Acórdão nº 19/17.2T8HRT.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-06-01

Ano2023
Número Acordão19/17.2T8HRT.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:

I – RELATÓRIO

1FGP e esposa MSP, residentes na Rua …, e
VGP e esposa DAP, residentes na Rua …,
intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra:
- ERL, na qualidade de cabeça-de-casal da herança indivisa por óbito de JML,
deduzindo petitório no sentido da procedência da acção e, consequentemente:
1) A declaração de nulidade, por violação de vício da vontade, da parte da cláusula 2.ª do acordo realizado na ação 20/14.8TBHRT, na parte em que diz “41 cm abaixo do nível do parapeito do pátio da autora”;
2) Declarar-se que a aqui Ré em face dos elementos constantes no processo, não atuou segundo o princípio da boa fé a que estava obrigada ma celebração do acordo em causa, o qual sempre foi para demolição da obra dos ora autores nos 41 cm acima do nível do parapeito do pátio da autora;
3) Em alternativa, declarar-se o abuso de direito da Ré na exigência da demolição da construção dos Autores 41 cm abaixo do nível do parapeito do pátio daquela por além de não importar ofensa à servidão de vistas, em função das características estruturante de tal parede importa um encargo elevado.
Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte:
=> a Ré, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de JML intentou ação judicial contra os autores que correu termos sob o n.º 20/14.8TBHRT;
=> nessa ação, após realização de inspeção ao local, realizou-se audiência prévia, onde o mandatário dos ali Réus (aqui Autores) disse que os seus clientes estavam dispostos a demolir o seu prédio em 41 cm em cima do parapeito do muro do pátio da Autora até à distância de 1,5 m, o que foi aceite pela Autora (aqui Ré) e sua mandatária;
=> o ora Autor, ali Réu, FGP, optou por não entrar na sala de audiências, tendo o mandatário transmitido àquele o teor da proposta em causa, com o que concordou;
=> o mandatário dos então Réus, aqui Autores, transmitiu a concordância e a mandatária da ali Autora, e aqui Ré, ditou os termos do acordo para a acta;
=> no entanto, quando a mandatária da Ré, ali Autora, ditou o acordo, ditou “41 cm abaixo do parapeito do pátio da autora” em vez de “41 cm acima do nível do parapeito do pátio da autora” conforme acordado;
=> ora, resultou da inspeção ao local que a construção apenas ofendia a servidão de vistas em 41 cm, pelo que nunca poderiam os ali Réus, aqui Autores, serem condenados a baixar a construção em 82 cm, motivo pelo qual, também nunca aceitariam tal acordo;
=> os Réus, aqui Autores, só subscreveram o acordo em causa porque em face das medições recolhidas na inspeção ao local seriam sempre condenados em baixar o telhado 41 cm, mas acima do parapeito;
=> nem no momento em que o acordo foi ditado, nem em momento posterior, o mandatário dos Réus, aqui Autores, se apercebeu daquela redação conferida, contrária ao acordado;
=> deve, assim, ser considerado nulo o acordo na parte da 2.ª cláusula, por vício da vontade, devendo constar do mesmo “acima do nível do parapeito do pátio da autora”;
=> o cumprimento do acordo, tal como ficou a constar da acta, acarreta elevados prejuízos aos aqui Autores, constituindo abuso de direito por parte da Ré a exigência do seu cumprimento.
2 – Devidamente citada, a Ré apresentou contestação, por excepção e impugnação, alegando, em súmula, o seguinte:
-> invocando a excepção do caso julgado material, enuncia que os Autores pretendem com a presente ação obter o mesmo resultado e alterar o ponto dois do acordo firmado pelas partes em acta, homologado por sentença no âmbito do processo 20/14.8TBHRT, o que já efectivaram através de requerimento apresentado em juízo, em 31-08-2016;
-> e que lhes foi indeferido por despacho notificado em 25-11-2016;
-> assim, a pretensão dos autores já foi conhecida e indeferida, verificando-se caso julgado material;
-> invoca a caducidade do direito, uma vez que a 04-12-2015, data em que foi realizada a audiência prévia, ficou acordado entre as partes, o que foi homologada por sentença, que: “Os Réus obrigavam-se a baixar o telhado da edificação que construíram no seu prédio descrito na conservatória do registo predial sobre o artº 630 e inscrito na matriz sobre o art.º 863, 41 cm abaixo do nível do parapeito do pátio da Autora” ;
-> em agosto de 2016, a Autora, ora aqui Ré, após ter verificado que os Réus, ora aqui Autores, não cumpriram com o acordado judicialmente, interpelou os mesmos do motivo do seu incumprimento;
-> em 31-08-2016, os Réus, aqui Autores, e já decorrido o prazo de dez dias estatuído no artigo 451.º do Código de Processo Civil, para reclamar do teor da acta, apresentaram um requerimento ao Tribunal, onde referem que a acta do acordo contém um lapso material, porquanto na ótica dos mesmos o que constava na mesma era diferente daquilo que se pretendia dizer ;
-> em 06-09-2016, a aqui Ré, em obediência ao princípio do contraditório, deu entrada de um requerimento onde refere que os aqui Autores pretendiam uma alteração do acordo alcançado e não uma retificação de um erro material;
-> donde, sempre o incidente de falsidade da acta ora deduzido se mostra ferido de extemporaneidade;
-> por outro lado, a construção dos Autores não só ofendia a servidão de vistas da aqui Ré, ali Autora, como estava a menos de 1,5 do prédio da Ré;
-> sendo que o que ficou vertido na acta foi exatamente o acordo alcançado pelas partes aquando da realização da audiência prévia, o que cabia ao mandatário dos aqui Autores, ali Réus, transmitir corretamente ao seu constituinte;
-> se as partes não tivessem chegado a acordo nos moldes em que o fizeram, com o prosseguimento da ação, o mais provável seria a condenação dos ali Réus, aqui Autores, a demolir a obra, de forma a respeitar a distância de 1,5 m do prédio da ali Autora, aqui Ré, o que foi objeto de ponderação por parte da Ré aquando da negociação da transação judicial ;
-> assim, nunca houve troca propositada de palavras, sendo que o que foi ditado para a ata foi o acordo com o qual a então Autora, aqui Ré, concordava, nunca tendo concordado com outro, pois a Ré, enquanto Autora naquela ação, peticionava a demolição da obra;
-> a obra realizada continua a importunar o direito à servidão de vistas, não permitindo a vista que detinha até então sobre a avenida, não constituindo abuso de direito a exigência do cumprimento do acordo alcançado.
Conclui, peticionando a sua absolvição do pedido por procedência das exceções invocadas e, caso assim não se entenda, a sua absolvição, decorrente da não prova da acção, bem como a condenação dos Autores por litigância de má fé, por deduzirem pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar.
3 – Após a realização de audiência prévia – acta de fls. 46 – e de tentativa de conciliação – acta de fls. 67 -, em 04/06/2018 -. Cf., fls. 70 - foi efectuado o saneamento do processo, no qual:
* foi proferido saneador stricto sensu;
* foi fixado o valor da causa;
* foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova;
* foram apreciados os requerimentos probatórios;
* foi designada data para a realização da audiência de julgamento.
4 – Tal audiência veio a realizar-se conforme actas de 29/04/2019 – fls. 99 e 100 – e 18/06/2019 – fls. 126 a 132 -, tendo sido determinada a apensação a estes autos da ação 20/14.8TBHRT e da providência cautelar 300/13.0TBHRT.
5 – Por deliberação do Conselho Superior da Magistratura tomada no processo n.º 2020/DSQMJ/3308, os autos foram reafectados a outro magistrado judicial, o qual determinou a anulação do julgamento e que fosse aberta conclusão à magistrada titular do juízo a fim de designar data para realização da audiência de julgamento.
6 – Procedeu-se a nova realização de audiência de julgamento em 16/11/2021 e 24/03/2022.
7 – Posteriormente, em 29/07/2022, foi proferida sentença, traduzindo-se a Decisão nos seguintes termos:
VI. Decisão
Face ao exposto, decide julgar-se a ação improcedente, por não provada, e em consequência:
a) Absolver a ré ERL da totalidade dos pedidos formulados pelos autores.
b) Absolver os autores FGP, FSP, VGP e DAP do pedido de condenação em litigância de má fé. Custas na proporção do decaimento que se fixa em 90 % a cargo dos autores e 10 % a cargo da ré.
Valor da ação: 5.000,01€ (conforme fixado em despacho saneador)
*
Registe e notifique”.
8 – Inconformados com o decidido, os Autores interpuseram recurso de apelação, por referência à sentença prolatada.
Apresentaram, em conformidade, os Recorrentes as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem integralmente):
“1º. O Tribunal Recorrido, por um lado, julgou erradamente alguns dos factos em apreciação e por outro, aplicou deficientemente o direito aos factos, pelo que incorreu em evidente erro de julgamento.
2º. Dos factos não provados, os Recorrentes consideram que foram incorretamente julgados os factos não provados sobre as alíneas B, C, F, G e H.
3º. Consideram os Recorrentes que, na decisão sobre a matéria de facto o Tribunal “a quo” valorou deficientemente a prova produzida, estando inclusivamente alguns dos factos não provados em clara contradição com alguns dos factos provados.
4º. Com base:
A) No conteúdo dos factos provados sob os nºs 7, 10, 11,12, 15 e 16;
B) Declarações de parte do Autor FGP (audiência de julgamento de 16.01.2021 – vide respetiva ata – entre o minuto 02:10 a 17:45H – 20211116125636_12048941_3993029);
C) Depoimento do Sr. Eng.º RO (audiência de julgamento de 16.01.2021 – vide respetiva ata - 20211116154109_12048941_3993029) – minuto 02:00 a 4:00 e minuto 04:25 a 14:25;
D) Depoimento do Dr. RM (audiência de julgamento de 16.01.2021 – vide respetiva ata - 20211116162722_12048941_3993029) - minuto 04:03 a 08:15;
E) Depoimento da Testemunha Dra. CL (mandatária da Autora, aqui Ré no processo 20/14.8TBHRT e filha daquela), que aliás revelou um testemunho pouco claro e com interesse
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