Acórdão nº 1822/23.0T8CVL.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 20-02-2024

Data de Julgamento20 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão1822/23.0T8CVL.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ)
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Rui Moura
Moreira do Carmo

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(…)

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 21.12.2023, AA intentou o presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse contra BB, relativamente ao veículo com a matrícula ..-..-AP.

Alegou, em síntese: é dona do referido veículo automóvel, que se encontrava na sua posse exclusiva desde 01.6.2023; terminou a relação de namoro com o requerido no dia 27.10.2023; então, este tirou-lhe a chave do veículo com recurso a força física e recusou devolver-lha; desconhece a localização da viatura, agora, já registada em nome da mãe do requerido, sem que a requerente assinasse declaração de venda.

Determinou-se a não audição prévia do requerido.

Produzida a prova (documental e pessoal), a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, por sentença de 29.12.2023, julgou o procedimento cautelar totalmente improcedente, decidindo não decretar a providência cautelar de restituição provisória da posse à requerente do veículo automóvel com a matrícula ..-..-AP.

Dizendo-se inconformada, a requerente apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - A Requerente/Recorrente, não concorda com a fundamentação e consequente Decisão no que concerne ao julgamento dos Pontos b) a e) e g) a n) dos factos indiciariamente não provados, impugnando, portanto, os mesmos.

2ª - Quanto às alíneas b), e), g), i) e k) a n) além das declarações prestadas pela própria Requerente foi também ouvida a testemunha CC, sua tia, a qual depôs sobre esta matéria, a qual corroborou o depoimento da Requerente, sendo ambos os depoimentos prestados de forma isenta, coerente e credível.

3ª - Resulta das transcrições realizadas que a decisão a proferir quanto aos factos indiciariamente não provados teria de ser diversa.

4ª - E, assim, consequentemente, foram considerados erradamente como indiciariamente não provados os factos constantes das alíneas b), c), d), e), g), h), i), j), k), l), m) e n), devendo ser considerados como indiciariamente provados, face à prova produzida, nos seguintes moldes:

b) Desde ../../2023, que a viatura mencionada em 1) era utilizada pela Requerente, que com a mesma circulava, nas deslocações do seu dia-a-dia, para se deslocar de casa para o trabalho (...) e do trabalho para casa (... – ...), e visitar o Requerido, na sua residência na ... (...), sendo que o Requerido conduziu algumas vezes a viatura com a Requerente ao lado.

c) A Requerente e o Requerido mantiveram uma relação de namoro, durante cerca de 1 ano e que terminou no dia 27.10.2023.

d) No dia 27.10.2023, cerca das 20 horas a Requerente e o Requerido tiveram uma discussão e quando a Requerente pretendia ausentar-se da residência do Requerido, após lhe ter comunicado o término da relação, este agarrou-lhe a mão e retirou-lhe a chave da viatura aludida em 1), segurando-lhe os braços com força.

e) O Requerido retirou a chave da viatura à força à Requerente no dia 27.10.2023, não mais lha tendo devolvido”.

g) Entre os dias 28.10.2023 e 01.11.2023, a Requerente deslocou-se à ..., junto ao local onde a viatura aludida em 1) se encontrava estacionada para poder acionar o reboque e trazê-la para ....

h) A Requerente não possui a segunda chave da viatura.

i) No período temporal referido em g), o veículo mencionado em 1) não se encontrava no local onde se encontrava anteriormente estacionado, nem nas imediações próximas, desconhecendo-se a localização do mesmo.

j) no dia em que a Requerente se deslocou à GNR para efetuar o aditamento da queixa pelo furto da viatura teve conhecimento que a mesma já não se encontrava registada em seu nome.

k) O mencionado em 1) foi efetuado com recurso a falsificação da assinatura da Requerente e de documentos (não concretamente determinados).

l) A Requerente nunca assinou qualquer declaração de venda do veículo aludido em 1), nem efetuou qualquer acordo relativamente à alienação desse veículo.

m) A Requerente não tem meios para se deslocar da sua residência, sita em ..., para o seu local de trabalho sito em ....

n) O Requerido, anteriormente a 27.10.2023, conduziu a viatura algumas vezes, estando a Requerente ao seu lado.

5ª - A Sentença padece, assim, de erro de julgamento e de erro na aplicação do Direito aos factos provados nos termos e para os efeitos do art.º 639º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC).

6ª - Em relação ao Direito aplicável, a Mm.ª Juiz a quo, na fundamentação da Sentença, conclui que no caso concreto não se verificava a presença do elemento “animus possidendi” da posse naquilo que se materializa como sendo a intenção de o agente atuar como titular de um direito real de gozo.

7ª - Não podemos discordar mais desta conclusão, visto que, a Requerente explicitou e está convicta, que a forma como lhe foi restringida a posse da viatura em causa afeta a sua esfera jurídica e, como tal, a mesma merece a tutela do Direito.

8ª - E, face aos art.ºs 1252º, n.º 1 e 1257º, n.º 2, do Código Civil (CC), a mesma sempre beneficiaria da presunção da possuidora de facto, a qual não foi julgada a seu favor pelo Tribunal ainda que tivessem sido alegados e provados factos que concluem pela posse efetiva.

9ª - Mais, o art.º 1268º do CC dispõe que “O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.”.

10ª - A Requerente beneficiou do registo de propriedade a seu favor até este ter sido alterado, no dia 06.11.2023, sem o seu consentimento.

11ª - Já quanto aos requisitos do esbulho, os factos alegados consubstanciam atos que impediram a Requerente de ter acesso, continuar a usar e fruir da viatura, não sendo estes meros atos turbadores da posse, mas sim consubstanciadores de um verdadeiro esbulho violento.

12ª - Os requisitos para a decretação do procedimento cautelar de restituição provisória da posse encontram-se preenchidos e como tal, a Sentença violou os art.ºs 377º do CPC e 1279º, 1252º, n.º 1, 1257º, n.º 2 e 1268º do CC, devendo ser alterada no sentido de julgar indiciariamente como provados os factos das alíneas b) a e) e g) a n), como referido atrás e, em consequência, decretar o procedimento cautelar de restituição provisória da posse da viatura à Requerente, ordenando a restituição da viatura, com auxílio das autoridades policiais, para localização e apreensão da mesma.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, há que apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito, cuja modificação depende da eventual alteração da decisão de facto (pressupostos para o decretamento da providência).


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II. 1. A 1ª instância considerou indiciariamente provado:

1) A propriedade do veículo automóvel de marca ...”, com a matrícula ..-..-AP, encontra-se registada em nome de DD, pelo registo de propriedade n.º ...97, de 06.11.2023.

2) Anteriormente a 06.11.2023, a propriedade do veículo aludido em 1) encontra-se registada em nome da requerente, pelo registo de propriedade n.º ...41, de 28.7.2023.

3) No dia 28.10.2023, a requerente deslocou-se à GNR - Posto territorial de ... e apresentou queixa pelo “furto da chave do veículo” aludido em 1).

4) Em 07.11.2023, foi elaborado “aditamento” ao auto de notícia referido em 3) – o qual se encontra junto aos autos como documento n.º 5 (requerimento inicial).

5) O preço de aquisição do veículo aludido em 1) foi pago integralmente pelo requerido, sem prejuízo do mencionado em 2).

6) Foi cobrada, pela via verde, uma portagem referente à viatura mencionada em 1), datada de 27.10.2023.

7) O veículo aludido em 1) encontra-se seguro, nas seguintes companhias e apólices:

 “Z... PLC – Sucursal em Portugal”, de 21.11.2023 a 20.02.2024, com a apólice n.º ...22;

 “G... S. A.”, de 31.5.2023 a 19.6.2024, com a apólice n.º ...51.

2. E deu como indiciariamente não provado:

a) DD é mãe do requerido.

b) Desde 01.6.2023, que a viatura mencionada em 1) era utilizada em exclusivo pela requerente, que com a mesma circulava.

c) A requerente e o requerido mantiveram uma relação de namoro, durante cerca de 1 ano e que terminou no dia 27.10.2023.

d) No dia 27.10.2023, cerca das 20 horas a requerente e o requerido tiveram uma discussão e quando a requerente pretendia ausentar-se da residência do requerido, após lhe ter comunicado o término da relação, este agarrou-lhe a mão e retirou-lhe a chave da viatura aludida em 1), segurando-lhe os braços com força.

e) O requerido negou devolver a chave do veículo mencionado em 1).

f) A requerente com receio do que o requerido pudesse fazer, visto que se encontrava exaltado e agressivo, acabou por abandonar a residência deste e, sem meios para regressar a casa, teve de recorrer ao auxílio de terceiros para a irem buscar à ... e trazê-la de regresso à sua residência em ....

g) Entre os dias 28.10.2023 e 01.11.2023, a requerente deslocou-se à ..., junto ao local onde a viatura aludida em 1) se encontrava estacionada para poder acionar o reboque e trazê-la para ....

h) A requerente não possui a segunda chave da viatura.

i) No período temporal referido em g), o veículo mencionado em 1) não se encontrava no local onde se encontrava anteriormente estacionado, nem nas imediações próximas, desconhecendo-se a localização do mesmo.

j) No dia 08.11.2023, a requerente verificou do aludido em 1).

k) O mencionado em 1) foi efetuado com recurso a falsificação da assinatura da requerente e de documentos (não concretamente determinados).

l) A requerente nunca assinou qualquer declaração de venda do veículo aludido em 1), nem efetuou qualquer acordo relativamente à alienação desse veículo.

m) A requerente não tem meios para se deslocar da sua residência, sita em ..., para o seu local de trabalho sito em ....

n) O requerido nunca...

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