-07-2015, que determinou a constituição da propriedade horizontal dos prédios urbanos descritos nos factos 4.1.6. e 4.1.7.dos factos provados, por não cumprir os requisitos do artigo 59.º, n.º 1 do Código do Notariado.

6.ª O Tribunal a quo julgou improcedente este pedido, por considerar que a Autora Recorrente não dispõe de legitimidade substantiva para arguir a nulidade em causa.

7.ª Entende o Tribunal a quo que a “Autora carece de legitimidade para invocar a nulidade do título constitutivo dos prédios descritos nos factos 4.1.6. e 4.1.7., na medida em que não figura como condómina, nem assumiria tal posição caso o título constitutivo, em abstrato, não fosse inválido, não tendo igualmente o Ministério Público invocado tal nulidade nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 1416.º do Código Civil.”.

8.ª Se é verdade que a Recorrente neste momento não é condómina, é igualmente verdade que, por via da procedência do pedido da nulidade dos legados realizados a favor dos Réus, o passará a ser.

9.ª Se os legados em questão forem – com rigor já o foram, ainda que parcialmente, por via da decisão recorrida – declarados nulos, tal implicará que os bens legados, designadamente os dois prédios que foram objeto da constituição da propriedade horizontal, passem a ser propriedade exclusiva da Recorrente, por ser esta a única herdeira legitimaria da sua mãe, DD (cf. ponto 4.1.9. dos factos provados).

10.ª Ao passar a ser proprietária dos referidos prédios, a Recorrente passaria consequentemente a assumir a posição de condómina, caso o título constitutivo não fosse inválido e como tal a dispor de legitimidade para arguir, como o fez, a nulidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal daqueles prédios, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 1416º do Código Civil.

11.ª Impõe-se assim concluir que, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo, a Recorrente tem legitimidade para invocar, como invocou, a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal dos prédios identificados em 4.1.6. e 4.1.7 dos factos provados, uma vez que por via da procedência da nulidade dos legados que aqui peticiona, passará a ser a única proprietária dos referidos prédios, passando como tal a ter a posição de condómina, caso o título constitutivo da propriedade horizontal fosse válido.

12.ª Ao não ter assim entendido, e ter considerado que a Recorrente carece de legitimidade para invocar a nulidade do título constitutivo dos prédios descritos nos pontos 4.1.6. e 4.1.7 dos factos provados, o Tribunal a quo não interpretou, nem aplicou convenientemente e assim violou a norma constante do nº 2 do artigo 1416º do Código Civil.

13.ª A Recorrente na presente ação peticiona também a declaração da nulidade das disposições testamentárias, constantes do testamento outorgado por sua mãe, DD, em 27-07-2015, que instituíram os Réus como legatários dos bens identificados no ponto 4.1.10.3. dos factos provados, bem como dos legados efetuados a seu favor por via dessas disposições.

14.ª O Tribunal a quo, pese embora acompanhe toda a fundamentação fática e legal que a Recorrente invocou na petição inicial para sustentar o seu...

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