Acórdão nº 19/21.8PFPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-12

Ano2022
Número Acordão19/21.8PFPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc.nº19/21.8PFPRT.P1

X X X

Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No processo comum com intervenção de Tribunal singular do Juízo Local Criminal de Vila do Conde da Comarca do Porto, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, após o que foi proferida sentença decidindo-se nos seguintes termos:
Julgo a acusação pública de 90 e ss. procedente por provada e, em consequência:
ABSOLVO O ARGUIDO AA DA PRÁTICA, COMO AUTOR MATERIAL, DO CRIME DE VIOLÊNCIA DEPOIS DA SUBTRAÇÃO, previsto e punido pelos arts.210º, n.º 1 e 211º, e com referência ao art. 203º, do Código Penal, DE QUE VEM ACUSADO.
CONDENO O ARGUIDO AA PELA PRÁTICA, COMO AUTOR MATERIAL E NA FORMA CONSUMADA, DE UM CRIME DE FURTO SIMPLES, PREVISTO E PUNIDO PELO ART. 203º, N.º 1 DO CÓDIGO PENAL, NA PENA DE 9 (NOVE) MESES DE PRISÃO, SUSPENSOS NA SUA EXECUÇÃO POR 1 (UM) ANO”.
*
Não se conformando com o acórdão, o arguido AA veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação nos termos seguintes: (…) Através da presente motivação ao recurso da citada douta sentença nesta mesma data apresentado, irá (ou pelo menos irá tentar) o ora Recorrente, tendo por base toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento e constante dos autos, demonstrar o acerto das respectivas pretensões recursórias.
Senão vejamos:
Atenta a factualidade supra referida e atenta a mais recente jurisprudência dos nossos Venerandos Tribunais superiores entende o Recorrente que não poderá o mesmo ser condenado pela prática do crime de furto simples.
A tal propósito a própria douta sentença ora em crise refere a controvérsia que a questão em apreço reveste no sentido de que:
“Ora, no caso que curamos, o furto foi efetuado apenas pelo arguido, sendo que ocorreu num estabelecimento comercial (M...), durante o seu horário de abertura ao público (pelas 10h30m) e o arguido furtou coisas cujo valor ascendeu a €19,96. Por fim, verifica-se que os bens foram recuperados, sem qualquer dano, no seu estado original, podendo ser expostos novamente à venda.
No caso em apreço, não houve constituição como assistente, nem dedução de acusação particular.
Quid iuris?
Quanto a esta questão em apreciação duas soluções se configuram:
- ou considerar “desnecessária” a constituição de assistente e dedução de acusação particular, face à convolução operada (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 10/02/2021, disponível em www.dgsi.pt);
- ou considerar a necessidade de constituição de assistente e dedução de acusação particular (cfr. Acórdão da Relação do Évora de 25/10/2016, disponível em www.dgsi.pt).“ (sic).
A propósito, e em modesta mas convicta opinião do Recorrente, não pode vingar o entendimento do Tribunal recorrido.
Com efeito, certo é que no caso dos autos foi o Recorrente condenado pela prática de um crime de natureza particular sem que haja havido constituição de Assistente ao longo do processo por parte da Ofendida.
Deverá de tal modo o crime de furto simples, particular por natureza, ceder à míngua do cumprimento de certos e determinados pressupostos processuais para o efeito.
É que, como é certo e sabido, o crime pelo qual o Recorrente foi condenado tem natureza particular atendendo ao disposto no artº 203º nº1 do Cód. Penal.
E, a natureza do crime em questão faz depender o procedimento criminal da apresentação de queixa e de acusação particular.
Tal exercício do direito de queixa deverá ser exercido no prazo de 6 (seis) meses previsto no artº 115º nº 1 do Código Penal. Ora, sendo um dos princípios fundamentais do nosso processo penal o princípio da oficialidade, consagrado no artº 48º do citado diploma legal substantivo, cujo significado é o de que cabe ao Ministério Público a investigação da prática de infrações penais e, finda a investigação, deduzir ou não acusação. Tal mencionado princípio sofre, contudo, algumas restrições, designadamente, em função da natureza dos crimes - semipúblicos (artº 49º do Cód. Penal) ou particulares (artº 50º do Cód. Penal).
Quanto aos primeiros, o Ministério Público só pode promover o processo se o "ofendido" ou "outras pessoas" lhe derem conhecimento "do facto".
Quanto aos segundos, para que o Ministério Público possa desencadear a investigação é necessário que seja apresentada queixa, o queixoso se constitua assistente e, a seu tempo, deduza acusação particular – o que manifestamente não sucedeu no caso em apreço.
Quanto à forma da queixa, ensina Figueiredo Dias in “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime”, pág. 675, parágrafo 1086:
“tanto o C.P. como C.P.P. são omissos, devendo por isso entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por certo facto. (...)
Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substrato fáctico que descreve ou menciona.” (sic).
No caso dos autos, e como a própria douta sentença ora em crise bem refere, certo é que facilmente se constata inexistir qualquer queixa expressa apresentada pela Ofendida bem como e ainda (consequentemente) qualquer Acusação Particular pela mesma apresentada.
Inexistindo e não se verificando o cumprimento de tais formalismos, mostra-se o Ministério Público parte ilegítima para investigar e acusar o Arguido ora Recorrente, o que deve ser declarado e conhecido por este Tribunal superior.
De igual modo se mostra caducado o exercício para a Ofendida apresentar queixa pelos factos em apreço.
- EM CONCLUSÃO:
A) – ATRAVÉS DA APRESENTAÇÃO DA PRESENTE MOTIVAÇÃO AO RECURSO DA CITADA DOUTA SENTENÇA, O ORA RECORRENTE, TENDO POR BASE A CONDENAÇÃO APLICADA AO MESMO NO ÂMBITO DE CRIME PARTICULAR SEM A VERIFICAÇÃO DO EXERCÍCIO DE QUALQUER DIREITO DE QUEIXA POR PARTE DO OFENDIDA E POSTERIOR ACUSAÇÃO PARTICULAR PUGNA PELA RESPECTIVA ABSOLVIÇÃO;
B) – ABSOLVIÇÃO AQUELA QUE SE VERIFICA POR INEXISTÊNCIA DE QUALQUER LEGITIMIDADE AD CAUSAM POR PARTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA INVESTIGAR E DEDUZIR ACUSAÇÃO CONTRA O RECORRENTE;
C) – MOSTRA-SE EXTINTO O DIREITO DE QUEIXA A EXERCER PELA OFENDIDA NO PRAZO DE SEIS MESES – VIDE ARTº 115º E 116º DO CÓD.PENAL;
T E R M O S E M Q U E, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, DOUTAMENTE SUPRIRÃO, SE DEVE CONCEDER PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, CONSEQUENTEMENTE,
REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, ABSOLVENDO-SE O RECORRENTE PELA PRÁTICA DO CRIME DE QUE VEM CONDENADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA, COM O QUE SE FARÁ J U S T I Ç A.
*
O Ministério Público veio responder nos seguintes termos
Por douta sentença proferida nos autos foi o arguido AA absolvido da prática, como autor material, do crime de violência depois da subtração, previsto e punido pelos arts. 210º, n.º 1 e 211º, e com referência ao art. 203º, do Código Penal, de que vem acusado, e condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo art. 203º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensos na sua execução por 1 (um) ano. Não se conformando com aquela decisão de condenação veio o arguido interpor recurso em matéria de direito pugnando pela sua absolvição. De acordo com as Conclusões apresentadas que se transcrevem (…)”.
Assim reconduz-se a questão a apreciar à legitimidade do M.P por ausência de acusação particular relativamente ao crime pelo qual o arguido foi condenado, ou seja, a saber se o tribunal a quo, ao absolver o arguido do crime de violência depois da subtração, previsto e punido pelos arts. 210º, n.º 1 e 211º, e com referência ao art. 203º, do Código Penal, de que vem acusado, podia condená-lo pelo crime de furto simples, sem a ofendida ter exercido o direito de queixa, ter-se constituído assistente e ter deduzido acusação particular.
Entende o Recorrente, em sede de Motivação, que, atenta a factualidade dada como provada e a mais recente jurisprudência dos Tribunais superiores não poderá ser condenado pela prática do crime de furto simples, referindo que “ a própria douta sentença ora em crise refere a controvérsia que a questão em apreço reveste”. Conclui que , no caso dos autos “não pode vingar o entendimento do Tribunal recorrido” uma vez que foi condenado pela prática de um crime de natureza particular sem que tenha havido constituição de Assistente ao longo do processo por parte da Ofendida referindo que a natureza do crime em questão faz depender o procedimento criminal da apresentação de queixa e de acusação particular, direito de queixa a exercer no prazo de 6 (seis) meses previsto no artº 115º nº 1 do Código Penal. Invoca ainda os princípios fundamentais do processo penal vertidos no artº 48º do CPP e as restrições, em função da natureza dos crimes - semipúblicos (artº 49º do Cód. Penal) ou particulares (artº 50º do Cód. Penal) concluindo que : “Quanto aos segundos, para que o Ministério Público possa desencadear a investigação é necessário que seja apresentada queixa, o queixoso se constitua assistente e, a seu tempo, deduza acusação particular – o que manifestamente não sucedeu no caso em apreço.” Mais alega que “No caso dos autos, e como a própria douta sentença ora em crise bem refere, certo é que facilmente se constata inexistir qualquer queixa expressa apresentada pela Ofendida bem como e ainda (consequentemente) qualquer Acusação Particular pela mesma apresentada. Inexistindo e não se verificando o cumprimento de tais formalismos, mostra-se o Ministério Público parte ilegítima para investigar e acusar o Arguido ora Recorrente (…) De igual modo se mostra caducado o exercício para a Ofendida apresentar queixa pelos factos em apreço.”
* Vejamos se lhe assiste razão.
(…), nem sequer se pode afirmar que os direitos de
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