Acórdão nº 18682/21.8T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-03-14

Data de Julgamento14 Março 2023
Ano2023
Número Acordão18682/21.8T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROCESSO N.º 18682/21.8T8PRT.P1
[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto - Juiz 1]

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunto: Alberto Taveira
Adjunta: Maria da Luz Seabra

SUMÁRIO:
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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.
RELATÓRIO
1.
A..., LDA. intentou a presente ação declarativa de condenação em processo comum contra B..., S. A.
Alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de seguro que previa o pagamento dos prejuízos sofridos em virtude de “danos por água”, sendo que, não obstante o teor da apólice - onde apenas se refere, como local de risco, uma das frações onde exerce a sua atividade no edifício em causa -, tal seguro visava todas as frações onde essa atividade é exercida; no dia indicado na petição ocorreu uma inundação numa das frações onde se situa a clínica por si explorada, tendo daí advindo danos: i) para as paredes e tetos de outras frações também ocupadas na atividade da clínica; ii) para materiais/produtos existentes nessas frações; e iii) para as partes comuns do edifício onde as frações se situam, bem como para uma loja situada nesse mesmo edifício, explorada por entidade terceira.
Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe o montante de 7.635,51€, correspondente ao que despendeu na reparação dos alegados danos, acrescida de juros de mora à taxa legal.
2.
A contestou, admitindo a celebração do contrato de seguro em causa, mas rejeitando a obrigação de indemnizar.
Para tanto, invocou que os danos alegados pela Autora não se encontram cobertos pelo referido seguro, desde logo porque se verificaram em frações que não se encontram incluídas no local de risco previsto no contrato; e os danos alegados verificaram-se no “Edifício”, sendo que o seguro em causa só garante os danos causados no “Conteúdo”, ou seja, nos bens existentes no interior do edifício.
3.
Respondeu o Autor, pugnando pela improcedência da matéria de exceção.
4.
Foi prolatado despacho saneador que julgou válida e regular a instância, com dispensa de indicação do objeto do litígio e da seleção dos temas da prova
5.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi prolatada sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:
[Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente, mais absolvendo a R. “B..., SA” do pedido formulado pela A. “A..., Lda.”.
Porque integralmente vencida, as custas ficam a cargo da A. (art. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).]
6.
Inconformada com a sentença, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
1.ª – A decisão em recurso é profundamente incorreta e injusta, tendo o Tribunal recorrido feito uma incorreta valoração da prova.
2.ª – Da prova produzida em sede de inquirição de testemunhas resulta que a Recorrente pretendia incluir no contrato de seguro danos ocorridos no edifício.
3.ª – Tendo a testemunha AA, que demonstrou um cabal conhecimento dos factos e de toda o processo negocial, sido inequívoca quanto à motivação da contratação do seguro e do que se pretendia nele incluir.
4.ª – Em face do regime aplicável às CCG, incumbia à Ré comunicar o teor das cláusulas constante do contrato, não o fazendo tais cláusulas são excluídas do contrato.
5.ª – Era ónus da Ré fazer prova da comunicação das CCG, o que não fez, como tal deverá ser desconsiderada a cláusula de exclusão de cobertura do edifício.
6.ª – A lógica impõe que uma vez reconhecida a ocorrência de uma inundação, tal produza danos.
7.ª – A prova do valor despendido na reparação dos danos é aferida não só através dos depoimentos das testemunhas, mas também pela prova documental junta aos autos, devendo para formação da convicção do tribunal serem ambas confrontadas.
8.ª – A Ré deve ser condenada ao pagamento da quantia de €7.634,51 à Recorrida, acrescida de juros contados a partir de um mês desde a ocorrência do sinistro.
7.
Contra-alegou a Ré, pugnando pela improcedência do recurso.
II.
OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões da Apelante, o que importa apreciar e decidir nesta instância de recurso é:
a) Se se justifica a modificação da decisão recorrida em matéria de facto, em termos de se julgar provado o que a 1.ª instância afirmou como não provado; e
b) No caso de modificação da matéria de facto, se se justifica a alteração da solução jurídica alcançada pela 1.ª instância, a ponto de se conceder à Recorrente a almejada indemnização por danos fundada em contrato de seguro.
III.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
Os factos
1.1.
Factos provados
O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
1 – Entre A. e R. foi celebrado o contrato de seguro com a apólice nº ..., denominado “Multirriscos Empresas”, com início de vigência em 2.5.2016, anualmente renovado.
2 – No referido contrato foram incluídas, além do mais, as coberturas “Danos por água” e “Responsabilidade Civil”.
3 – Consta das Condições Gerais, na parte relativa às “Coberturas facultativas”, além do mais, o seguinte:
“4. Danos por água
4.1 – Garante os danos, provocados por água, de carácter súbito ou imprevisto, causado aos bens seguros, em consequência de:
a) rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interior de distribuição de água e esgotos do edifício, incluindo nestes os sistemas de esgotos de águas pluviais, assim como dos aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água e esgotos do edifício e respectivas
ligações (…)”
(…)
17. Responsabilidade Civil Extracontratual
17.1 - Garante o pagamento de indemnizações que, a título de responsabilidade civil extracontratual e até a limite fixado nas Condições Particulares, posa ser exigido ao segurado, por danos corporais ou materiais causados a terceiros, devido a um facto fortuito, imprevisível e acidental originado pela exploração normal do estabelecimento seguro, ocorrido no local de risco indicado nas “Condições Particulares.
(…)
Cláusula 34º - Capital seguro das Coberturas facultativas
(…)
2 – Seguro de imóveis
(…)
Entende-se por imóvel o Edifício, bem como todos os componentes móveis materialmente ligados, com carácter de permanecia, ao mesmo.
3 – Seguro de mobiliário ou recheio
(…)”.
4 – Consta da “Condição Especial 125”, denominada “Responsabilidade Civil proprietário de imóvel”, o seguinte
“Âmbito
a) Nos termos desta condição especial, o contrato garante a responsabilidade civil extracontratual (…) pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros na qualidade de proprietário do edifício ou fracção segura (…)”, aqui incluindo “os danos causados por instalações internas de água, electricidade, esgotos, iluminação e climatização do imóvel”.
5 – Consta dessa apólice que os “locais de risco” seriam os seguintes:
“- ...: Av. ..., nº ..., 1º esq., ..., Porto / Capital Recheio: 270.000 €;
- ...: Rua ..., ..., ... Porto / Capital Recheio 30.000 €”.
6 – Consta dessa apólice que o objeto seguro era o “conteúdo” dos mencionados locais de risco.
7 – Na proposta de seguro junta como doc. 11 à petição não foi assinalado, no campo referente ao “Objecto seguro”, a opção relativa a “Edifício”.
8 – Na proposta de seguro junta como doc nº 11 à petição consta, como capital do “Conteúdo”, o montante de 300.000 €.
9 – Na proposta de seguro junta como doc nº 11 à petição consta, como “Descrição dos Conteúdos”, o seguinte:
“- Máquinas e equipamentos: 200.000 €;
- Mercadorias: 10.000 €;
- Mobiliário e Eq. Escritório: 50.000 €;
- Outros: 40.000 €”.
10 – Na proposta de seguro junta como doc. nº 11 à petição consta, como “capital do seguro” das “coberturas base”, na parte referente ao “Edifício”, o sinal “-”.
11 – Quando da sua celebração, A. e R. quiseram incluir no contrato de seguro referido em 1), como “locais de risco”, não só a fração sita na Av. ..., nº ..., 1.º andar esquerdo, mas também as frações desse prédio situadas no 1.º andar direito, no 2.º andar esquerdo e no 2.º andar direito do nº ..., bem como a fração situada no rés-do-chão do nº ... e a fração situada no 1.º andar do nº ....
12 – No dia 16 de abril de 2020, por volta das nove horas da manhã, ocorreu uma inundação nas instalações da Autora sitas no 2.º andar direito do prédio sito na Avenida ..., ....
13 – A inundação deveu-se a uma rutura da “bicha” de ligação de água à sanita do “wc” de serviço da entrada.
14 – Face a este acontecimento, foi participado o sinistro à Ré, através do doc. nº 4 junto à petição, para que esta procedesse à respetiva cobertura.
15 – A Ré respondeu à A. através de missiva datada de 18 de junho de 2020, junta como doc. nº 5 à petição, e na qual referiu que não se iria responsabilizar pelo sinistro ocorrido pois “[…] o sinistro ocorreu nas instalações da Avenida ..., ..., 2º Drtº - Porto, local não referido e/ou descrito na apólice”, e porque “[…] a causa do sinistro teve origem num equipamento/instalação de abastecimento de água […],benfeitoria executada pela segurada, não tendo a apólice accionada capital/verba segura para Edifício/Benfeitorias”.
16 – A referida inundação provocou danos nas paredes e tetos das frações sitas nos 1.º e 2.º andares do nº ....
17 – Na reparação desses danos, designadamente, em serviços de limpeza, pinturas e material, a A. despendeu 2.829,00 €.
1.2.
Factos não provados
O Tribunal de que vem o recurso julgou não provado:
1 – A. e R. quiseram incluir no objeto seguro do referido contrato de seguro o “Edifício”.
2 – A referida inundação provocou danos nos seguintes produtos da A.:
A) Cabos H05 FVV 2x1.5 (25
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