Acórdão nº 1822/19.4TXLSB-L.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 06-07-2023

Data de Julgamento06 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão1822/19.4TXLSB-L.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência os Juízes da 9ª secção criminal deste Tribunal da Relação

I. RELATÓRIO
Inconformado com a sentença de 3-02-2023, proferida nestes autos de processo liberdade condicional com o n.º 1822/19.4TXLSB-C, que decidiu não lhe conceder a liberdade condicional, dela veio interpor recurso o arguido:
ALM, nascido em 15-04-1981, casado, filho de AM e de MCM, natural de Vila Nova de Souto d' El-Rei, Lamego, residente antes da reclusão na Rua …, Torres Vedras, actualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Lamego (atenta a informação com a ref.ª citius 630977).
*
As razões da sua discordância encontram-se expressas nas conclusões da motivação do recurso, que em seguida se transcrevem:
1. A decisão aqui questionada não é passível de ser aceite de ânimo leve e, sem pugnar pela sua alteração, atendendo ao percurso positivo do Recorrente dentro do Estabelecimento Prisional de Alcoentre nela destacado, os mui positivos relatórios da DGRS e o relatório dos SEE do EP, o voto positivo da Área do Tratamento Penitenciário e Serviço de Reinserção Social em sede conselho técnico contra apenas os votos negativos dos Serviço de Vigilância e Segurança e do Diretor do Estabelecimento Prisional – que de resto se mostram incompreensíveis.
2. Discordando assim da douta sentença, por entendermos que foram desconsiderados todos os aspetos positivos e atenuantes, principalmente no que concerne à análise da conduta do Recluso desde a sua detenção.
3. Na verdade foi feita tábua rasa do Relatório Social para Concessão da Liberdade Condicional, elaborado pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (D.G.R.S.P.), decidindo em sentido contrario ao parecer daquela entidade apesar de sublinhar as competências favoráveis do Recluso que lhe permitirão promover um modo de vida socialmente integrado na vida em liberdade como refere o Relatório Social elaborado pela D.G.R.S.P.
4. De facto aquele organismo concluiu que:
“ALM aparenta ter registado um processo de socialização com indicadores positivos, assim como, aparentemente, ter desenvolvido um percurso adaptado e responsável até ao envolvimento no processo conducente à prisão.
Detém condições de reinserção favoráveis aos níveis familiar, social, habitacional e de empregabilidade.
Apesar de subsistirem, aos níveis pessoal e de saúde, necessidades de reinserção social relacionadas com apreciações mais egocêntricas acerca da causalidade e consequência dos seus comportamentos criminais, afigurasse-nos que estas poderão ser minimizadas em meio livre com o suporte contentor que dispõe por parte da família e a toma regular de medicação prescrita pela valência de psiquiatria.
Acrescem a estes aspetos, o percurso prisional associado à pró-atividade na preparação da sua liberdade e a ausência de anomalias durante os momentos de reaproximação ao exterior.
Face ao exposto, entendemos que o condenado reúne condições para a execução da medida de flexibilização da pena, pelo que somos de parecer favorável à sua concessão.”
5. Sendo que o prisional do Recorrente fala por si:
“O recluso tem passado criminal sendo esta a sua 1ª reclusão. Beneficiou de Medidas de Flexibilização da Pena, 2 L.S.J. e 2 L.C.D. o que importa no sentido de testar o seu comportamento, nomeadamente a sua adesão a comportamentos normativos, em liberdade. Tem um percurso disciplinar sem infracções disciplinares registadas. Investiu na sua permanência no E.P. em termos laborais. Demonstra consciência crítica face aos factos por cuja prática foi condenado. Não demonstrou capacidade em alterar o seu percurso de vida. Apresenta problemática de saúde, supra descrita, controlada em meio prisional.”
6. Ora, a verdadeira função liberdade condicional no sistema no sistema punitivo reside efetivamente numa incondicional proibição de excesso que pode resultar em função da alteração das exigências de prevenção com o decorrer do cumprimento da pena.
7. Não podendo nos conformar, com a interpretação de que são ainda acentuadas as exigências de Prevenção Geral e de Prevenção Especial.
8. O Relatório Social reconhece claramente o potencial de reinserção social recorrente, desde que este mantenha o acompanhamento clínico, para a interiorização do bem jurídico em causa bem como para a intervenção ao nível do desenvolvimento de competências essencialmente centradas no pensamento consequencial e resolução de problemas, essenciais para o processo de tomada de decisão, de forma a concretizar um processo de reintegração social condigno com as normas sociais.
9. É dito no referido relatório que o condenado no estabelecimento prisional tem revelado uma postura adequada, cordial e colaborante em sede de atendimento assim como boa capacidade de integração e adaptação no relacionamento com os pares, serviços de vigilância e técnicos. Não tem sanções averbadas no seu registo disciplinar, tendo desempenhado desde o primeiro momento actividade laboral no estabelecimento, a receber acompanhamento em consulta de psicologia e psiquiatria, cumprindo a terapêutica prescrita.
10. O Recorrente está ainda inserido familiar e socialmente, tendo uma companheira que ficou sozinha e a cardo das duas filhas menores.
11. Aliás, resulta do relatório social o impacto negativo que a privação de liberdade teve para o seu agregado familiar a nível financeiro mas sobretudo emocional.
12. Todavia, o que de mais relevante resulta do relatório social, quer para efeitos da prevenção geral quer para a prevenção especial que não existindo indicadores de alarme social não sendo esperadas reações adversas ao condenado no meio sociocomunitário” e bem assim que “ o condenado tem consciência da gravidade da situação processual em que se encontra envolvido, reconhece os factos constantes na acusação como crime e manifesta consciência crítica face a questões de natureza ilícita de forma geral.
13. Para que se faça justiça, pede-se, como a lei prevê, que se faça uma análise global dos factos, do agente, e das necessidades de Prevenção Geral e de Prevenção Especial e não apenas às que resultam de clara fragilidade na sua saúde mental.
Termos em que e, demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente
Recurso e, por via dele, ser Revogada a Decisão Recorrida, e substituída por outra que lhe conceda a Liberdade Condicional.
V. Ex.ªs, no entanto, melhor decidirão e farão, com sempre, a habitual Justiça.
(fim de transcrição)
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O recurso foi admitido com subida em separado, imediatamente e com efeito meramente devolutivo – art.º 235º, 238º n.º 2 e 3 do mesmo Cód. de Execução de Penas e 414º do Cód. de Proc. Penal. (despacho com a ref.ª citius 9860252)
*
O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
1. a decisão recorrida não concedeu a liberdade condicional ao ora recorrente, por referência ao meio da pena (atingido em 17/12/2022), estando em causa a prática de 4 crimes de incêndio florestal, 3 deles agravados;
2. há que considerar as exigências de prevenção especial, porquanto será necessária a consolidação do seu percurso penitenciário, para uma melhor avaliação da real motivação e capacidade para a mudança comportamental, devendo o recorrente (bombeiro profissional, à data dos factos) evoluir no sentido colmatar as suas fragilidades pessoais [nomeadamente, as associadas aos transtornos de ordem psíquica (problemas graves de ansiedade) de que padece] e interiorizar o sentido da pena e a gravidade das suas condutas, de forma a não as repetir, para além de continuar ser testado em meio livre através do gozo de licenças de saída, já iniciado;
3. o recorrente está a cumprir pena pela prática de crimes graves (incêndios florestais), pelo que deve demonstrar (o que ainda não sucedeu) um percurso prisional consolidado, devidamente testado e revelador de que atingiu as diversas etapas do tratamento penitenciário;
4. as necessidades de prevenção geral são elevadas e imperiosas, atenta a natureza dos crimes em causa, a frequência da sua prática e as suas repercussões ao nível da comunidade em geral, tornando-se necessário dissuadir a prática deste tipo de condutas e premente a reposição da confiança dos cidadãos no efeito tutelar das normas violadas;
5. a continuação da execução da pena impõe-se para que haja consolidação do efeito de pacificação, decorrente da tranquilização da consciência jurídica geral, iniciada com a imposição de sanção adequada;
6. assim, exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico impedem para já a liberdade, ainda que condicionada, a qual seria mal tolerada pela comunidade globalmente considerada;
7. a concessão da medida, antecipando a liberdade quando ainda faltam mais de 3 anos para o termo da pena, não seria compreendida pelo cidadão comum e afrontaria, sem dúvida, as finalidades que devem presidir à execução da pena de prisão, deixando sem tutela eficaz os bens jurídicos protegidos;
8. a decisão recorrida fez correta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art.º 61º n.ºs 2 als. a) e b) do Código Penal, pelo que deve ser mantida.
Contudo V. Ex.ªs, decidindo, farão, como sempre JUSTIÇA
(fim de transcrição)
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Neste Tribunal da Relação, pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, foi emitido parecer, nos termos seguintes (transcrição parcial):
(…) Confrontados os fundamentos do recurso e a douta decisão recorrida, em consonância com a resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância, conforme melhor se alcança do teor da argumentação expendida na peça com REF. 1808878, sou do entender que a mesma deve ser mantida.
Por conseguinte, dispensando aduzir demais considerandos e acompanhando a completa e bem elaborada resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância, sou de parecer que ao recurso interposto pelo arguido ALM deve ser negado provimento, julgando-o improcedente e confirmando-se a douta decisão
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