Acórdão nº 19735/19.8T8LSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-11-17

Data de Julgamento17 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão19735/19.8T8LSB.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Seguradoras Unidas, S.A. demandou Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação do réu no pagamento à autora da quantia de €9.269,29, acrescida dos juros legais, desde a citação até integral pagamento.
Invoca como fundamento o direito ao reembolso por parte do réu, alicerçado no instituto do enriquecimento sem causa, do valor da indemnização e despesas pagas ao réu, convencido ser sua obrigação fazê-lo, porquanto incorreu em erro quanto à validade do contrato de seguro, contrato este que fora anulado, em data anterior à ocorrência do acidente.
Na contestação o réu excepcionou a sua ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo, a inoponibilidade da alegada invalidade do contrato de seguro, impugnou o alegado pela autora, concluindo pela procedência das excepções e, consequentemente, absolvição da instância e pela improcedência da acção com a consequente absolvição do pedido.
A autora pugnou pela improcedência das excepções.
Em sede de despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade, tendo sido elencados os temas de prova.
Após julgamento foi prolatada sentença que, julgando a acção procedente, condenando o réu, com fundamento no enriquecimento sem causa, a pagar à autora o montante peticionado.
Inconformado, o réu apelou formulando as conclusões que se transcrevem:
A) O Tribunal “a quo” julgou a acção procedente e condenou o Fundo de Garantia Automóvel a pagar à Autora Seguradoras Unidas, SA, agora denominada Generali Seguros, SA, a quantia de €9.269,29 acrescida de juros legais vincendos desde a citação, até integral e efectivo pagamento.
B) Tal condenação, resulta do entendimento de que o pagamento efectuado pela Autora ao Réu, preenche todos os requisitos do enriquecimento sem causa por parte do Réu FGA. Entendimento esse, que salvo o devido respeito, carece totalmente de qualquer cabimento legal.
C) Salvo o devido respeito, não se verifica, na situação em apreço, qualquer enriquecimento sem causa por parte do Réu FGA, por variadíssimas razões, sendo a primeira e mais evidente é que o FGA não é nem nunca poderá ser um responsável proprium senso, tendo sempre direito de regresso, de todas as quantias que houver pago e ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos.
D) As entidades que reembolsem o Fundo nos termos dos n.ºs 3 e 4 beneficiam de direito de regresso contra outros responsáveis, se os houver, relativamente ao que tiverem pago tudo conforme o disposto no art.º 54 DL 291/2007 de 21.08.
F) Ora, o que está na base da suposta anulação do contrato de seguro entre a Autora e o seu Tomador JS, é que este último terá declarado ser o condutor habitual, para que o seu amigo JJ viesse a beneficiar de um prémio de seguro mais barato.
G) Salientando-se que, resultou claro das declarações do prestadas em audiência de julgamento pelo tomador do seguro JS, que o carro se encontrava na sua garagem e que era utilizado “como se fosse da casa”, pela companheira, CS (condutora que deu causa ao acidente), para levar o “miúdo à escola”, como passaremos a demonstrar:
Do Depoimento da Testemunha JS.
Mandatária da Autora (8:10…) O senhor conhece uma senhora CS?
Testemunha: Era a minha antiga companheira.
Mandatária da Autora: Certo. Esta senhora teve um acidente em abril… com o carro do seu amigo?
Testemunha: Sim, sim, parece que sim.
Mandatária da Autora: Parece? O senhor não estava lá?
Testemunha: Não estava com ela, não.
Mandatária da Autora: Mas teve conhecimento que ela… portanto…sofreu um acidente, utilizando este veículo?
Testemunha: sim, sim.
Mandatária da Autora: O senhor já disse que não era o condutor habitual, mas fez esse favor ao seu amigo, não é?
Testemunha: sim, sim.
Mandatária Réu FGA (10:23…): (…) à data deste acidente, que a sua companheira teve com o carro do JJ, do seu amigo, onde estava o JJ a viver?
Testemunha: Nesta data estava na Suíça.
Mandatária Réu FGA: Na Suíça. E você, o Sr. JS onde estava na data do acidente?
Testemunha: Estava cá em Portugal.
Mandatária Réu FGA: Como é que é possível a sua companheira estar a conduzir o carro do JJ, se estava na Suíça?
Testemunha: O carro estava na minha garagem, o seguro estava em meu nome e o carro estava na minha garagem, para guardar.
Mandatária Réu FGA: E, porque é que a sua companheira usou o carro?
Testemunha: Porque o carro era da casa… e pegou nele.
Mandatária Réu FGA: O carro era da casa?
Testemunha: O carro estava lá em casa, para quando era preciso, ela pegava nele ou eu.
Mandatária Réu FGA: Você também conduzia quando era preciso, é isso?
Testemunha: Não, eu trabalho por minha conta e o carro estava lá em casa e punha a trabalhar, de vez em quando.
Mandatária Réu FGA: Portanto, naquela altura quem tinha a direcção efectiva do carro era você? O Sr. JS?
Testemunha: Era eu que o guardava na garagem.
Mandatária Réu FGA: E o utilizava quando fosse preciso?
Testemunha: Por a trabalhar de vez em quando.
Mandatária Réu FGA: E dar uma volta com ele. O Senhor acabou de dizer estava lá em casa, era da casa, era usado pela sua companheira e por si.
Testemunha: Era como se fosse, não é? Ela tinha que levar o miúdo à escola, às vezes.
H) Ora, se a Autora pretendia demonstrar a anulabilidade do contrato de seguro efectuado com o Sr. JS, afirmando que esta não era o condutor habitual como explanado no contrato de seguro, mas sim o seu Proprietário JJ.
E, de que tudo não passou de uma manobra para que o contrato de seguro ficasse mais barato, uma vez que o JJ tinha carta há menos de 2 anos. Efectivamente, apenas conseguiu demonstrar o seu contrário, por o Sr. JJ encontrava-se a residir na Suíça e, efectivamente, o veículo seguro, era utilizado pelo seu tomador e pelo seu agregado familiar.
Não se verificando as alegadas falsas declarações que viessem a influenciar, quer na decisão de contratar quer ainda no agravamento do prémio de seguro! Pois, efectivamente o veículo estava a ser utilizado pelo tomador do seguro, e o seu proprietário encontrava-se a residir na Suíça!
I) Mas, por mera cautela e mesmo que assim não fosse, apesar de persistir alguma divergência doutrinal e jurisprudencial relativamente à aplicação deste preceito legal ao contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, actualmente e após a prolação do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 20.07.2017, a jurisprudência tem seguido a orientação que o artigo 43/1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (que correspondia ao actualmente revogado artigo 428/1 Código Comercial) encontra-se derrogado, pelo artigo 6/2 DL 291/2007, dado que, nos termos deste normativo, é permitido a celebração do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel por terceiro que não aquelas sobre as quais recai tal obrigação de contratar.
J) Nesta linha, a situação prefigurada de falta de interesse digno de protecção legal será sancionada em sede de declarações inexactas na celebração do contrato de seguro, através do regime de anulabilidade, nos termos dos arts. 24 e 25 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
K) Ora, este sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.11.20179, que defende, «o indicado § 1º do art.º 428 deve ser tido por derrogado por efeito do preceituado no art.º 2/2 do DL 522/85, de 31/12, correspondente ao actual art.º 6/2 DL 291/2007, de 21-08, porquanto, nos termos deste normativo, no âmbito do regime especial do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, é permitida a celebração do contrato de seguro por terceiro como modo de suprir a obrigação das pessoas a tal sujeitas».
Pois, a circunstância de o contrato de seguro ajuizado padecer de invalidade, na modalidade de anulabilidade, por falsas e inexactas declarações na declaração inicial de risco não implica, per si, que seja oponível aos terceiros lesados. A este respeito dispõe o artigo dispõe o art.º 22 DL 291/2007 que para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente decreto-lei, a empresa de seguros apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do nº 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do acidente.
Ora, atendendo que o vício que enferma o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que ora se cura, encontra-se previsto no artigo 25/1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e não no DL 291/2007, conforme impõe o aludido artigo 22, resta concluir que a invalidade em causa nos presentes autos é inoponível aos terceiros lesados.
K) É este, aliás, o entendimento que melhor se conforma com o teor da citada decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 20.07.2017, que afirma, «O artigo 3/1 da Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, e o artigo 2/1 da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados a nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, nulidade essa que resulta de falsas declarações iniciais do tomador do seguro sobre a identidade do proprietário e do condutor habitual do veículo em causa ou do facto de que a pessoa por quem ou em nome de quem esse contrato de seguro é celebrado não
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