Acórdão nº 1962/21.0T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-01-09

Ano2024
Número Acordão1962/21.0T8LRA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA)

Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Vítor Amaral
Fernando Monteiro



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(…)


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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 24.5.2021, A..., Lda., intentou a presente ação declarativa comum contra B..., S. A., pedindo que, atento o sinistro invocado na petição inicial (p. i.), seja condenada a: proceder à reparação da máquina nos termos indicados no relatório de peritagem, suportando os respetivos encargos [a]; ou, caso não o faça, pagar os encargos com a reparação da máquina ao custo que agora tiver aquando da sua reparação [b]; pagar indemnização por paralisação da máquina desde a data em que ficou inoperacional (03.9.2019) até ser colocada a funcionar à razão de € 16/ hora (valor já liquidado de € 57 600) [c].

A Ré contestou, invocando, além do mais, “uma situação de subseguro”. Concluiu pela improcedência da ação (“por não provada quanto ao pedido da A.”, sendo a Ré “absolvida na medida dessa improcedência”).

Na sequência de despacho/convite de 01.10.2021, a A. respondeu à matéria de exceção, dizendo que o equipamento foi adquirido pelo valor pelo qual foi seguro.

Foi proferido despacho saneador que relegou o conhecimento da matéria de exceção para final, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, por sentença de 16.5.2023, julgou a ação parcialmente procedente, condenando a Ré:

«1) A proceder à reparação da máquina nos termos indicados no relatório de peritagem, suportando os respetivos encargos, deduzindo a franquia de 10 %, com o mínimo de 750 €; ou, caso não o faça,

2) Pagar os encargos com a reparação da máquina ao custo que agora a mesma tiver aquando da sua reparação, deduzindo a franquia de 10 %, com o mínimo de 750€.;

c) Pagar indemnização por paralisação da máquina desde a data em que a mesma ficou inoperacional (03.9.2019) até que a mesma seja colocada a funcionar à razão de € 16/ hora, no valor já liquidado de € 57 600, deduzindo a franquia de 10 %, com o mínimo de 750€.»

Inconformada, a Ré apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - Quanto à matéria de facto considerou o tribunal a quo como não provado o facto 2.1, conclusão com que a Recorrente não concorda, tendo em conta as declarações da testemunha AA transcritas nas alegações, pelo que deve o facto 2.1 ser dado como provado em detrimento do facto provado n.º 6.

2ª - Não enumera o tribunal a quo quais os “muitos fatores” que se devem considerar para dar como provado o valor de € 54 243.

3ª - Considerou o tribunal a quo como provado o facto n.º 6, contudo, nos termos do art.º 640º, n.º 1, al. c) do CPC, caso se entenda condenar a Recorrente naquele valor, devia ser subtraído o valor do IVA de €10 143.

4ª - Concluiu o tribunal a quo como não provado o facto 2.2, o que a Recorrente discorda, tendo em conta as declarações, ainda que pouco objetivas, da testemunha BB, transcritas nas alegações, CC, transcritas nas alegações, e o anexo 7, do documento n.º 2 junto com a Contestação, o qual representa um exemplo de cotação de uma máquina parecida com o objeto seguro, ao tempo do sinistro, em que o valor final, sem qualquer desconto comercial, ronda os € 287 400.

5ª - O ponto 2.2 dos factos não provados devia ter sido dado como provado, ou em alternativa, tal ponto devia ser, pelo menos, melhor aclarado, tendo em conta o depoimento pouco credível da testemunha DD, nos termos dos art.ºs 411º e 662º, n.º 2, a) do Código de Processo Civil (CPC).

6ª - Não existem dúvidas que se verificou uma situação de subseguro de acordo com o art.º 134 da Lei do Contrato de Seguro, pelo que a seguradora deve ser responsabilizada pelo dano na respetiva proporção, tal como indicado na contestação, pelo que o valor do prejuízo do Recorrida cifra-se no montante de € 20 466,35, descontando já a franquia contratual.

7ª - Insurge-se ainda a Recorrente contra a sua condenação no pagamento da indemnização por paralisação da máquina desde 03.9.2019, até que a mesma seja colocada a funcionar à razão de € 16/hora e no valor já liquidado de € 57 600, porque resulta das Condições Gerais do Seguro que estão excluídos, exceto quando expressamente se garantam, os prejuízos de natureza consequencial, nos quais se incluem o dano por privação.

8ª - Olvidou o tribunal a quo, na argumentação para justificar a condenação nos danos por privação que, logo no dia 11.12.2019, colocou a Recorrente, à disposição da Recorrida, o valor alcançado do dano de € 20 466,35, conforme documento n.º 3 junto com a p. i..

9ª - Olvidou o tribunal a quo, na argumentação para justificar a condenação nos danos por privação que, em 13.02.2020 a Recorrente informou a recorrida da forma como foi determinada a indemnização, conforme resulta do documento n.º 3 junto com a Contestação e que depois desta comunicação, não recebeu a Recorrente qualquer contestação àquele valor da parte da Recorrida, tendo a Recorrente sido surpreendida com a instauração da ação em maio de 2021.

10ª - Nunca contestou a Recorrida o valor apresentado pela Recorrida, antes da interposição da ação.

11ª - Não parece a Recorrida ter agido de boa-fé ao não ter contestado o valor apresentado pela Recorrente, aquando da explicação sobre o mesmo, e só na fase judicial tê-lo contestado.

12ª - Não foi por culpa da inação da Recorrente que tal dano de privação ocorreu.

13ª - Caso se admita o dano por privação, uma vez que o mesmo encontra-se excluído das garantias da apólice, mesmo assim, chama-se à colação aquilo que foi decidido, recentemente, por alguns tribunais superiores, cujos sumários dos acórdãos estão transcritos nas alegações, pelo que o dano pela privação deve ser improcedente.

14ª - Deve ser revogada a Sentença proferida pelo tribunal a quo.

A A. não respondeu.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar/decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito, cuja modificação depende, também, da eventual alteração da decisão de facto; c) dano da privação de uso.


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II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1) A A. celebrou com a Ré um contrato de seguro, apólice n.º ...25, mediante a qual segurou a máquina DMG Mori, modelo DMU125 P, n.º de série ...23.

2) A máquina encontrava-se a funcionar nas instalações da A. onde tem a sua sede. Nos dias 23.8.2019 e 03.9.2019 houve picos de corrente que levaram à avaria do comando da dita máquina.

3) A A. acionou o seguro junto da Ré para que se procedesse à respetiva reparação da máquina.

4) Foi solicitado que a reparação fosse feita de imediato.

5) A avaria da máquina consiste: o CNC Heidenhain se encontrava avariado sendo necessária à sua substituição. Podendo existir outras avarias/componentes danificados, que apenas são detetados após a montagem e posta em marcha com novo CNC Heid.

6) O custo da reparação é de até € 54 243, que corresponde ao custo de substituição do comando.

7) A Ré assumiu a responsabilidade e efetuou uma proposta para pagamento de quantia de € 20 466,35.[1]

8) A máquina ficou parada desde a data em que o comando da mesma a tornou inoperacional.

9) A máquina era utlizada em trabalho diário contínuo, não apenas porque era necessário para o volume de trabalho que a A. tinha, como era a forma do investimento com a mesma ser amortizado.

10) O custo da máquina por cada hora de trabalho é de € 16 e a máquina trabalhava durante os dias úteis pelo menos oito horas diárias.

11) A A. não procedeu ainda à reparação da máquina por indisponibilidade financeira.

2. E deu como não provado:

a) Os prejuízos resultantes do sinistro cifram-se no montante de € 40 337.

b) O valor do objeto seguro ao tempo do sinistro era de € 300 000.

3. Cumpre apreciar e decidir.

a) A Ré insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, sendo que da sua eventual modificação poderá resultar diferente desfecho dos autos.

Importa averiguar se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade aludida em II. 1. 6) e II. 2., supra, pugnando a Ré para que seja dada como não provado aquele primeiro facto e como provados os factos restantes (admitindo, contudo, quanto à factualidade descrita em II. 2. b), supra, que “em alternativa, tal ponto devia ser, pelo menos, melhor aclarado, nos termos dos artigos 411 do CPC e 662º, n.º 2, a) do CPC”).

Invoca-se a prova pessoal produzida em audiência de julgamento, bem como a prova documental junta aos autos.

b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental.

c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efetivação do princípio da imediação[2], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obsta a que se verifique se os depoimentos foram apreciados de forma razoável e adequada.

Na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[3], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

d) Da motivação/análise crítica da prova apresentada pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo importa destacar os seguintes excertos (atento o objeto do recurso; com esclarecimentos entre parêntesis retos):

«(...) Os factos descritos em 6 resultam do depoimento da testemunha EE conjugado com o teor dos documentos 2 junto com a petição e 2 junto com a contestação [cf. documentos de fls. 6 verso e...

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