Acórdão nº 1937/15.8T8LOU-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 11-10-2022

Data de Julgamento11 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão1937/15.8T8LOU-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 1937/15.8 T8LOU-A.P1
Comarca de Porto Este – Juízo Local Cível de Lousada
Apelação (em separado)

Recorrente: AA
Recorrido: Ministério Público

Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes



Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
No âmbito dos presentes autos foi proferido o seguinte despacho judicial com data de 18.2.2022:
“Apresentou AA requerimento peticionando a sua substituição no desempenho das funções de acompanhante de BB, alegando terem decorrido cinco anos desde que assumiu o desempenho daquelas funções, apelando ao estabelecido no art.º 144.º, n.º 3, do Código Civil, indicando como possíveis substitutas no exercício daquela incumbência as irmãs do acompanhado, CC (irmã do requerido) residente em ... Suíça (e quando em Portugal na Rua ..., ..., Amarante) ou DD (irmã consanguínea do acompanhado) residente na Avenida ..., ..., ..., Lousada.
Paralelamente, requereu a sua escusa do cargo, argumentando deterem as irmãs acima identificadas menores idades do que a sua (respetivamente 53 e 26 anos), grau de parentesco mais próximo e melhor saúde, encontrando-se o requerente desempregado e num estado de saúde débil, que descreve, que aliado à circunstância de ter atualmente 64 anos de idade, justificaria a sua pretensão.
De acordo com o requerente, as irmãs estariam a eximir-se do exercício dos seus deveres.
O Ministério Público pronunciou-se promovendo o indeferimento do requerido, pela incapacidade de substituição do acompanhante.
Cumpre decidir.
Como prevê o artigo 143.º do Código Civil, sob a epígrafe Acompanhante:
1 - O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.
2 - Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:
a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;
b) Ao unido de facto;
c) A qualquer dos pais;
d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;
e) Aos filhos maiores;
f) A qualquer dos avós;
g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;
h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação;
i) A outra pessoa idónea.
3 - Podem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um, com observância dos números anteriores.
Jaz então neste preceito legal o conjunto de critérios que guiam a designação judicial da pessoa ou pessoas que desempenharão o cargo de acompanhante do beneficiário em sede da determinação judicial de medidas de acompanhamento de pessoa maior.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães prolatado em 29-10-2020 (processo 1243/19.9T8FAF.G1, in www.dgsi.pt):
«Quanto aos critérios a observar pelo tribunal na designação do acompanhante, verifica-se que a lei atribui preferência à escolha formulada pelo próprio acompanhado/beneficiário, prevendo ainda, como critério supletivo a adotar na falta de escolha por parte do próprio beneficiário, que a nomeação deve recair sobre a pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.
No caso em apreciação não foi manifestada pelo requerido qualquer vontade pessoal, expressa ou presumível, quanto à opção ou escolha do acompanhante, sendo certo que o tribunal a quo concluiu já, de forma que não foi concretamente impugnada no presente recurso, que o beneficiário nem sequer foi capaz de responder às perguntas que lhe foram colocadas no decurso da audição a que se procedeu, apresentando alterações muito acentuadas nas suas funções cognitivas e executivas que o incapacitam de conscientemente exercer os seus direitos.
Daí que no caso em análise a única questão com pertinência para à decisão respeitante à escolha ou designação do acompanhante do beneficiário no âmbito do acompanhamento já decretado se prenda com a aferição dos pressupostos fácticos subjacentes à aferição da pessoa que revela melhores condições para salvaguardar o interesse imperioso do beneficiário, enquanto único critério legal atendível, não relevando de forma direta para o efeito o eventual acordo ou a concordância de alguns ou de todos os descendentes do beneficiário quanto ao exercício das funções de acompanhante ser atribuído a determinada pessoa, tanto mais que a aferição da idoneidade para o exercício de tais funções cabe exclusivamente ao tribunal.
Tal como entendeu o Ac. TRC de 24-10-2019 (5) em moldes que julgamos de sufragar inteiramente, “[e]ste é o critério supletivo a observar pelo tribunal, o que significa que o rol de pessoas indicadas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 143.º do Código Civil é meramente exemplificativo – «designadamente» refere o texto da norma – e, sobretudo, que a sequência pela qual eles são indicados não constitui uma ordenação que importe uma regra de precedência obrigatória para o tribunal, sem prejuízo de a ordem seguida revelar uma graduação influenciada por regras da experiência e ser por isso atendível.
Na decisão em que define as medidas de acompanhamento o juiz designa o acompanhante. O juiz pode designar vários acompanhantes com diferentes funções, especificando as atribuições de cada um, tal como pode ainda designar um acompanhante substituto (artigo 980.º do Código de Processo Civil).
A finalidade do acompanhamento do maior é o seu bem-estar e a sua recuperação, razão pela qual a escolha do acompanhante e o exercício da função do acompanhante deve nortear-se sempre pela salvaguarda do interesse imperioso do acompanhado e do seu bem-estar e recuperação”
No caso em apreço, entende o tribunal não se ter ainda definido a pessoa idónea a desempenhar as funções de acompanhante, em substituição do requerente, porquanto as irmãs do beneficiário não reúnem por ora as condições mínimas para desempenharem tais funções.
Como se infere dos elementos constantes nos presentes autos, a irmã do beneficiário CC, nascida em .../.../1968, reside na Suíça há mais de 30 anos, deslocando-se esporadicamente a território nacional. É uma pessoa enferma, que não revela qualquer vontade ou disponibilidade para desempenhar tais funções.
A irmã consanguínea DD, nascida em .../.../1993 vive como a sua mãe, madrasta do seu irmão BB, aqui requerido, padecendo esta de um AVC e ter outros problemas de saúde, nomeadamente diabetes, carecendo do apoio da sua filha.
E carece da capacidade para cuidar adequadamente do seu irmão, uma vez que este exibe traços de personalidade com facetas de autismo, necessitando de ser acompanhado em permanência por pessoa que sob ele tenha um ascendente de autoridade, onde não se incluiria DD, por ser a sua irmã mais nova.
Esta não disporia ainda emprego estável, buscando emprego, o que a poderá levar para uma área geográfica distante, inclusivamente fora do território nacional.
Recorde-se ainda que o beneficiário BB trabalha para a Câmara Municipal de Amarante como jardineiro, mantendo tal emprego de modo estável, algo que, no entendimento do tribunal, importa salvaguardar.
É também certo que o acompanhante nomeado, o seu tio, AA trouxe ao tribunal motivos sérios a amparar a sua pretensão.
Contudo, apesar dos esforços que o tribunal tem encetado, alargados ao território nacional, visando a solução da questão pendente, não foi ainda possível satisfazer de modo adequado todos os interesses em ponderação, no que se destaca, desde logo, os do maior acompanhado – em defesa do “interesse imperioso do acompanhado e do seu bem-estar e recuperação” (loc. cit.).
Consequentemente, mantendo-se a solução vigente a única apta a satisfazer adequadamente este interesse, e enquanto não se lograr alcançar outra – o que se deseja de modo célere - não pode o tribunal, neste momento, deferir o requerido.
Notifique.
(…)”
Inconformado com o decidido interpôs recurso o requerente/acompanhante AA tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- O direito de ser substituído no cargo de acompanhante ao fim de cinco anos (art.144 nº 3 do CC) é um direito subjectivo relativo e de caráter não-patrimonial.
2- Trata-se de uma norma (art.144 nº 3 do CC) de direito substantivo não condicionada pela norma (art.987 do CPC) de caracter adjetivo/processual relativa ao critério de julgamento, segundo a qual o tribunal nos processos de jurisdição voluntária […] não está adstrito a critérios de legalidade estrita.
3- Isto porque, muito embora nos processos de jurisdição voluntária o juiz funcione como um árbitro, ao qual fosse conferido o poder de julgar ex aequo et bono, não pode impor às partes a solução que se lhe afigura mais conveniente e oportuna. Nem o carácter gracioso da jurisdição dispensa o tribunal de fundamentar, em plenitude, de facto e de direito, as suas decisões. Servindo tal para expressar que, não obstante, nos processos de jurisdição voluntária, os critérios de legalidade estrita não se imponham, totalmente, ao tribunal quando lhe é solicitada a adoção de uma resolução, isso não significa, nem pode significar, que lhe seja lícito abstrair em absoluto do direito positivo vigente, como se ele não existisse e como se, acima das normas legais, estivesse o critério subjetivo do julgador ou os [interesses] individuais das partes.
4- Dito isto, se é certo que em regra deverá ser nomeado acompanhante alguém do círculo pessoal e familiar do acompanhado que reúna condições para o exercício do cargo, não menos certo é que, nessa impossibilidade, a escolha deverá recair sobre estranhos sem ligação pessoal ou afetiva ao acompanhado. É o que dispõe o art.143 nº2 i) do CC.
5- Como quer que seja, o tribunal tem é de proceder à escolha e decidir.
6- Não podia era o
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