Acórdão nº 1827/21.5T8ACB-D.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-11-07

Ano2023
Número Acordão1827/21.5T8ACB-D.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

executado na execução para prestação de facto, fundada em decisão judicial condenatória, movida contra si – e contra outro – por BB, também com os sinais dos autos,

arguiu a nulidade da sua citação, mediante requerimento de 13/06/2022, onde concluiu assim:

«Nestes termos e nos melhores de direito (…), invoca-se os termos do artigo 225.º/5 conjugado com o artigo 191 º do CPC, que a citação é nula, uma vez que a mandatária não tem poderes especiais para receber citações, pelo que deverá ser revogado e declarado nulo todo o processado, inclusive no que se possa ter verificado/ocorrido posterior à tentada citação.

Mais se requer que V. Ex.ª se digne mandar citar pessoalmente o executado, para a sua morada já bem identificada pela sua mandatária conforme requerimento junto aos autos.».

Defendeu, para tanto, que:

- o Agente de Execução (doravante, AE) enviou comunicação à mandatária do Executado para citação deste, sendo que dos autos apenas consta procuração forense com poderes gerais, razão pela qual o mesmo Executado não pode ser citado na pessoa da mandatária, com a decorrente nulidade da citação e do processado posterior;

- a arguição de tal nulidade é tempestiva, por ocorrer aquando da primeira intervenção daquele Executado nos autos;

- a mandatária, notificada, indicou a morada do Executado, para realização ali da citação.

Respondeu o Exequente, pugnando pela improcedência da arguição de nulidade, para o que argumentou que:

- a citação do Executado foi efetuada nos termos gerais e consta nos autos, resultando do art.º 230.º do NCPCiv. que a citação postal efetuada ao abrigo do art.º 228.º se considera feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o A/R haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário;

- o Executado foi também citado através de AE, tendo sido utilizadas as moradas conhecidas do mesmo, ao que acresce que, tratando-se de execução de sentença nos próprios autos, colhe aplicação o disposto no art.º 247.º, n.º 1, do NCPCiv., segundo o qual as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.

O mencionado Executado veio ainda tomar posição, esgrimindo assim:

- a sua mandatária indicou a morada permanente daquele, situada na Noruega, em ... 11, ... ..., sendo que o Executado, por motivos de trabalho, tem de ausentar-se da sua residência por vários dias, uma vez que trabalha a bordo de um navio naquele país;

- não sendo possível, ou frustrando-se, a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo ou, não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória;

- o conhecimento efetivo da propositura da ação contra determinada pessoa traduz-se na primeira das garantias para o cumprimento dos princípios do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;

- por isso, o Executado deverá ser citado por via do consulado mais próximo da sua residência permanente na Noruega.

Por subsequente despacho – o aqui recorrido –, proferido em 26/10/2022, foi assim decidido:

«Requerimento de 13-06-2022 - O executado AA veio invocar a nulidade da citação, uma vez que à respetiva Mandatária apenas foram conferidos poderes gerais, pelo que não pode receber a citação em nome do executado.

O exequente pugnou pela validade da citação efetuada.

Compulsados os autos, verifico que:

- a presente execução tem por fim a prestação de facto, sendo o título executivo sentença condenatória judicial;

- o executado foi citado por via postal registada em 11-03-2022 (conforme se retira da citação de 9-03-2022 e do aviso de receção junto em 23-05-2022, assinado por CC);

- notificado o executado para informar se mantém interesse na apreciação da nulidade da citação arguida, face aos documentos mencionados no parágrafo anterior, o mesmo respondeu afirmativamente, tendo impugnado tais documentos.

Cumpre apreciar e decidir.

O artigo 228.º do CPC dispõe que:

"1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.

2 - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.

3 - Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação."

Da factualidade indicada acima retira-se que foram observados todos os requisitos da citação recebida por terceiro, nomeadamente a identificação do mesmo.

Acrescenta o artigo 230.º, n.º 1, que "a citação postal efetuada ao abrigo do artigo 228.º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário".

Assim, não tendo o executado invocado que nunca teve conhecimento da citação em apreço, presume-se, nos termos da referida disposição, que a carta de citação lhe foi tempestivamente entregue.

'Para além disso, de nada vale a impugnação genérica efetuada pelo executado aos documentos de citação, uma vez que tal não equivale a invocar a falsidade dos mesmos nem à impugnação específica da veracidade da sua letra ou assinatura.

Face ao exposto, indefiro a nulidade invocada pelo executado, por inadmissibilidade legal, e julgo o mesmo validamente citado para os termos da execução.

Notifique.».

É, pois, deste despacho que, inconformado, vem o Executado/Reclamante interpor o presente recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([1]):

«a) Nos presentes autos de execução a procuração junta tem apenas poderes gerais, pelo que não poderá a parte – AA – ser citado na pessoa da sua mandatária, uma vez que não está munida de uma procuração com poderes especiais para o efeito.

b) Assim, conclui-se pela nulidade da citação do executado AA efectuada na pessoa da sua mandatária nos termos do artigo 225º/5 do CPC que nos remete para o artigo 191º do CPC.

c) A representação fiscal é o elo de ligação entre contribuinte não residente e a AT, fazendo o representante fiscal nomeado pelo contribuinte, em termos práticos, o papel de um procurador local do contribuinte junto da AT, para questões de natureza tributária., artigo 18º. 3 da LGT.

d) O executado não reside em Portugal, e por esse facto teve que nomear um representante fiscal.

e) O representante fiscal, como determina a própria nomenclatura destina-se única e exclusivamente a fazer o elo de ligação entre a AT e o representado, não lhe cabendo quaisquer efeitos de representante legal.

f) O representante fiscal do executado, devolveu toda a documentação para o sr AE, facto do qual não foi informado o processo até hoje.

g) Conclui-se assim que, deve o Douto despacho ser revogado e, em consequência ser o executado citado na sua residência.

h) Ora, logo no seu nº1, este dispositivo é muito claro no que se refere: citação enviada para a residência ou local de trabalho do executado.

i) Ainda assim, é necessário que a pessoa que assina o A/R declare que está em condições de a entregar ao citando.

e) Não consta dos autos, qualquer prova desta menção ao assinante do A/R, apenas um A/R assinado a 23/05/2022.

f) Pelo que, e também com este fundamento deve ser revogado o Douto despacho e ordenada a citação para a residência do executado.

g) Ora, como se prova pelas consultas às várias bases de dados, a residência do executado é na Noruega, sendo para aí que a sua citação tem que ser efectuada, e em consequência ser revogado o Douto despacho de que ora se recorre, pela citação enfermar de nulidade.

(…)

Nestes Termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Douto despacho proferido no tribunal a quo, assim se fazendo serena, sã e objectiva.

Justiça».

Não se mostra junta contra-alegação de recurso.

Após reclamação contra a não admissão do recurso, este veio a ser admitido pela Relação, como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos ao Tribunal ad quem.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento da matéria recursória, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito recursório ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, o thema decidendum consiste em saber, apenas, se está demonstrada a pretendida nulidade da citação em ação executiva para prestação de facto fundada em decisão judicial condenatória.


***

III – Fundamentação fáctico-jurídica

A) Da materialidade fáctica relevante e...

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