Acórdão nº 1915/19.8T9AMD.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-03-23

Ano2022
Número Acordão1915/19.8T9AMD.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Decisão proferida na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



Julgado em processo comum com intervenção do Tribunal Singular, o arguido JPF_____ foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 7 (sete) euros, no total de € 630 (seiscentos e trinta euros), a que correspondem subsidiariamente 60 (sessenta) dias de prisão; e na inibição temporária da faculdade de conduzir pelo período de 4 (quatro) meses, devendo proceder à entrega da sua carta de condução na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência;

Inconformado com tal decisão veio o arguido apresentar o presente recurso, que terminou com as seguintes conclusões:

1.Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu: "Assim, tendo em conta as circunstâncias supra referidas, bem como as exigências de prevenção quanto à prática de futuros crimes, o Tribunal considera adequado fixar a pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 7 (sete) euros, no total de €630 (seiscentos e trinta euros), a que correspondem subsidiariamente 60 (sessenta) dias de prisão. No âmbito do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a inibição da faculdade de conduzir não pode ser substituída por caução de boa conduta, nem tão pouco a execução da pena deve ser suspensa, por razões de prevenção geral. Assim, entende- se adequado condenar o arguido na pena acessória de 4 (quatro) meses de proibição de conduzir veículos com motor - artigo 69°, n° 1, alínea a) do Código Penal."
2.Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.° 6 do artigo 607.° do CPC, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho.
3.A retificação de erros pode ser efetuada por solicitação de qualquer das partes ou iniciativa do juiz, conforme decorre do disposto no art° 614° n.° 1 do CPC, donde não se apresenta relevante que previamente o julgador ausculte as partes (ou a parte) com vista ao cumprimento do princípio do contraditório, até porque, não se está perante qualquer questão que se apresente omissa de debate.
4.Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o Tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação; no presente caso o arguido, muito menos o assistente se vêm prejudicados a suas posições, caso a sentença venha a ser retificada.
5.A sentença deve ser retificada por simples despacho, pois revelando-se do contexto da factualidade dada como provada, da fundamentação expressa pelo Julgador a quo na sentença proferida, ocorre efetivamente, salvo melhor opinião por diferente entendimento, um erro involuntário, que se tem por manifesto, na parte decisória da sentença, e por isso pode e deve o mesmo ser corrigido, sugerindo-se a eliminação na mesma à alusão ao seguinte parágrafo No âmbito do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a inibição da faculdade de conduzir não pode ser substituída por caução de boa conduta, nem tão pouco a execução da pena deve ser suspensa, por razões de prevenção geral.
6.Mas ANDOU MAL O TRIBUNAL A QUO na decisão relativa à escolha e medida da pena.
7.São requisitos do tipo complexo do crime de ofensa à integridade física negligente: a violação do dever objetivo de cuidado; um resultado lesivo típico; a imputação objetiva desse resultado à conduta descuidada do agente; e o juízo de censurabilidade dessa conduta.
8.Para além de um nexo de causalidade natural, a imputação objetiva exige que o resultado seja objetivamente previsível por uma pessoa normal, colocada na mesma situação do agente.
9.A formulação do juízo de censurabilidade depende da capacidade pessoal do agente de reconhecer e observar o dever de cuidado e de prever o resultado e o concreto processo causal, sendo essa capacidade apreciada em função das faculdades ou qualidades que ao agente assistem.
10.Entendemos com o devido respeito que é muito que no caso em apreço o arguido não previu a possibilidade de, no circunstancialismo descrito na sentença (factos assentes), colidir com o veículo em que seguia o assistente, provocando, desse modo, lesões na sua integridade física, e por isso contrariamente ao invocado pelo Tribunal a quo entendemos que foi inconsciente a negligência com que o arguido atuou.
11.De qualquer modo à luz da factualidade provada, o Tribunal a quo concluiu que o arguido, no exercício da condução, violou o dever objetivo de cuidado,
12.Entendemos nós, que nem sequer representou o resultado, como tal, embora sem deixar de se atender que se verificou um acidente, e porque não se conseguiu prova cabal que demonstrasse que o assistente também contribuiu para a sua eclosão, julgamos mesmo que só por isso, foi o arguido condenado pela prática do crime de ofensa corporal, não obstante o resultado imputado à sua conduta negligente: tendo esta ofensa como fonte um único desvalor de ação, constituído pela violação do dever objetivo de cuidado, e por isso foi formulado um juízo de censura pelo seu comportamento negligente adotado, sendo que a produção das lesões, entendemos ainda não se poder enquadrar na direção de vontade do agente, por a não ter previsto.
13.PESE EMBORA SE ENTENDA QUE O ARGUIDO AQUI RECORRENTE NÃO REPRESENTOU SEQUER A POSSIBILIDADE DO EMBATE, o certo é que, por ausência de prova nesse sentido o arguido foi condenado considerando o Tribunal a quo verificados os pressupostos do ilícito negligente, isto porque concebeu que o acidente ficou a dever- se à sua negligência.
14.E perante tal ausência de prova vendo-se o arguido compelido a conformar-se com a condenação na prática do crime, NÃO PODE DE TODO CONFORMAR-SE COM A DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA QUE LHE FOI APLICADA:
15.Na operação de determinação da medida da pena, momento em que se realiza a Justiça na ordem dos factos e em que o próprio Direito se vem a concretizar no caso concreto, temos que partir do disposto nos art°s. 40°, 70° e 71° do Código Penal.
16.Assim, neste primeiro momento na escolha da pena (art. 70°CP) há que fazer apelo ao conceito da prevenção geral entendendo-a neste contexto. O direito penal visa a proteção de bens e valores fundamentais da comunidade social proporcionando as condições indispensáveis ao livre desenvolvimento e realização da personalidade ética.
17.Um dos pensamentos fundamentais do sistema punitivo consagrado no Código Penal, que é o da reação contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador - em especial, quando de curta duração - que deve presidir à execução das penas.
18.O Código Penal traça um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
19.Neste pressuposto, sempre que possível, deve dar-se preferência á aplicação de penas não detentivas, nos termos do disposto no art. 70.°, do CP que estipula que quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
20.O tribunal preferiu à aplicação de uma de multa uma vez que os pressupostos da sua aplicação estão verificados pena esta que se revela adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
21.Tal aplicação da pena de multa, depende de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade.
22.No que se refere à determinação em concreto da medida da pena, em conformidade com o disposto no artigo 71° n° 2 do Código Penal, atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, exemplificando aquele normativo alguns fatores concretos que relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.
23.Eram variadas as atenuantes a ter em consideração, nomeadamente o fato do arguido não ter antecedentes criminais, assim como desde logo o fato de ter colaborado para a descoberta da verdade, prestando declarações isentas e verdadeiras.
24.O arguido é pessoa considerada no seu meio familiar e profissional como um excelente pai, colega e trabalhador, está bem integrado, social, profissional, e familiarmente, reside com a esposa e dois filhos.
25.Apesar de não constar dos factos provados, mas sim dos autos, nomeadamente do relatório técnico do acidente, que à data do sinistro o arguido não tinha averbado no seu registo individual de condutor, qualquer infração rodoviária, ao contrário do assistente (cfr. fls 143) que consultado o sistema estratégico de informação em uso na polícia verificou-se ter estado envolvido em mais quatro acidentes de viação participado por aquela polícia.
26.Em benefício quanto personalidade e condições pessoais sociais e económicas do arguido, pode afirmar-se que o seu percurso decorreu sem problemas, tendo-se desenvolvido num ambiente normativo: frequentou a escola pelo menos até ao 9° ano, casou, teve dois filhos a quem proporcionou cursos superiores; é voluntário no Centro Nacional de Escutas de Portugal (escutismo católico português, como referiu a testemunha Arnaldo Simões); tem um enquadramento profissional estruturado, pois o acidente deu-se quando exercia a sua atividade sob as ordens e fiscalização da empresa para quem
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