Acórdão nº 1936/15.0T8VFX-V. L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 09-04-2024

Data de Julgamento09 Abril 2024
Número Acordão1936/15.0T8VFX-V. L1-1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa


I.– RELATÓRIO


1.–FC apresentou na Conservatória de Registo Comercial de Lisboa requerimento, enviado para essa Conservatória por mensagem de correio eletrónico de 30-09-2022, provinda do endereço … @adv.oa.pt., com o seguinte teor:
“Exmºs Senhores
Muito agradecia que dessem entrada do presente requerimento de rectificação e documentos que seguem em anexo.
Com os m/melhores cumprimentos
ao dispor
MA”.

Um desses anexos constituiu requerimento em que se concluiu como segue:
“Assim, requer a V. Exa que decrete a nulidade dos 3 registos supra referidos supra porquanto foram registados com base em documentos insuficientes ou falsos e consequentemente cancelados os registos correspondentes à Inscrição 4 Ap. 16/20081117 referentes ao aumento de capital e alteração do pacto social; Inscrição 5 Ap. 200/20120320 referente à cessação de funções de membro de órgão social e Inscrição 6 Ap. 201/20120320 referente à mudança de sede, alteração do contrato de sociedade e designação de membro de órgão social, nos termos e para os efeitos do artigo 82.º do Código do Registo Comercial”.
Invoca, para fundamentar a sua pretensão, em síntese, que é sócio da sociedade DS Lda [ [1] ] verificando-se os seguintes vícios:
- Quanto à ata subjacente à Insc. 4, invoca a ausência da sócia ITMP, não obstante a declaração de presença em ata;
- Nos documentos subjacentes à Insc. 5, não consta procuração firmada pelos sócios alegadamente representados pelo sócio RM;
- Nos documentos subjacentes à Insc. 6, não consta procuração firmada pela sócia ITMP, alegadamente representada por terceiro.

Outro anexo reporta uma “procuração” pela qual o requerente constitui como sua procuradora a Drª MA, “a quem, com os de substabelecer, confere os mais amplos poderes gerais forenses em Direito permitidos”. Tal procuração está datada de 30-11-2022 [ [2] ].

2.–Esse requerimento foi objeto de decisão do Sr. Conservador, notificada ao requerente, por intermédio da respetiva mandatária, por comunicação de 19-10-2022, decisão com o seguinte teor:
“DECISÃO
(Rejeição de apresentação com enumeração de deficiências)
PROCESSO DE RETIFICAÇÃO

1.– O Pedido
A senhora Advogada Dra. MA, em representação de FC, com procuração junto aos autos pela qual lhe foram atribuídos poderes forenses gerais, solicita por email a instauração de processo de retificação na sociedade DS LDA - EM LIQUIDAÇÃO, pessoa coletiva número …, com vista à declaração pelo conservador da nulidade do registo lavrado pela inscrição 4 (ap. 16/20081117), pelo averbamento 1 à insc. 05 (ap. 200/20120320) e pela inscrição 6 (Ap. 201/20120320).
Dá conhecimento de que num dos apensos ao processo de insolvência da sociedade "D", um dos réus — a sociedade "ITM S.A." — alega não ter estado presente na assembleia geral realizada em 12.11.2008, titulada na ata n.º 18 que serviu de base ao registo de aumento de capital (insc.04), e que não se fez representar. Diz ainda que esta sociedade beneficia de um pacto de preferência das quotas dos outros dois sócios (insc. 02), razão pela qual sempre aquela sociedade deveria estar presente.
No que respeita ao averbamento de cessação de funções (av.01 insc. 05), alega ter sido apresentada a ata n. º 18 de 2012, situação que não pode ocorrer, porque não pode haver duas atas n.º 18 com quatro anos de diferença. Mais reporta que se diz em tal ata que a "D" é uma sociedade unipessoal por quotas, imprecisão insanável e que teria de ser corrigida;
Que o capital é de cento e nove mil setecentos e trinta euros quando o registo comercial já publicitava a essa data o capital social de trezentos mil euros; Que esteve presente o sócio RM - titular de uma quota de cento e setenta e um mil trezentos e oitenta euros - valor muito superior ao do capital social da empresa. Diz ainda que a sociedade ITMI acima identificada teria de ser representada pela "assinatura" do Conselho de Administração.
Finalmente, no que respeita ao registo constante da insc. 06 (mudança de sede, alteração de contrato e designação de gerente), entende que a ata 19 que serviu de base ao registo enferma de imprecisões e falsas declarações, nomeadamente quando nela se diz que a sociedade ITMI se encontraria representada por PR, sem que a mesma esteja assinada por si, mas apenas por RF e por ES, sem procuração junta à ata.
Conclui, dizendo que os registos foram lavrados com base em títulos nulos, falsos ou insuficientes e pede que o conservador declare a sua nulidade.

2.– O Procedimento.
O requerimento chegou à conservatória como anexo a um pedido de entrada do documento recebido por correio eletrónico, acompanhado de outros 5 anexos. Os documentos anexos foram impressos e encontram-se a instruir o processo de retificação, com exceção do primeiro anexo, identificado como "ePortugaI.gov.pt_Empresas.html", que não é suscetível de visualização útil. Supostamente devia ter sido indicado o código da certidão permanente da sociedade e não foi. Não obstante, imprimimos cópia de todos os registos lavrados na ficha eletrónica,
Ao procedimento foi atribuída a apresentação 114/20221004.

3.–Questões prévias
Os pressupostos processuais que a seguir identificaremos obstariam ao conhecimento da questão de mérito, não fora a circunstância do processo de retificação ser meio absolutamente inadequado para conhecimento das questões colocadas pelo recorrente e para resposta ajustada às pretensões. Por razões de celeridade processual e economia de meios, limitar-nos-emos a inventariar essas razões, sem prejuízo de a elas regressarmos no caso do indeferimento liminar que, afinal, será decidido se vier a ser contrariado em sede de impugnação.
O requerente FC é atualmente titular de duas quotas na sociedade visada no pedido, de acordo com os depósitos 3595 e 3596, ambos de 20171006. Tem, pois, interesse no pedido.

3.1-A interposição de retificação por meio eletrónico.
O primeiro pressuposto que diagnosticamos respeita à possibilidade de uso do correio eletrónico para dar entrada de um pedido de retificação de registo. Ao pedido de retificação se refere o artigo 84.º do CRCom e do seu n. º 1 consta a necessidade de especificação dos fundamentos do pedido e da identificação dos interessados. No n. º 2 do mesmo normativo prevê-se a junção dos meios de prova necessários e o pagamento dos emolumentos devidos.
Dispõe o artigo 45.º nº 1, do mesmo Código que a apresentação de documentos para registo pode ser feita pessoalmente, pelo correio ou ainda por via eletrónica, nos termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. A regulamentação consta da Portaria n.º 1416-A/2006, de 19.06, pondo-se em evidência que no conjunto de funções que o sítio eletrónico garante (cf. art 3.º) prevê-se, designadamente, a autenticação dos utilizadores através de certificados digitais, a assinatura eletrónica dos documentos entregues bem como o pagamento dos serviços por via eletrónica.
Esse meio não foi utilizado razão pela qual não estão garantidos pressupostos de autenticidade de quem apresenta o pedido - qualidade que lhe garante legitimidade para o fazer - e de autenticidade dos documentos apresentados. A sorte do pedido não pode deixar de ser a de rejeição do pedido de retificação por impropriedade do meio usado — cf. art. 46.º n.º 1, a) do CRCom.
Sem necessidade de maior desenvolvimento, deve dizer-se que o DL n.º 16/2020, de 15.04, foi revogado e que o correio eletrónico simples deixou de ser meio adequado para promover retificações de registo; ainda assim, tenha-se presente que o legislador desse diploma sentiu necessidade de se assegurar de requisitos de autenticidade do requerente e dos documentos enviados, requisitos que ora não se verificam (cf. art 4.º).

3.2- A Representação
Parece-nos igualmente relevante que a procuração conferida à senhora advogada, da qual consta a atribuição de poderes forenses gerais, não é bastante para assegurar a representação do requerente no procedimento em curso. Dado que se trata de um ato que não está sujeito a patrocínio judiciário obrigatório, isto é, dado que não é um ato próprio da profissão forense, importa que a representação esteja assegurada por procuração com poderes especiais. Esta exigência legal também não se mostra cumprida.
Por isso mesmo se deixa à consideração da apresentante a eventual junção de procuração com poderes especiais para o processo de retificação, no caso de entender impugnar o presente despacho.

3.3- O preparo
Pela retificação efetuada fora dos casos previstos nos artigos 85.º e 86.º do CRCom — como se nos afigura manifesto ser o caso - é devido o emolumento previsto na verba 6.1, do artigo 22.º do Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado, no valor de 250,00 €.
Este preparo é exigível, mesmo em caso de indeferimento liminar, caso em que o valor cobrado é devolvido, mas não na sua totalidade. Em caso de indeferimento liminar é devido valor igual ao da recusa que, conforme se prevê na verba 12 do mesmo art. 22.º, é de 50,00€.
A ausência de qualquer preparo constitui motivo de rejeição da apresentação, nos termos conjugados dos números l/b), 3, 5 e 8, do art 46.º do CRCom, constituindo o presente despacho notificação para efeitos do disposto no n.º 8 do art. 114.º do mesmo código. Vale isto por dizer que não sendo pago o aludido valor, será o pedido recusado ao abrigo do disposto no artigo 46.% n.º 1, b) e n.º 8 do CRCom.

4.–Do indeferimento liminar
A factualidade exposta no requerimento, que aqui damos por integralmente reproduzida, e o consequente pedido de declaração de nulidade que se formula, assenta inquestionavelmente na falsidade dos factos ocorridos nas diversas assembleias gerais que deram origem às atas apresentadas nos diversos registos atrás identificados. Sem discutir o complexo conceito de falsidade, parece-nos evidente que
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