Acórdão nº 19079/16.7T8PRT-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 20-04-2023

Data de Julgamento20 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão19079/16.7T8PRT-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 19079/16.7T8PRT-B.P1
(Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – J4)


Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1ª Adjunta: Deolinda Varão
2ª Adjunta: Isoleta Costa
*

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I AA deduziu, por apenso à Execução nº 19079/16.7T8PRT, do Juízo de Execução do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, oposição mediante embargos de executado contra a aí exequente BB.
Para além de impugnar o valor da causa, invocou inexistir título executivo e as excepções de litispendência e de ilegitimidade passiva, impugnando ainda a factualidade do requerimento executivo.
Tendo falecido a exequente/embargada, foram habilitados como seus herdeiros CC e DD, os quais contestaram (articulado de 05/07/2018), defendendo a manutenção do valor da causa, que existe título executivo (questão sobre a qual se pronunciaram nos artigos 9º a 18º da contestação) e que não ocorrem as invocadas excepções. Pedem ainda a condenação da embargante como litigante de má fé, em multa e indemnização.
A embargante respondeu, defendendo não existir litigância de má fé da sua parte.
Foram realizadas diligências com vista à fixação do valor da causa, tendo sido proferido despacho, em 01/07/2022, onde se manteve o valor inicial.
Nessa mesma data foi dispensada a realização da audiência prévia, “passando-se a proferir os despachos previstos nos arts. 595.º, n.º 1, e 596.º, n.º 1, do CPC”.
Foi elaborado despacho saneador, onde se julgaram improcedentes as excepções de litispendência e de ilegitimidade passiva e se conheceu do mérito da causa, por se entender que o estado dos autos o permitia, decidindo-se:
“Pelo exposto, considerando verificada a falta de válido título executivo contra a aqui executada/embargante, julgo procedentes os presentes embargos de executado, com a consequente e oportuna extinção da execução quanto à aqui executada/embargante.
Absolvo a aqui executada/embargante do respetivo pedido de condenação como litigante de má-fé.”.
Desta decisão vieram os embargados interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões (!), que se transcrevem:
«A) Os aqui Recorrentes não se conformam com a decisão recorrida, porquanto, o Tribunal a quo comete um erro na apreciação crítica da prova fática e, para além disso, erro crasso na aplicação do Direito;
B) Os Apelantes não concordam, nem tão pouco concebem qual o alcance e a razão de tal “inusitada” e perplexa decisão produzida nos presentes autos 6 (seis) anos após a instauração do processo executivo em 28-09-2016 e, ainda, subsequentemente aos Embargos de executada deduzidos em 23-03-2018;
C) A Decisão ora em crise apresenta-se NULA, constituindo manifestamente uma “decisão surpresa”, porquanto, além do mais, viola os princípios, nomeadamente, o da igualdade das partes (art. 4º, do CPC), do contraditório (art. 3º, nº 3, CPC) da prevalência da decisão de mérito (art. 6º, nº 2, CPC), do direito à tutela jurisdicional (art. 20, nº 1, CRP), do direito de acesso à justiça (art. 2º, CPC) pois a mesma desconsidera a aquisição processual de factos e, ainda, contraria a admissibilidade de prova requeridos pelas partes;
D) A decisão recorrida quando decide Dispensar a audiência prévia, viola o preceituado nos artigos 591º, nº 1, al. b), 592º, nº 1, al. b) e 593º, todos, do Código Processo Civil;
E) Igualmente, a Sentença em crise quando decide - “O Mérito da Causa” [V], viola quer o princípio da igualdade das partes (artigo 4º, do CPC), quer do princípio do contraditório (artigo 3º, nº 3, CPC);
F) A decisão em crise sem que para tanto desse cumprimento ao preceituado no artigo 3º, nº 3, do CPC, decide de mérito dos autos, desconsiderando toda a tramitação ocorrida nos autos principais (processo executivo) e nos autos de Embargos de executado, os quais, um e outro, vieram a ser tramitados ao longo de mais 6 (SEIS) ANOS;
G) Nos autos executivos, desde a data da sua instauração, em 28 de Setembro de 2016, até à data em que foi proferida a decisão em crise (01-07-2022), foram praticados 13 (treze) actos e despachos/decisões judiciais;
H) Nos presentes autos de Embargos de executado desde a data da sua instauração, em 23 de Abril de 2018, até à data em que foi proferida a decisão em crise (01-07-2022), foram praticados 30 (trinta) actos e proferidos doutos despachos/decisões judiciais;
I) O Tribunal a quo na sentença em crise decide conhecer do mérito da causa, alegadamente invocando não existir título executivo (falta de válido título executivo contra a aqui executada/embargante) e, ainda “erro procedimental e de competência”, sem que para tanto, às partes tenha sido dada a oportunidade de debater essas mesmas questões, ainda sem que tais questões tenham sido discutidas nos articulados ou sequer aflorada na tentativa de conciliação realizada 22-10-2019 ou, ainda, tenha sido dado oportunidade às partes de as discutir e abordar em sede de Audiência Prévia, atento o preceituado nos artigos 591º, nº 1, al. b), 592º, nº 1, al. b) e 593º, todos do Código Processo Civil;
J) A decisão recorrida não era, não podia, nem devia ser previsível para qualquer dos pleiteantes, atento TODOS os actos, despachos/decisões e diligências que ao longo de toda a ocorrida tramitação foram realizados nos autos executivos e - retenha-se -, em particular, no âmbito dos presentes autos de Embargos, ademais, a relativa à determinação oficiosa por parte do Tribunal para a realização de prova pericial (despacho de 21-04-2020);
K) Antes da prolação da decisão recorrida, o Mt. Juiz no âmbito das suas competências e atribuições, máxime (artigo 6º do CPC) fez tramitar os autos principais, fazendo-o ainda por várias vezes, nomeadamente com referência às sobreditas aludidas datas (06-11-2019; 21-04-2020; 06-10-2021; 24-01-2022 e 04-07-2022) em que nos mesmos autos, além do mais, prolatou os mais diversos Doutos despachos;
L) A omissão do convite às partes para tomarem posição sobre as questões SÒMENTE levantadas na sentença ora recorrida, gera NULIDADE da mesma, nos termos do artigo 615º, nº 1, al d), do Cód. Proc. Civil, por excesso e/ou omissão de pronúncia que aqui se invoca para todos efeitos legais;
M) A decisão ora em crise, da forma desconcertante e expedida como veio a ser proferida, sem conhecimento prévio das partes, constitui uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório (artº 3, nº 3, do CPC);
N) O princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, proíbe a prolação de decisões surpresa, mesmo que de conhecimento oficioso, e garante a participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão;
O) O princípio do contraditório, no plano das questões de direito, exige que antes da prolação da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie;
P) O princípio contraditório encontra raízes em princípios constitucionais como o direito de acesso ao direito e à justiça, o direito a um processo equitativo e justo, ainda, a tutela jurisdicional efectiva, estes que proíbem as situações de indefesa ou violações de princípios de igualdade ou proporcionalidade;
Q) Como bem tem sido decido pelo Tribunal Constitucional, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório. (Vide Acórdão 86/88 in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º volume, p. 741 e ss.);
R) A prolação de uma decisão judicial tem de ser o termo de um debate igual e entre as partes com efectiva possibilidade de pronúncia das mesmas quanto ao sentido que entendem dever ser o da decisão;
S) In casu, o Tribunal a quo de forma desconcertante, em total violação do princípio do contraditório, proferiu uma decisão surpresa, que é ilegal, e cometeu uma nulidade, pois omitiu a prática de actos a que lei obriga, com enorme impacto na decisão desta mesma causa. Neste sentido vide Acórdão do STJ de 13-10-2020, proc. 392/14.4T8CHV.G1.S1, in www.dgsi.pt – “ 1. A violação do princípio do contraditório do art. 3º, nº 3 do CPC dá origem não a uma nulidade processual nos termos do art. 195º do CPC, que origina a anulação do acórdão, mas a uma nulidade do próprio acórdão, por excesso de pronúncia, nos termos arts. 615º, nº 1, al. d), 666º, n.º 1, e 685º do mesmo diploma (…)”;
T) O Tribunal a quo não podia negar aos Exequentes/aqui recorrentes o direito de se pronunciarem sobre todas as questões suscitadas na decisão recorrida (falta de válido título executivo contra a aqui executada/embargante e, ainda “erro procedimental e de competência”), nomeadamente, convidando os mesmos a corrigir o seu articulado, nos termos dos artigos 6º, nº 2 e 590º, nº 3, do CPC;
U) O Tribunal a quo não só violou a norma do n.º 3, do artigo 3.º do Código de Processo Civil, como ainda praticou uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil;
V) Todos os sobreditos vícios estão cobertos pela própria sentença recorrida, sendo esta nula, desde logo, por excesso e/ou omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil;
W) In casu a decisão em crise violo[u] o princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa;
X) Decidido como se decidiu, o Mtº juiz do Tribunal a quo fez uma má interpretação do Direito, violando, nomeadamente os artigos 3.º, n.º 3, 608º, nº 2 e 615º, nº 1, al. d), todos, do
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