Acórdão nº 19609/15.1T8LSB-A.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-11-28

Ano2023
Número Acordão19609/15.1T8LSB-A.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa



1. BANCO A…, S.A., com sede na Rua …, …, Cabo Verde, veio, por apenso ao processo de insolvência nº 19609/15.1T8LSB, propor a presente acção de verificação ulterior de créditos nos termos do disposto no artigo 146º, nº 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), contra MASSA INSOLVENTE do BANCO B…, S.A., o insolvente, BANCO B…, S.A. e credores da insolvência, pedindo que fosse verificado e graduado um crédito, no valor de 6.885.517,00 (seis milhões, oitocentos e oitenta e cinco mil e quinhentos e dezassete euros), acrescido dos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento da quantia em dívida, devendo tal crédito ser qualificado como crédito de natureza comum, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 47.º, n.º 4, alínea c), do CIRE.

Alegou, em síntese, ter celebrado com a Key Financial Investment Group LLC um contrato de mútuo, a 21.11.2012, no montante de USD 4.000.000,00 (quatro milhões de Dólares), financiamento que a devedora garantiu, motivo porque, a 18.02.2014, a informou que a referida sociedade não havia procedido ao pagamento da quantia mutuada e dos juros. Face ao não pagamento executou a garantia bancária e solicitou à ré que procedesse, no prazo de dois dias, à transferência do montante total de USD 4.427.833,33 (quatro milhões, quatrocentos e vinte e sete mil, oitocentos e trinta e três dólares norte americanos e trinta e três cêntimos). Para pagamento da quantia em dívida intentou acção executiva – Proc. n.º 3577/14.0YYLSB Inst. Central – 1.ª Secção de Execução, da Comarca de Lisboa, da sentença de indeferimento liminar interpôs recurso. Alegou ainda que, a 04 de Abril de 2011, havia concedido à sociedade Geofinance Limited, um financiamento, no montante de USD 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil dólares), garantido pela devedora, pelo que a 18.02.2014, informou a devedora que a referida sociedade não havia procedido ao pagamento da quantia mutuada e dos juros. Executou a garantia bancária e solicitou à insolvente que procedesse, no prazo de dois dias, à transferência do montante total de USD 4.291.145,83 (quatro milhões, duzentos e noventa e um mil, cento e quarenta e cinco dólares norte-americanos e oitenta e três cêntimos). Para pagamento da quantia em dívida intentou acção executiva – Proc. n.º 3576/14.0YYLSB Inst. Central – 1.ª Secção de Execução, da Comarca de Lisboa. A devedora deduziu embargos de executado que foram julgados improcedentes, por decisão de 06.01.2016.

Regularmente citados todos os RR., apenas a INSOLVENTE e a MASSA INSOLVENTE deduziram contestação, articulado onde, para além de excepcionarem a intempestividade da acção, impugnaram a matéria de facto constante da petição inicial, sustentando que as garantias não foram contabilizadas no Banco B…, S.A. e não passaram pelo Conselho de Administração da insolvente. Acrescentaram ainda que, segundo o Banco de Portugal, o BANCO B..., S.A. tinha garantias prestadas à Autora no montante de 9.768 516,47, mas que se tratam de garantias gratuitas e, como tal nulas, podendo, quando muito, ser consideradas cartas de conforto não vinculativas para o Banco B.
Findos os articulados, foi proferido o seguinte despacho (refª 420472478):
“Aos presentes autos são aplicáveis os termos do processo comum, de acordo com o disposto no artigo 148.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A realização de uma tentativa de conciliação não se afigura pertinente nos autos, atentas as posições assumidas.
Segue o saneamento do processo, nos termos dos artigos 595.º e 596.º, do Código de Processo Civil, por aplicação do artigo 148.º, do CIRE.
A audiência prévia teria por finalidade
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
com vista à prolação de despacho saneador que se destina a
b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
Conforme o previsto no artigo 591.º, n.º 1, alíneas d) e e), do aludido diploma legal.
Assim e ao abrigo do princípio da adequação formal, dispenso a realização de audiência prévia, nos termos dos artigos 547.º, 591.º, n.º 1, alínea b), 592.º, n.º 1, alínea b) e 595.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
E, convido as partes a querendo, se pronunciarem.
Prazo: 10 dias.”

Notificadas deste despacho, tanto as RR., MASSA INSOLVENTE e INSOLVENTE, como a Autora, vieram esclarecer que nada tinham a opor à dispensa de realização da audiência prévia, declarando ainda a Autora que não prescindia de todos os prazos legais para eventuais reclamações.
De seguida, após o tribunal ter consignado que se encontravam reunidas as condições para a prolação da decisão final, foi proferida sentença que culminou com a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgando a presente ação integralmente procedente, reconheço o crédito reclamado pelo O BANCO A…, S.A., no montante de € 6.885.517,00 (Seis milhões, oitocentos e oitenta e oitenta e cinco euros, quinhentos e dezassete cêntimos), que deverá ser graduado como crédito comum, em conjunto com os demais créditos comuns na sentença proferida no apenso de verificação e graduação de créditos.
Custas pelo BANCO B…, S.A. e pela massa insolvente, em partes iguais – artigo 148.º Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Registe e notifique.”

Inconformadas com esta sentença, dela interpuseram recurso ambas as RR., MASSA INSOLVENTE e INSOLVENTE, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. Terminam as respectivas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1.– O presente recurso de apelação vem interposto da decisão do Tribunal a quo, proferida em 08.07.2023 (“Decisão Recorrida”), na qual aquele tribunal conheceu de imediato do mérito da causa, quando ainda não estava em condições de o fazer, e julgou a presente ação procedente, reconhecendo, indevidamente, o crédito reclamado pela Recorrida no montante de € 6.885.517,00 (seis milhões, oitocentos e oitenta e cinco mil quinhentos e dezassete euros) – o que não se concede nem se pode aceitar!
2.– A Decisão Recorrida padece de várias nulidades, pelo que deverá ser revogada.
3.– Desde logo, a Decisão Recorrida constitui numa verdadeira decisão-surpresa.
4.– Com efeito, o Tribunal recorrido, em momento prévio à prolação da Decisão Recorrida, apenas convidou as partes para se pronunciarem sobre a dispensa da realização da audiência prévia, não tendo informado as partes, expressamente, de forma fundamentada e com a enunciação das questões a resolver, que considerava estar em condições de conhecer antecipadamente do mérito da causa – como a isso estava obrigado a fazer, ao abrigo do princípio da proibição de decisões surpresa.
5.– Por outro lado, o Tribunal recorrido não poderia conhecer de imediato das questões e factos relevantes alegados em sede de Contestação pelas Recorrentes (além da exceção dilatória invocada quanto à extemporaneidade da ação), sem antes ordenar a produção adicional de prova sobre os mesmos (no caso, a prova testemunhal, tal qual foi atempada e oportunamente requerida pelas Recorrentes).
6.– O Tribunal a quo (como o próprio reconhece) não se encontrava ainda em condições de se pronunciar quanto a determinados factos relevantes alegados pelas Recorrentes, suportados pelos documentos juntos aos autos, e que também seriam objeto de prova testemunhal – mormente quanto à existência de má-fé ou abuso de direito, essenciais para efeitos de apreciação da nulidade das garantias (que, alegadamente, sustentam o crédito peticionado pela Recorrida) arguida pelas Recorrentes!
7.– Assim, é por demais evidente que o Tribunal recorrido incorreu numa manifesta violação dos princípios do inquisitório e da igualdade de armas, consagrados, respetivamente, nos artigos 411.º e 4.º do CPC, uma vez que:
i.- Não informou previamente as partes que pretendia, desde já, conhecer do mérito da causa – tendo apenas informado da sua decisão de dispensa de realização de audiência prévia que, por si só, não tem como consequência que o processo não prossiga os demais trâmites, designadamente para prolação de despacho de fixação do objeto do litígio e de temas de prova e designação de data para realização de audiência final;
ii.- Ao não ter dado esse prévio conhecimento às partes, não lhes permitiu pronunciarem-se sobre a existência de condições para que fosse proferida uma decisão sobre o mérito da causa sem realização de audiência de julgamento;
iii.- Existe, incontestavelmente, a necessidade de ser produzida prova adicional (i.e., testemunhal) quanto a alguns dos factos alegados pelas Recorrentes – (i) não só porque alguns dos documentos juntos foram impugnados pela Recorrida (sem prejuízo de tal impugnação não ter a virtualidade de colocar em causa a sua força probatória), (ii) mas também porque, ao entender não dispor de elementos suficientes para considerar certos factos como provados, deveria ter dado a oportunidade às partes de produzir prova complementar.
8.– Nestes termos, e salvo o devido respeito, a Decisão Recorrida enferma de uma nulidade processual, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, a qual se argui para os devidos efeitos legais, pois que tais irregularidades influem, sem margem para dúvidas, no exame e na decisão da causa,
9.– Termos em que deve a mesma ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, designadamente, mediante a prolação de Despacho de fixação dos temas de prova e a designar data para a realização de audiência de julgamento.
Sem prescindir,
10.– A Decisão Recorrida padece de uma
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