Acórdão nº 1875/20.2T8OAZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-03

Data de Julgamento03 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão1875/20.2T8OAZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Procº nº 1875/20.2T8OAZ.P1

Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1286)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório

Na presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho mortal de que foi vítima AA, frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, a A., BB, apresentou petição inicial contra a Ré, L..., SA – Sucursal em Portugal, pedindo a condenação desta no pagamento das seguintes prestações:
I – Uma pensão anual e vitalícia no montante de €2.667,00 Euros, até perfazer a idade de reforma por velhice e de €3.556,00 Euros, a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, pensão essa actualizável, devida a partir de 19-06-2020, correspondente, respectivamente, a 30,00% e a 40,00% da retribuição anual ilíquida de €8.980,00 Euros, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 56º, 57º n.º 1 al. a) e 59º n.º 1 al. a) do Decreto-lei n.º 98/2009;
II – A quantia de €1.650,00 Euros, referente a despesas de funeral, importância essa equivalente, já que houve trasladação de cadáver, a oito vezes o valor de 1,1IAS, em concordância com o preceituado no artigo 66º n.ºs 2 e 4 do mesmo diploma legal;
III – A quantia de €20,00 Euros, relativa às supracitadas despesas de transporte, em conformidade com o prescrito no artigo 39º n.º 6 ainda do mesmo diploma;
IV – A quantia de €5.792,28 Euros, respeitante a subsídio por morte, correspondente a 12 vezes o valor de 1,1IAS à data da morte, nos termos do artigo 65º n.º 2 al. a) do mesmo diploma legal;
V – Os juros de mora respeitantes a todas as sobreditas prestações, à taxa legal (4%), contados a partir do seu vencimento e até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou em síntese que contraiu matrimónio com o sinistrado, o qual foi vítima do acidente de trabalho que invoca e do qual lhe resultou a morte, pelo que tem direito às prestações pedidas. Apesar do andaime não preencher todos os requisitos legais, o acidente não ocorreu por força das infracções existentes. Acresce que o sinistrado tinha 61 anos, pouca escolaridade e respeitava as regras de segurança dentro do seu discernimento, não tendo capacidade suficiente para tomar consciência de todas as regras de segurança impostas, fazendo-o de acordo com os conhecimentos que foi adquirindo ao longo do tempo na sua experiência profissional. O acidente ocorreu quando o sinistrado estava a içar um balde de massa, tendo-se desequilibrado, não tendo havido negligência grosseira.

Contestou a Ré alegando, em síntese, que o acidente ocorreu por violação grosseira das regras de segurança por parte do sinistrado, que era trabalhador independente e sobre quem impendia a obrigação de garantia das condições de segurança, pois o andaime não cumpria as regras de segurança, apresentava-se em fraco estado de conservação, com desadequado travamento ao solo, as tábuas de madeira tinham fendas nas extremidades, apresentavam fragilidades nos apoios à estrutura metálica e tinham largura insuficiente, não tinham guarda-corpos, nem rodapé ou escadas interiores e o sinistrado não usava equipamento individual de segurança, designadamente arnês e corda; o sinistrado sabia perfeitamente que o andaime que instalou não cumpria as prescrições mínimas de segurança e de saúde no trabalho, designadamente as estabelecidas nos artigos 40.º, 41.º e 42.º no Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 41821/58, de 11 de Agosto, no artigo 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril e ainda, no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho, entre outras; caso tivesse tido o cuidado e diligência de instalar um andaime que obedecesse às prescrições mínimas de segurança, dotando-o de barreiras de protecção, como guarda-corpos, ou fizesse uso de arnês e corda, o acidente dos autos, simplesmente não teria ocorrido. Assim, o acidente encontra-se descaracterizado, não sendo indemnizável, nos termos do disposto nas als. a) e b) do nº 1 e n.º 2 e 3 do Art.º 14º da Lei 98/2009, de 04 de Setembro.

Saneados os autos, delimitados os temas de prova e realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
“Julgo procedente a ação e, em consequência, declaro que a autora é beneficiária, por morte do sinistrado AA em acidente de trabalho ocorrido em 18 de junho de 2020 e, por via disso:
Condeno a ré L..., SA – Sucursal em Portugal, no pagamento das seguintes prestações:
O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de €2.667, com o acréscimo relativo ao montante de €889, relativo a uma pensão anual e vitalícia de €3.556 devida a partir do momento em que alcançar a idade de reforma por velhice ou do momento em que se verifique uma situação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, caso não se tenha extinto o direito, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 19 de junho de 2020 até integral pagamento;
A quantia de €1.650, referente a despesas de funeral, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral pagamento;
A quantia de €20, a título de despesas de transporte, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte à tentativa de conciliação até integral pagamento; e
A quantia de €5.792,28, respeitante a subsídio por morte, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia 19 de junho de 2020 até integral pagamento.
Custas pela ré.
Valor da causa: €43.586,79.”

Inconformada, a Ré recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
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NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE ABSOLVER-SE A RÉ DOS PEDIDOS FORMULADOS PELA AUTORA, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
Foram violados os seguintes preceitos legais:
Artigo 342.º n. º1 do Código Civil, artigos 18.º, n.º 3 do artigo 79.º da LAT, artigo 36.º, 37.º, 40 e 41.º do DL. n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, artigo 10.º do Decreto n.º 41821/58, de 11 de Agosto, artigo 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, al. f) do n.º 1 do artigo 4.º da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes.”.

A Recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
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TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO, O DOUTO RECURSO NÃO MERECE PROVIMENTO, DEVENDO MANTER-SE A DECISÃO RECORRIDA.”

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

Na 1ª instância foi proferida a seguinte decisão da matéria de facto:
“1. Factos provados:
1. A Autora contraiu casamento com o sinistrado, AA, em 22 de Agosto de 1982 e viveu em comunhão de cama, mesa e habitação com o mesmo até à data da sua morte, sendo que o mesmo não tinha ascendentes a seu cargo.
2. O sinistrado, marido da Autora, era trabalhador independente, dedicando-se à prestação de serviços de construção civil.
3. O sinistrado nasceu a .../.../1959.
4. A Ré dedica-se à actividade seguradora.
5. No dia 18 de Junho de 2020, pelas das 15:30, na Rua ..., em ..., o sinistrado foi vítima de um acidente ocorrido no exercício da sua actividade de prestador de serviços de construção civil.
6. À data do acidente, o sinistrado, marido da Autora, tinha celebrado com a Ré um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de trabalhador independente, titulado pela apólice n.º ..., mediante o qual havia transferido para esta a responsabilidade emergente dos acidentes de trabalho por si sofridos no exercício da sua actividade profissional, pela retribuição anual ilíquida de €8.890,00 Euros (€635,00 x 14 meses).
7. O sinistrado e o irmão deste, CC, haviam sido contratados verbalmente por DD, administradora do condomínio, para executarem obras de aplicação de capoto, massas e pinturas nas paredes exteriores do edifício sito na Rua ..., em ....
8. No dia e hora do acidente, o sinistrado, marido da Autora, estava a proceder à aplicação de massas na parede exterior das traseiras do referido prédio habitacional.
9. O sinistrado encontrava-se a trabalhar num andaime, na segunda adamada, da parte de cima, junto à marquise entre o 1º e o ... andar. 10. O andaime não tinha guarda-corpos, nem rodapés, nem estava devidamente preenchido (por não ter pranchas mas sim tábuas de madeira) e não possuía escadas interiores que permitissem o acesso entre patamares,
11. O sinistrado era empresário em nome individual, com actividade aberta desde 2 de Abril de 1990.
12. Não existia ficha de segurança para os trabalhos que ali decorriam.
13. O sinistrado e o seu irmão não tinham formação em segurança e saúde no trabalho, nem em montagem e/ou desmontagem de andaimes.
14. O sinistrado encontrava-se a trabalhar num lanço de parede na zona da marquise e necessitou de um balde de massa para o que o pediu ao seu irmão, ali seu colega de trabalho, que se encontrava ao solo.
15. O acidente deu-se na manobra que consistiu em içar o balde de massa que se encontrava atado a uma corda, tendo-se o sinistrado, nesse momento, debruçado sobre a cruzeta do andaime, desequilibrado e sofrido a queda em altura, pela parte exterior do referido andaime, de uma altura de 5 metros, que se revelou mortal
16. Como consequência directa e necessária do acidente, o marido da Autora sofreu violento traumatismo com lesões traumáticas craniomeningeas, raquimedulares e tóracicas, as quais, directa e necessariamente, lhe provocaram a morte.
17. Realizada
...

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