Acórdão nº 1916/21.6T8OVR-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 24-10-2022

Data de Julgamento24 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão1916/21.6T8OVR-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1916/21.6T8OVR-A.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

EMBARGANTES: AA e BB, residentes na Rua ..., em Aveiro.
EMBARGADA: L..., S.À.R.L, com sede em ... Rue ... LUXEMBURGO.
Por via dos presentes embargos de executado, pretendem os embargantes ver extinta a execução contra si instaurada, mediante a alegação dos seguintes fundamentos:
- é nulo o contrato de consumo que fundamenta a livrança exequenda, posto de que do mesmo não foi fornecida cópia aos embargantes, razão pela qual este título foi preenchido abusivamente;
- o mútuo concedido aos embargantes, a ser devolvido em prestações, com juros, deixou de ser por estes cumprido em 30.8.2013, com vencimento de todas as prestações restantes, pelo que está prescrita a obrigação fundamental (art. 310.º als. e) e g) CC), como também o está a obrigação cambiária, como também estão prescritos os juros anteriores aos últimos cinco anos.

Opôs-se a embargada argumentando ter sido entregue aos mutuários um exemplar do contrato de mútuo; é verdade que o contrato se tornou incumprido desde 30.8.2018, razão pela qual se venceram todas as restantes prestações; não está prescrita a livrança, nos termos do art. 70.º LULL, considerando a data de vencimento da mesma (2.11.2021); não é aplicável aqui o disposto no art. 310.º al. e) CC, por se tratar de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, sendo de 20 anos o prazo de prescrição; de 5.6.2013 a 31.1.2019, foram efetuadas várias tentativas de acordo de pagamento, pelo que ocorreu reconhecimento da dívida, o que interrompeu a prescrição; a livrança não foi preenchida abusivamente porque o foi de acordo com prévio pacto de preenchimento, tendo os embargantes sido previamente notificados de que se iria proceder ao preenchimento e qual o valor em causa; mesmo que assim não fosse, quando muito, seria reduzido o valor nela inscrito.

Realizado julgamento, veio a ser proferido sentença, datada de 24.5.2022, a qual julgou procedentes os embargos e declarou extinta a execução.
Foram aí dados como provados os seguintes factos:
a) Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária, de 3 de Agosto de 2014, foi aprovada a aplicação de uma medida de resolução do Banco 1..., S.A., e na sequência da qual foi constituído o Banco 2..., S.A., tendo-se determinado a transferência para o mesmo, dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais sob gestão do Banco 1..., S.A. ao abrigo do disposto no artigo 145.º -G e artigo 145.º- H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, conjugado com o artigo 17.º -A da Lei Orgânica do Banco de Portugal;
b) Por contrato de cessão de créditos celebrado em 22 de Dezembro de 2018, o Banco 2..., S.A. cedeu à sociedade L..., S.À.R.L, os créditos que detinha sobre AA e BB, bem como todas as garantias e acessórios a eles inerentes;
c) A carteira de créditos objeto de cessão inclui o Contrato de Crédito ao Consumo n.º ..., correspondente ao ...;
d) Em 20 de fevereiro de 2008, o Banco 1..., S.A. celebrou um contrato de mútuo sob a forma de empréstimo bancário, ao qual foi internamente atribuído o n.º ..., com os Executados, ora Embargantes, BB e AA, no montante total de € 24.443,24 (vinte e quatro mil, quatrocentos e quarenta e três euros e vinte e quatro cêntimos), pelo prazo de 120 meses, conforme instrumento junto por cópia de fls. 15 e 15v’ destes autos, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos[1];
e) Para garantia e segurança do cumprimento das responsabilidades assumidas pelos Embargantes através daquele contrato, designadamente, capital, juros e demais encargos emergentes do referido contrato, os Embargantes apuseram pelo seu próprio punho as assinaturas que a eles são imputadas na face anterior da livrança dada à execução[2];
f) Mais acordaram quanto à mesma livrança que o montante e data de vencimento se encontram em branco “para que o Banco os fixe na data que julgar conveniente pelo montante que compreenderá o saldo em dívida, comissões, juros remuneratórios e de mora e outros encargos, completando assim o seu preenchimento”;
g) No momento da assinatura, não foi entregue aos Embargantes um exemplar do contrato mencionado na precedente alínea d) dos factos provados;
h) Os Executados não efetuaram o pagamento da prestação vencida em 30.08.2013, nem das subsequentes;
i) As cartas com os dizeres dos documentos juntos por cópia de fls. 16, 16v’, 17v’ e 18[3] destes autos foram recebidas pela Embargante mulher e o seu conteúdo é do conhecimento de ambos os Executados.

Desta sentença recorre a embargada, visando a sua revogação, com base em argumentos que assim concluiu:
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Contra-alegaram os embargantes, opondo-se à procedência do recurso cujo âmbito subsidiariamente ampliaram, ao abrigo do disposto no art. 636.º CPC, assim concluindo:
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Não foram apresentadas contra-alegações a esta ampliação do objeto do recurso.

Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, nºs 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica:
- Da fixação da matéria de facto.
- Da alegação do abuso de preenchimento do título executivo, da prescrição do direito cartular, do princípio dispositivo e da identificação do objeto do litígio.
- Da prescrição do direito subjacente à obrigação cartular.
- Da prescrição do direito cartular e do preenchimento abusivo da livrança.

FUNDAMENTAÇÃO
Os factos que interessam à decisão da causa são os fixados em primeira instância.
A recorrente alega, no ponto L) das conclusões, ter o facto dado como provado em g) merecido apoio em documento junto pelos embargantes, não com a petição inicial, mas posteriormente, sem que tenham justificado a apresentação tardia desse documento e sem que tenham sido condenados em multa.
Esta alegação é, a todos os títulos, inócua e impertinente.
Primeiro, se o que se pretendia era dar como não provado este facto, deveria essa finalidade ser concretizada em conclusões, sendo que apenas no art. 16.º do corpo alegatório é isso mencionado.
O art. 639.º, n.º 1, CPC, estipula que nas conclusões se indicam os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
Se se pretende alterar a matéria de facto, hão-de as conclusões de indicar quais os concretos pontos de facto incorretamente julgados, qual o sentido da decisão a tomar quanto a estes e qual a prova que impõe a decisão pretendida (art. 640.º CPC).
A al. L) das conclusões limita-se a consignar não concordar com a circunstância de se usar um documento, alegadamente extemporâneo, para se dar um facto como provado, o que é manifestamente insuficiente à luz do que acabámos de ver.
Além disso, é falso ter-se a sentença apoiado em qualquer documento para considerar este facto como provado.
Diz-se na motivação a este respeito o seguinte:
Para o enunciado constante na alínea g) dos factos provados, o Tribunal considera que não foi produzida prova, nem direta, nem indireta sobre a entrega aos Embargantes, no momento da assinatura, de um exemplar do contrato de crédito subjacente à emissão da livrança exequenda.
Com efeito, a testemunha arrolada pela Embargada, CC, apenas descreveu o procedimento que o banco habitualmente observa, mas desconhece o caso concreto.
Por conseguinte, presume-se que a falta de entrega do exemplar é imputável ao credor (cf. art. 7.º, n.º 4, do DL n.º 359/91, de 21/9, aplicável ao contrato em apreço).
Por outro lado, ainda que tivesse sido cumprido o ónus de impugnar a matéria de facto, vemos que a sentença julgou improcedente a arguição de nulidade do contrato-fundamento (o de mútuo) com base nesta circunstância, pelo que não assiste já ao embargado qualquer interesse em ver não provado este facto[4].
Com efeito, a introdução de alterações a tal matéria apenas se justifica se daí resultar um interesse da parte quanto à inversão do sentido final da decisão, por se tratar de factos que têm relevo principal ou acessório para confirmar ou infirmar a causa de pedir ou as exceções aduzidas, tendo em conta o quadro jurídico aplicável.
Esta conclusão, em si intuitiva e decorrente do simples bom senso, encontra respaldo na jurisprudência do STJ, nomeadamente no ac. de 23.01.2020, na Revista n.º 4172/16.4T8FNC.L1.S1, assim sumariado: “Quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC” ”.
Como dissemos, o tema da nulidade do negócio causal por via da falta de entrega de exemplar ao consumidor foi julgado a favor da recorrente e só voltou a ser incluído na equação pelos recorridos, a título subsidiário, na ampliação do objeto do recurso, não tendo sido apresentadas contra-alegações pela embargada.
É, pois, de manter a al. g).
Do mesmo modo, se não vê o que se pretende em N) e O), pois, mais uma vez, não se diz que factos pretendem ver-se dados como provados ou não provados e qual a prova concreta que os sustentaria (com indicação das passagens da gravação respetiva – 640.º, n.º 2 al. a) CPC).
A matéria de facto que importa à decisão é, assim, a fixada em primeira instância.

Fundamentos de Direito
Considerou a sentença incorrer “em preenchimento abusivo e culposo, no quadro do art. 10.º da LULL, o banco portador de
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