Acórdão nº 188/17.1T8VFC.L2-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 07-03-2024

Data de Julgamento07 Março 2024
Ano2024
Número Acordão188/17.1T8VFC.L2-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM NA OITAVA SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – Relatório
Estão pendentes no Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, os presentes autos de expropriação por utilidade pública em que são expropriantes a R… e E…, sendo expropriados A... e B....
No dia 4/6/2023, foi proferida a decisão recorrida que considerou, que estando perante a constituição de uma servidão administrativa, a “sua constituição só dá lugar a indemnização, não se encontrando prevista a expropriação total dos imóveis objeto de servidão (aliás, o próprio conceito de servidão a exclui e com ela é incompatível). Considerando, ainda que os expropriados entendem que a desvalorização dos seus prédios é total “pelo que devem os mesmos ser totalmente expropriados e atribuída uma indemnização nos termos do Código das Expropriações (consistindo o pedido principal e o pedido subsidiário em valores distintos consoante se entenda que o solo dos prédios em causa sejam classificados como aptos para construção ou para outros fins, mas assumindo sempre como premissa principal a expropriação total de ambos)” e não podendo “o Tribunal convolar os pedidos expressamente formulados pelos Recorrentes de expropriação total num pedido de reapreciação da decisão arbitral quando não foi isso o expressamente peticionado e quando nem sequer foram alegadas as concretas razões da discordância da não atribuição de qualquer indemnização na decisão arbitral proferida (ao contrário do alegado no requerimento datado de 09/05/2023 pelos Recorrentes), entendeu que “a pretensão dos Recorrentes não merece qualquer acolhimento, atenta a manifesta improcedência do pedido principal e subsidiário formulados, por falta de fundamento fáctico e legal”.
Terminou com o seguinte dispositivo:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, designadamente por falta de fundamento fáctico e legal, julgo improcedente o recurso apresentado.
Condeno os Recorrentes no pagamento das custas da presente ação.
Mantenho a fixação do valor da causa e a dispensa do pagamento final da taxa de justiça nos termos e pelos fundamentos exarados na sentença datada de 10/04/2021, que aqui dou integralmente por reproduzidos.
Registe e notifique”.
Inconformados com esta decisão, os expropriados dela interpuseram recurso e formularam, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“A) O pedido que é feito nos autos é muito simples e compreensível: pede-se a alteração da indemnização: “Vêm, nos termos dos artigos 42º do Decreto-Lei 43335, de 19 de Novembro de 1960, 8º da Lei 2063, de 3 de Junho de 1953, e 38º nº 3 do Código das Expropriações, apresentar recurso de arbitragem”. Aliás,
B) O recurso de arbitragem é por si próprio o pedido de alteração da indemnização, tal como o divórcio se destina à separação dos conjugues e a impugnação pauliana à ineficácia de determinado negócio em relação ao credor, mesmo que se peçam mais umas miudezas nesses respectivos Processos;
C) Tal como os artigos invocados correspondem a esse pedido – alteração de indemnização…
D) Tal como no final, ou conclusão, se pede expressamente: “revogando-se a recorrida última peritagem, (…), deve a indemnização ser fixada nos seguintes termos”, sendo certo que tudo o que está entre vírgulas é uma oração subordinada, não a principal, ou seja, juntamente com a alteração da indemnização a que se destina este Processo, “ordenando-se a expropriação total, a qual aqui se requer e apenas mediante o pagamento do valor abaixo indicado”, ou seja, o valor total que consta do n.º 1 do pedido final, o qual não sendo possível, nessas condições pedidas, é então substituído pelo pedido principal e normal destes autos (indemnização);
E) O presente Recurso foi admitido por douto Despacho de 05.07.2019, pelo que essa questão ficou aí resolvida e ninguém dela recorreu; por Despachos de 26.09.2019 e de 17.10.2019, afirmou ter entendido os dois pedidos; sendo assim inadmissível a sua alteração, nos termos do art.º 672º do CPC (caso julgado formal);
F) Assim como este Venerando Tribunal da Relação, no seu douto Acórdão de 18.11.2021, ao mandar repetir a Perícia, aceitou plenamente o pedido feito;
G) A causa de pedir é a invasão do prédio dos Recorrentes por uma linha de altíssima tensão e o pedido é uma indemnização em dinheiro, para ressarcir a desvalorização devidamente alegada (impossibilidade de construir, desvalorização da produção e alto risco para a saúde pela existência das linhas no prédio), sendo que toda a construção jurídica nada tem a ver com isso, nem sujeito o Julgador;
H) Os factos locais são as linhas, sobejamente provadas, e os factos públicos e notórios são os seus malefícios, cuja prova é de conhecimento científico e foi invocada com os Acórdãos citados no Requerimento Inicial deste Recurso de Arbitragem);
I) Salvo melhor opinião, o instituto jurídico da expropriação total é aplicável às servidões administrativas, elas próprias consideradas “expropriações de sacrifício”, sempre que as razões sejam as mesmas que estão consagradas para as expropriações, nos termos dos art.º 8º n.º 3, e isso, diga-se, nem é contraditório com o conceito de servidão, do mesmo modo que a expropriação de uma parcela não é contraditória com a expropriação de outra que não se pretendia expropriar, pois que a servidão deixa de o ser quando pela inutilidade que gera ao prédio passa a ser uma integral ocupação em vez de uma mera serventia. É o que se tem entendido e bem, pela Jurisprudência, no caso das linhas de alta tensão (desde o Acórdão de 5 de Junho de 2001 do Tribunal da Relação do Porto até ao Acórdão de 16 de Novembro de 2010 do Tribunal da Relação de Lisboa - onde se inserem os referidos estudos, os quais estão publicados e são de conhecimento geral).
J) Foram assim violados, entre outros, os artigos 42º do Decreto-Lei 43335, de 19 de Novembro de 1960, 8º da Lei 2063, de 3 de Junho de 1953, 8º n.º 3, 38 n.º 3, 55º e 58º do CE e 412º, 554º, 555º, 609º n.º 1 e 620º do CPC.
Nestes termos, e nos melhores de direito que este Venerando Tribunal doutamente suprirá, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser, a douta Sentença de que ora se recorre, revogada e, nos termos do art.º 665º n.º 2 do CPC, substituída por outra, a proferir por este Venerando Tribunal, a qual ao menos mantenha o já decidido na douta Sentença de 10.04.2021, uma vez que a única questão aí posta em causa por este Venerando Tribunal – confirmação da Perícia à data da declaração de expropriação - ficou sanada e confirmada”.
*
A expropriante E... apresentou as suas contra-alegações, com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“1. Sendo a entidade beneficiária da constituição da servidão administrativa a concessionária do transporte e distribuição de energia elétrica para a R, por contrato de concessão outorgado em respeito pela Resolução n.º…, publicada no Jornal Oficial, I Série, n.º…, em regime de serviço público, tem o direito de atravessar prédios com linhas aéreas e montar nestes os respetivos apoios;
2. De acordo com o art.º 51º nº 2 do DL 43335 de 19/11/60, a E…, tem o direito, a atravessar prédios particulares com canais, condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios, sempre que isso se mostre necessário ao cumprimento das suas funções. Daqui decorre que beneficia do direito de servidão administrativa - encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 1052);
3. Encontra resguardo no art.º 8º nº 3, do Código das Expropriações, que “à constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código, com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial”. Em matéria de constituição de servidões administrativas de linhas elétricas regem os DLs nº 172/2006, de 23.08, nº 29/2006, de 15.02, e nº 43335, de 19/11/60;
4. O artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 43335, de 19/11/1960, na redação em vigor resultante da Lei n.º 30/2006, de 11/07, dispõe o seguinte: “Os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas elétricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”. Ou seja, ao contrário daquilo que entendem os recorrentes, não se trata de um processo de expropriação, mas de mera aplicação do regime do Código das Expropriações relativa à fixação do montante da indemnização a atribuir;
5. Entender-se o seu contrário e concluindo-se pela total desvalorização dos prédios e, concomitantemente, pela expropriação total, é, salvo o devido respeito, desprovido de qualquer fundamento jurídico, razão pela qual a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, devendo manter-se nos seus precisos termos.
Vossas Excelências farão a habitual JUSTIÇA”.
*
O recurso dos expropriados foi admitido, com efeito meramente devolutivo, nos termos dos art.ºs 38º, nº 1 e 3, 52º, nº 1 e 58º, todos do CE.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões dos recorrentes – art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber:
- se podia o tribunal recorrido, nesta fase processual, conhecer da “manifesta improcedência do pedido principal e subsidiário formulados, por falta de fundamento fáctico e legal”;
- se o pedido formulado pelos expropriados no recurso de arbitragem no sentido de serem
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