Acórdão nº 1989/23.7T8GMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-02-01

Ano2024
Número Acordão1989/23.7T8GMR-B.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

AA, na qualidade de patrona nomeada à insolvente BB, apresentou reclamação, nos termos do art. 157º, nº 5, do CPC, da decisão da secretaria que rejeitou o seu pedido de pagamento de honorários, no valor de € 207,20, nos termos do ponto 5 da Tabela Anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10.11, referentes à sua intervenção na reclamação de créditos que constitui o apenso A (requerimento de 12.10.2023, ref. Citius ...40 proferido no apenso A).

Em 27.10.2023 foi proferido despacho (ref. Citius ...63, apenso A) que indeferiu a reclamação apresentada por considerar que o apenso de reclamação de créditos constitui um incidente que se deve considerar parte integrante da tramitação obrigatória do processo de insolvência e, nessa medida, os honorários fixados legalmente para esse processo já contemplam tal incidente.

A patrona nomeada interpôs recurso deste despacho no qual sustenta que, para além dos honorários devidos pela sua intervenção no processo de insolvência, ao abrigo do disposto no ponto 4.4. da tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10.11, tem ainda direito a receber honorários, ao abrigo do disposto no ponto 5 da mesma tabela, pela sua intervenção no apenso de reclamação de créditos, o qual constitui um incidente do processo de insolvência.
Caso assim não se entenda, considera que tem direito a receber honorários nos termos do ponto 13 da mesma tabela.
Em qualquer dos casos, é-lhe devido o pagamento de 8 UR, como previsto na tabela citada, pelo que peticiona que assim se decida no recurso, revogando-se a decisão recorrida.
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O recurso foi admitido na 1ª instância, como apelação com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo (despacho de 12.12.2023 ref. Citius ...07 proferido no apenso A).
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De acordo com a certidão junta aos presentes autos, foi fixado ao processo o valor de € 30 000,01.
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Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, por se ter entendido que se colocava a questão da inadmissibilidade do recurso por não se encontrar preenchido o requisito atinente ao valor da sucumbência, nos termos do art. 655º, nº 1, do CPC, concedeu-se o prazo de 10 dias para as partes, querendo, se pronunciarem sobre a questão da (in)admissibilidade do recurso.
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A recorrente pronunciou-se, nos termos do requerimento de 3.1.2024 (ref. Citius ...76), considerando que o recurso deve ser admitido.

Como fundamento da sua pretensão alegou, no essencial, que:
- o despacho recorrido que não confirma os honorários liquidados pela recorrente viola o disposto no art. 3º, nºs 2 e 3, da Lei 34/2004, de 29 (Regime de acesso do direito e aos tribunais), sendo o recurso o único meio ao alcance da recorrente para reagir a tal despacho;
- em situações análogas às dos presentes autos, em que estava em causa o pagamento de honorários de valor idêntico, foram apreciados os recursos interpostos independentemente do valor dos honorários reclamados e da sucumbência referida no art. 629º, nº 1, do CPC. Face à existência desses acórdãos, que identificou e juntou, a decisão de não admissão do recurso nestes autos criará divergências na jurisprudência e desigualdade no tratamento em situações análogas, proferidas no domínio da mesma legislação;
- à luz dos princípios jurídicos da igualdade e da proibição da discriminação consagrados no art. 13º da CRP, não é permitido o tratamento diferenciado de situações iguais, sem um fundamento válido que justifique tratamento desigual;
- o objeto direto do recurso é o valor imaterial de reconhecimento do direito ao pagamento da compensação justa e adequada ao advogado nomeado no âmbito do acesso ao direito e o valor dos honorários a fixar é apenas objeto secundário do recurso;
- se se atender apenas ao valor dos honorários nunca será possível recorrer da aplicação de honorários pelo Tribunal a quo, pois esse valor, de acordo com a tabela de honorários, nunca é superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância;
- a rejeição do recurso com base no valor da sucumbência viola o princípio da igualdade previsto no art. 13º, nº 3, e o princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º, ambos da CRP, e ainda o princípio fundamental do direito à retribuição do trabalho.
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Em 11.1.2024, foi proferido despacho pela relatora (ref. Citius ...31), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o qual contém o seguinte teor decisório:

“Face ao exposto, em conformidade com o disposto no art. 629º, nº 1, do CPC, não se admite o recurso interposto pela recorrente em virtude de o valor da sucumbência (€ 207,20) não ser superior a metade da alçada do tribunal recorrido (€ 2 500,00).”
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Discordando deste despacho, a recorrente veio apresentar reclamação para a conferência defendendo que o recurso deve ser admitido pelas razões que aduziu em sede de contraditório, e já supra sintetizadas.
Como novos fundamentos, com vista a sustentar a sua pretensão de admissibilidade do recurso, invocou que:

- não sendo a recorrente parte no processo não se lhe aplicam as regras dos recursos mencionadas no despacho reclamado, designadamente o art. 629º, não lhe sendo aplicável a regra do valor da causa ou da sucumbência;
- não se pode falar em valor de sucumbência porque os honorários estão legalmente fixados num valor pré-determinado, pelo que o que está em causa no recurso é unicamente a necessidade de aplicação da própria lei e não qualquer utilidade económica, sustentando esta afirmação no decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.1.2017, P nº 4568/16.1T/VNF-B.G1;
- o pedido da recorrente traduz-se no valor imaterial que decorre do direito do causídico nomeado ao pagamento de honorários no montante legalmente fixado, pelo que o valor da causa sempre se cifrará em € 30 000,01.
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Foi determinada a submissão do caso à conferência, nos termos do art. 652º, nº 4, 2ª parte, do CPC, por se tratar de questão a impor decisão imediata, e foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DA RECLAMAÇÃO

A questão a decidir consiste em saber se o recurso é ou não admissível face à não verificação do requisito relativo ao valor da sucumbência.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos relevantes para a questão a decidir na presente reclamação são os que se encontram descritos no relatório, os quais resultam da consulta dos atos praticados no processo principal e apenso A.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

A recorrente/reclamante defende que o recurso é admissível com base nos argumentos deduzidos no requerimento que apresentou em 3.1.2024, em sede de contraditório, e com base em novos argumentos apresentados no requerimento de 17.1.2024, em que pediu a intervenção da conferência.

No que respeita aos argumentos que a recorrente/reclamante deduziu quando se pronunciou sobre a não admissibilidade de recurso e que reitera no requerimento em que pede a intervenção da conferência, os mesmos foram apreciados na decisão singular com a seguinte fundamentação:

“Dispõe o art. 629º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi art. 17º, nº 1, do CIRE, que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

Portanto, à luz desta norma, para que seja admissível o recurso interposto é necessário que se verifiquem, cumulativamente, dois requisitos:

1) o valor da causa tem de ser superior a € 5 000,00, por ser esse o valor da alçada do tribunal recorrido;
2) o valor da sucumbência tem de ser superior a € 2 500,00, correspondente a metade do valor dessa alçada.

Existindo uma fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, deverá, porém, atender-se somente ao valor da causa.

Como é sabido “a sucumbência (ou decaimento) é o prejuízo ou desvantagem que a decisão implica para a parte e que, por isso, se designa parte vencida; esta é, portanto, aquela a quem a decisão prejudica, que com ela sofreu gravame ou a quem ela foi desfavorável, em suma, quem perdeu…” (Acórdão do STJ, de 14.5.2015, Relator Fernando Bento, in www.dgsi.pt).
Com este requisito, que foi introduzido com a reforma processual de 1985, pretendeu-se filtrar as questões suscetíveis de serem submetidas à reapreciação dos tribunais superiores, impedindo a possibilidade de recurso em casos em que a parte ficasse vencida em escassa dimensão, com vista a que as energias se concentrem naquilo que é importante, como forma de erradicar instrumentos potenciadores de morosidade da resposta judiciária e levando ainda em linha de conta o interesse de dignificar a atividade dos tribunais superiores (neste sentido cf. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo CPC, 5ª edição, págs. 44 e 45).

No presente recurso está em causa saber se a patrona nomeada tem direito a receber honorários nos termos do ponto 5 ou, subsidiariamente, do ponto 13, ambos da tabela de honorários para a proteção jurídica anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10.11.

Em qualquer dos dois casos, os honorários equivalem a 8 unidades de referência (UR), sendo que cada UR equivale a ¼ de UC, o que significa que os honorários em questão têm o valor de € 204 (€ 102 : 4 x 8), acrescido da atualização do IPC, com exclusão de habitação.
A recorrente pediu o pagamento de honorários no valor de € 207,20, pretensão que foi indeferida pela secretaria e da qual a recorrente reclamou, tendo o tribunal recorrido indeferido a reclamação.

Tal valor não é superior a metade da alçada do...

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