Acórdão nº 1974/13.7 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-10-19

Data de Julgamento19 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão1974/13.7 BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 29-10-2021, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por A......... e V......... contra o ato de liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º.........39 relativamente ao ano de 2010, no montante global de €21.884,62.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, em consequência, anulou a liquidação adicional de IRS nº .........39 do ano de 2010 bem como a liquidação de juros compensatórios.

b. Salvo o devido respeito, a douta sentença enferma de erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e aplicação do direito, tendo, assim, violado a norma prevista no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIRS.

c. A sentença proferida pelo tribunal a quo considerou que os abonos atribuídos aos impugnantes representam efetivamente ajudas de custo e, consequentemente, julgou ilegal a liquidação adicional de IRS relativa ao mesmo por erro nos pressupostos de facto e de direto.

d. Salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento.

e. A caraterística essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação do trabalho.

f. Não existe uma legislação específica para a matéria de ajudas de custo atribuídas aos trabalhadores do setor privado, pelo que tem vindo a ser aplicado o regime para as deslocações ao serviço dos trabalhadores da função pública regulado pelo Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, (deslocações em serviço no território nacional) e o Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de julho (deslocações ao estrangeiro).

g. E prevê o artigo 12.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei 106/98 de 24 de abril, que «O abono de ajudas de custo não pode ter lugar para além de 90 dias seguidos de deslocação.» (sublinhado nosso)

h. Apesar deste limite não se aplicar diretamente às relações jurídicolaborais de direito privado, deve ser entendido como um indicador e um ponto de partida na interpretação do conceito de ajudas de custo.

i. Isto é, resulta daqui que a atribuição do abono de ajudas de custo pressupõe a realização de despesas excecionais resultantes de uma efetiva e pontual deslocação dos trabalhadores do seu local habitual de trabalho ao qual deverão regressar e onde deverão permanecer assim que a deslocação terminar.

j. Ora, exige-se, assim, que tenha ocorrido uma efetiva deslocação do local habitual de trabalho, pelo que importa saber qual é o local habitual de trabalho.

k. Um dos pressupostos legais de atribuição de ajudas de custo é que a deslocação seja ocasional, o que não foi o que sucedeu in casu, pois dos recibos das ajudas de custo resulta que foram pagas ajudas de custo quase todos os dias do ano, incluindo feriados e fins-de-semana (facto que deverá ser acrescentado aos factos dados como provados).

l. Da análise aos recibos das ajudas de custo resulta que os Impugnantes durante o ano de 2010 trabalharam fora da sede da empresa no Carregado, pelo que não podemos concluir que o local habitual de trabalho era no Carregado e que as ajudas de custo pagas se deveram a deslocações pontuais e temporárias a Espanha.

m. Na verdade, resulta de toda a prova produzida nos autos (sobretudo da análise dos recibos das ajudas de custo) que o local habitual de trabalho era em Espanha no caso do Impugnante V......... e na Holanda e Espanha no caso da Impugnante A…….

n. Pelo que não existiu assim qualquer deslocação ao serviço da entidade empregadora para efeitos do pagamento de ajudas de custo porque os trabalhadores tinham como local habitual de trabalho as cidades em Espanha referidas nos recibos das ajudas de custo e em Holanda (desconhece-se a cidade, pois nos recibos apenas refere o país “Holanda”).

o. Sendo o local de trabalho em Espanha e Holanda e aí o custo de vida ser alegadamente mais elevado do que em Portugal, estava na disponibilidade das partes, no âmbito da liberdade contratual, fixar um salário adequado à situação que os impugnantes iam encontrar no seu local de trabalho.

p. Sendo que, esta verba negociável sempre reuniria as caraterísticas de remuneração, e por isso sujeita a IRS.

q. Importa ainda salientar que os pagamentos de importâncias iguais ao longo dos meses não é um mero indício, esta coincidência “configura uma impossibilidade estatística que afasta a natureza compensatória dos valores recebidos a título de ajudas de custo e comprova a natureza remuneratória das mesmas” conforme é referido no relatório de inspeção

r. Outro facto que só vem reforçar a natureza remuneratória das alegadas ajudas de custo é o facto de a entidade patronal ter efetuado igualmente o pagamento do subsídio de almoço nos dias em que são auferidas ajudas de custo (facto que deverá ser acrescentado aos factos em complemento ao facto 7).

s. Se nas ajudas de custo estão abrangidas as despesas de alimentação, não é compreensível a entidade patronal pagar o subsídio de almoço nos dias em que o trabalhador se encontra deslocado. O subsídio de almoço deveria ter sido subtraído ao valor das ajudas de custo pagas ao trabalhador se de verdadeiras ajudas de custo se tratassem, o que não ocorreu no presente caso.

t. Perante todos os factos acima descritos, considerando ainda que a verba relativa às ajudas de custo é de montante elevado, excedendo em muito a própria remuneração declarada, tem carácter regular e periódico, configura uma verdadeira remuneração, sujeita, por isso, a tributação em de sede de Categoria A.

u. Contrariamente ao que foi decidido pelo tribunal a quo, entende a Fazenda Pública que por um lado, a situação concreta dos trabalhadores não era suficiente para que auferissem ajudas de custo, como ficou supra demonstrado e por outro, as características inerentes a estes montantes reconduzem a pagamentos com natureza remuneratória sujeitos a tributação, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIRS.

v. Assim, não se verifica qualquer erro de facto nos pressupostos na atuação da Administração Tributária pelo que deveria o tribunal a quo ter decidido pela legalidade da liquidação ora em causa.

w. Pelo exposto, a douta sentença ao decidir pela ilegalidade da liquidação de IRS violou a norma prevista no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIRS.

x. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da liquidação de IRS.

y. Assim, deverá ser dado provimento ao recurso, ser revogada a douta sentença recorrida e ser substituída por acórdão que decida pela improcedência da Impugnação Judicial

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»

3. Os recorridos, A......... e V….., devidamente notificados, apresentaram contra-alegações, onde formularam as seguintes conclusões:

«1) Por economia e comodidade de exposição e de confronto a presente resposta seguirá as conclusões da Recorrente, e tentar-se-á ser tão breve quanto o conteúdo das conclusões o permita. Por isso que, sem explanações inúteis, se entra directamente na matéria do recurso.

2) Com a presente apelação a Apelante apenas têm em vista alterar a verdade dos factos, absolutamente provados em sede de audiência discussão e julgamento, não aceitando assim esta Douta Sentença que decretou a anulação do acto impugnado, considerando a acção interposta pelos oras Recorridos totalmente procedente por provada, que aliás, estamos certos, que este Venerando Tribunal não deixará de confirmar.

3) Nas conclusões da motivação do recurso, a Apelante alega em síntese que os valores auferidos não se integram no conceito de ajudas de custo, tendo feito uma errónea interpretação do artigo 2.º do CIRE. Ora salvo melhor opinião, nenhuma razão assiste à ora Apelante, sendo certo que muito bem andou o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” quando proferiu a supra referida Sentença.

4) Pelo que, e por uma questão de relembrar o recorrente da matéria provada constante dos autos, desde já se passa a elencar a matéria dada como provada no presente processo, e que indubitavelmente levaria a sentença proferida: 15) Os trabalhadores, quando se encontravam deslocados a trabalhar no estrangeiro, assinavam os mapas de ajudas de custo com os montantes que lhe lhes eram pagos, cf. depoimento das testemunhas Â......... e V.A.........; 16) Os trabalhadores que estavam deslocados a trabalhar no estrangeiro pagavam as despesas inerentes a alojamento, alimentação, transportes e a entidade patronal reembolsava-os dos respetivos montantes, cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A.........; 17) A entidade patronal deslocava-se ao estrangeiro, ao local onde iriam ocorrer as obras para aferir dos custos de alojamento, alimentação, transportes que importava a cada trabalhador tendo em conta a proximidade do local onde iriam ocorrer os trabalhos e a proximidade de alojamento dos trabalhadores para estes se poderem apoiar uns aos outros quer no alojamento quer nas deslocações, cfr. depoimento das testemunhas Â.........e V.A.........; 18) A entidade patronal...

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