Acórdão nº 192/20.2T9MCN.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-19

Data de Julgamento19 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão192/20.2T9MCN.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 192/20.2 T9MCN.P1


ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO:
Nos presentes autos realizou-se instrução, por requerimento do arguido AA, na sequência de acusação deduzida pelo Ministério Público, na qual lhe é imputada a prática de um crime de fraude contra a Segurança Social, previsto e punido, pelas disposições conjugadas dos artigos 103º, nº 1, 104º, nºs 1 e 2, al. b) e 106º, nº 1, todos da Lei 15/2001, de 05 de junho.
Finda a instrução foi proferido despacho de não pronuncia, que declarou nula a acusação pública deduzida contra o identificado arguido e determinou o arquivamento dos autos.
Inconformado com tal decisão o Ministério Público interpôs o presente recurso, rematando a motivação com as seguintes
CONCLUSÕES
1- O Ministério Público não se conforma com a decisão a decisão de considerar nula a acusação pública, por os factos nela descritos não constituírem o crime imputado ao arguido.
2- Em 31-01-2022, no âmbito do inquérito, do qual o signatário foi titular, foi proferido despacho de acusação contra AA.
3- Em 03-03-2022, o arguido AA apenas requereu a abertura da instrução, com dois fundamentos: não pronuncia, em relação a apenas dois meses, dezembro de 2019 e janeiro de 2020 e que fosse determinada a SPP. Nenhuma nulidade da acusação foi pedida.
4- Em 17-03-2022, o processo foi remetido para a Instrução Criminal de Penafiel, declarando nada ter a opor à suspensão provisória do processo agora requerida, desde que o arguido confessasse os factos de que é acusado e se comprometesse a pagar a dívida em causa à Segurança Social, acrescida de uma quantia ao Estado (artigo 281° do CPP), coisa que o arguido não fez, em sede de inquérito.
5- Em 23-03-2022, o M. Juiz 2 de instrução criminal admitiu o requerimento de abertura de instrução e declarou aberta a instrução, designou dia para interrogatório e, tendo em vista o decretamento da suspensão provisória do processo, solicitou CRC e ordenou para se obter, junto do MP, informação sobre eventuais suspensões provisórias de processo em relação ao arguido.
6- Nenhuma nulidade da acusação foi determinada.
7- Em 21-04-2022, o M. Juiz 2 da instrução criminal de Penafiel interrogou o arguido (que prestou declarações e nenhuma nulidade da acusação foi pedida ou determinada, vide gravação no Citius Media Studio) e pediu esclarecimentos à Segurança Social, referentes ao
pagamento de alguns meses e que poderiam diminuir o valor total da dívida, tal como pretendido pela defesa.
8- Em 04-05-2022, a Segurança Social respondeu, mantendo o seu entendimento, tal como constante do seu Parecer Fundamentado, junto no inquérito e seguido, por mim. no despacho de acusação, de que se verifica o crime de fraude contra a segurança social e pelo montante referido, sem correções ou reduções, tal como suscitado pela defesa.
9- Em 05-05-2022, foi dado conhecimento da resposta da segurança social ao MP e à defesa.
10- Antes de alegações, em debate instrutório, o Ministério Público aceitou a proposta a suspensão provisória do processo, requerida pela defesa, pelo período de 2 anos, mediante a entrega, à Segurança Social, da quantia em dívida (53.063,80€), mais 500€ a uma IPSS (e nenhuma nulidade da acusação foi pedida, contraditada ou determinada, vide gravação no Citius Media Studio).
11- Em alegações, no debate instrutório, o Ministério Público pediu a pronúncia do arguido, aceitando a suspensão provisória do processo, requerida pela defesa, pelo período de 2 anos, mediante a entrega, à Segurança Social, da quantia em dívida (53.060,80€, acrescida dos jutos legais), mais 500€ a uma IPSS (vide gravação no Citius Media Studio, em especial do min 6:40 a 7:35).
12- Mais, foi alegado, de forma expressa e clara, que: "...se verificam todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime".
13- E nenhuma nulidade da acusação foi peticionada!...
14- A defesa alegou (vide gravação no Citius Media Studio. em especial do min 6:40 a 7:35), pedindo justiça e reiterando o pedido de suspensão provisória do processo, requerida pela defesa, pelo período de 2 anos, mediante a entrega, à Segurança Social, da quantia em dívida (53.060,80€, acrescida dos jutos legais), mais 500€ a uma IPSS.
15- Mais a própria defesa declarou (vide gravação no Citius Media Studio, em especial do min 00:56 a 1:30) que "...Não está em causa o crime de fraude qualificado à segurança social..."
16- Nenhuma nulidade da acusação foi requerida pela defesa!!!...
17- Em 13-05-2022, o M. Juiz 2 da instrução criminal de Penafiel decidiu considerar nula a acusação pública, por os factos nela descritos não constituírem o crime imputado ao arguido (por faltarem, sobretudo, os elementos subjetivos exigidos pelo tipo legal em apreço).
18- Não posso concordar!!!
19- Na verdade, em primeiro lugar, não está em causa nenhuma nulidade insanável,
20- Esta nulidade estava dependente de arguição, pelo que o M. Juiz não podia conhecer dela, ex officio (artigos 118° e ss. do CPP).
21- Todavia, o M. Juiz considerou nula a acusação, sem que a defesa ou o arguido tivesse requerido o que quer que fosse, nesta matéria (artigo 121° do CPP).
22- Nem a defesa, nem ninguém levantou questões ou dúvidas sobre a validade ou nulidade da acusação, menos o M. Juiz que, após diversas diligências desnecessárias e inúteis, operou uma decisão final surpresa (vistos, com detalhe, os autos e ouvidas, com atenção, as gravações, através da aplicação do Citius Médio Studio).
23- Aliás, a própria defesa, aceitando a acusação, pediu apenas a SPP (e não a nulidade, que lhe seria mais favorável e sendo o seu único interessado e beneficiário).
24- Neste sentido, entre outos e por todos, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10-12-2009, in www.dgsi.pt: "Não se encontrando prevista no art. 119.° do CPP, a nulidade de acusação é sanável, pelo que se não for deduzida por algum dos interessados no prazo legalmente estabelecido, perante a autoridade judiciária competente, não pode ser conhecida enquanto tal em momento posterior..."
25-E, ainda, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11-12-2008 e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18-02- 2008, ambos in www.dgsi.pt e no site da PGDL, em anotação ao artigo 283° do CPP.
26- Vide, também, Paulo Pinto de Albuquerque, in "Comentário do Código do Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem", pág. 744-5, notas 12 e 13.
27- E, ainda, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, in "Código do Processo Penal - Comentários e Notas Práticas", pág. 716, nota 7, que diz que: "a nulidade de acusação é sanável..."
28- Em segundo lugar, a decisão recorrida é que é nula, por violação do princípio do contraditório.
29- Nulidade esse que expressamente se invoca (artigos 307°, 308° e 379° do CPP).
30- Com o feito, os sujeitos processuais não foram ouvidos sobre a questão da nulidade da acusação, o que veio a ser decidido.
31- Tratando-se, pois, de uma decisão final surpresa e errada.
32- O M. Juiz do tribunal recorrido violou o princípio do contraditório, consagrado no artigo 32°, n° 5 da CRP e artigos 301°, 327° e 338°, estes do CPP, aplicável também à fase da instrução.
33- Em terceiro lugar, o processado de instrução criminal está cheio de contradições e ziguezagues.
34- Ou seja, várias diligências realizadas (interrogatórios, ofício à segurança social, etc.) e, afinal, decide-se, sem aviso prévio, pela nulidade da acusação, coisa que não pode fazer, ex officio.
35- Mesmo sem admitir esta decisão recorrida, sempre se diria que o M. Juiz a proferir esta decisão, deveria tê-lo feito, logo no despacho liminar da instrução criminal, sem se entender a necessidade e a utilidade de diligências de instrução realizadas, chegando, inclusive, a existir uma SPP pedida pela defesa e aceite pelo Ministério Público.
36- Em quarto lugar, a acusação contem todos os elementos, objetivos e subjetivos do tipo de crime de fraude contra a segurança social.
37- Incluindo, o dolo específico.
38- Sobre esta questão, vide:
Valentina da Silva Santos, "A Fraude Contra a Segurança Social e os Crimes Tributários, em Especial o Problema do Concurso de Crimes Social", Dissertação de Mestrado na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Criminais apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Orientador: Mestre Susana Aires de Sousa, Coimbra, 2017, publicitado sm https://eg.uc.pt/bitstream/10316/84154/1/TESE%20FINAL %207.pdf. página 39.
39- Na verdade, pode ler-se na acusação:
"Agiu deliberadamente e em obediência ao mesmo desígnio, com intenção de fazer sua e de integrar no respetivo património as quantias em dinheiro que não pagou de prestações de segurança social, com base em faltas inexistentes das trabalhadoras, por falsamente declaradas, não obstante saber que aquela quantia de 53.060,80€ não lhe pertencia e que atuava contra a vontade dos donos.
Bem sabia que tinha o dever de entregar nos cofres da Segurança Social Portuguesa as quantias em dinheiro relativas às cotizações que não pagou, com fundamento em faltas inexistentes das suas trabalhadoras, pelo arguido declaradas. Agiu ainda livre e lucidamente, em nome e no interesse da sociedade, já extinta, a coberto de uma única resolução criminosa e com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei."
40- A intenção de obter uma vantagem patrimonial ilegítima ou de se apropriar é exatamente o mesmo.
41- O dolo não tem de ser uma reprodução integral e literal da lei.
42- A intenção (conseguida) do arguido, in casu, foi a de não pagar à segurança social, as quantias devidas e apuradas pela investigação criminal (mais de 50.000€).
43- E, assim, tanto se pode dizer que o arguido teve a intenção de obter uma vantagem patrimonial ilegítima ou que teve a intenção de se apropriar da quantia de mais de 50.000€, pertença da
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