Acórdão nº 1821/22.9T8ALM.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-04-18

Data de Julgamento18 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão1821/22.9T8ALM.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Autora recorrente: JF, Unipessoal, Lda.
Ré recorrida: HV.
A autora instaurou ação de condenação sob a forma comum de declaração formulando o seguinte pedido: ser a ré condenada no pagamento da quantia de €24.935,47 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, até integral e efetivo pagamento desde a data da entrega da obra por parte da empreiteira, que era a autora.
Para fundamentar a ação invocou que no dia 3 de Julho de 2018 autora e ré celebraram um contrato de empreitada que tinha por objeto a construção de uma moradia unifamiliar no lote 145 D, na Rua …. A obra iniciou-se em 25-09-2018 e foi concluída e entregue à dona da em 03-07-2019. A Ré aceitou a obra.
A empreitada foi adjudicada pela quantia de €149.755,10, encontrando-se por liquidar o montante de €24.935,47, ora peticionado, que a ré não pagou alegando defeitos e atrasos da obra, que a autora entende serem inexistentes.
Foi junta procuração pela qual foram concedidos aos mandatários da autora poderes forenses gerais.
A ré contestou, aceitando a celebração do invocado contrato, mas referindo que existem defeitos da obra, em cuja reparação gastou a quantia de 4.560€, ao que acrescem as penalizações previstas pelos atrasos verificados na conclusão da obra, que ascendem a 27.404,25€.
Assim, fazendo operar a compensação com o que é devido à autora por via do contrato, resulta um crédito a favor da ré, no valor de 7.028,78€ que a autora deve ser condenada a pagar à ré, formulando pedido reconvencional de condenação daquela nesse montante.
Com a contestação foi junta procuração pela qual foram concedidos ao mandatário da ré poderes forenses gerais e ainda os especiais para confessar, desistir e transigir.
A autora apresentou réplica na qual impugnou o alegado pela ré para fundamentar o pedido reconvencional.
Foi proferido despacho saneador que julgou tabelarmente verificados os pressupostos processuais e admitiu o pedido reconvencional.
Enunciaram-se o objeto do litígio e os temas da prova.
Foi designada data para a audiência final.
Na data designada foi lavrada ata da qual consta a presença do legal representante da autora JF, do Mandatário da autora Dr. AB, da ré HV e do Mandatário da ré Dr. PN.
Consta também da ata o seguinte:
Logo de seguida foi pela Mma. Juiz perguntado às partes sobre a possibilidade de acordo, ao que referiram que até ao momento não tinham conseguido.
Após algumas questões colocadas pela Mma. Juiz, as partes solicitaram tempo para conversar sobre a hipótese de acordo, tempo que o Tribunal deferiu.
***
Retomada a presente audiência de Julgamento às 10H50, foi logo de seguida pelas partes declarado terem chegado a acordo nos seguintes termos:
1. A Autora pagará à Ré a quantia de €7.000,00 (sete mil euros).
2. Com o referido pagamento, as partes declaram nada mais terem a receber uma da outra, tendo por objeto o litígio dos autos.
3. O pagamento será efetuado em duas prestações no montante de €3.500.00 (três mil e quinhentos euros) cada, sendo a primeira a liquidar até ao dia 05-07-2023 e a segunda a liquidar até ao dia 05-08-2023.
4. O pagamento será efetuado através de transferência bancária para o NIB …226, conforme comprovativo que ficará nos presentes autos.
5. Custas a meias, prescindindo Autora e Ré de custas de parte.
***
Seguidamente foi pela Mma. Juíza proferida a seguinte:
SENTENÇA
Atento o objeto da presente ação, a qualidade dos intervenientes, que para o efeito têm legitimidade e os necessários poderes, bem como o cumprimento da forma legal, julgo válida a transação celebrada e, em consequência, absolvo e condeno as partes nela intervenientes nos seus precisos termos (artigos 283.º, n.º 2, 284.º, 289.º, n.º 1, e 290.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).
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Declaro extinta a instância, por força do disposto no artigo 277.º, alínea d), do Código de Processo Civil.
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Custas conforme acordado, nos termos do artigo 537.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Consigna-se que o valor da causa foi fixado através de despacho saneador proferido em 16-01-2023.
Registe e notifique.
***
Logo de seguida e pelas 10:56 horas foi pela Mma. Juíza dado por encerrada a presente audiência.
De tudo foram os presentes notificados que declararam ficar cientes”.
*
Inconformada com a sentença homologatória proferida, apelou a autora, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
1. A recorrente insurge-se contra a sentença que homologou a transação das partes e que em consequência, absolveu e condenou as partes nela intervenientes nos seus precisos termos.
2. Na verdade, sobre uma qualquer transação judicial terá sempre de recair uma sentença homologatória, sem o que o acordo das partes não produz efeito – cfr. art.º 300º, n.º 3 CPC;
3. A função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, essa fica na disposição das partes, mas apenas fiscalizar a regularidade e a validade do acordo. E por isso se diz que a verdadeira fonte da resolução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença homologatória do proferida pelo Juiz;
4. Logo no início da diligência o legal representante da Autora foi encaminhado pelo oficial de justiça para a sala das testemunhas onde ali permaneceu grande parte do tempo, desconhecendo tudo o que se passava no interior da sala de audiências;
5. A Autora nunca teve conhecimento de quaisquer diligências na obtenção de um acordo, nunca conheceu os termos do acordo e mais importante nunca deu o seu aval, a sua concordância, a tal acordo.
6. Nunca o Tribunal lhe leu o acordo, nunca a senhora Juiz lhe perguntou se o mesmo concordava com os termos exarados pelo seu mandatário.
7. Só no exterior do tribunal é que o seu advogado, lhe referiu que houve um problema com a taxa de justiça e que a opção era entre pagar €31.000,00 ou €7.000,00 e que este fez o melhor possível.
8. É verdade que do Texto da acta resulta quem estava presente, e na qual consta a presença do legal representante da autora, o sr. JF;
9. É verdade que resulta do texto da acta que «retomada a presente audiência de julgamento às 10h50. Foi logo de seguida pelas partes declarado terem chegado a acordo nos seguintes termos». Mas quando a acta se refere às partes, devia referir-se aos mandatários das partes, pois o legal representante da Autora, esteve todo o tempo não no interior da sala de audiências, mas sim colocado na sala das testemunhas!!
10. E quando foi chamado á sala de audiências não ouviu os termos do acordo, pois estes já tinham sido ditados e apenas se apercebeu da parte final, sendo que em momento algum alguém lhe explicou ou lhe perguntou algo sobre o acordo, desde logo se concordava com o mesmo.
11. É, pois, aqui que falha a sentença homologatória, falha ao não sindicar da validade da transação, não tanto da substância do objecto, mas da legitimidade dos outorgantes.
12. E este é o vicio da própria sentença homologatória, que não cuidou de aferir se a Autora, parte legitima na acção, dava ou não dava o seu acordo à transacção que o seu mandatário acabara de informar o tribunal, com pleno desconhecimento da Autora.
13. No caso em apreço a parte não estava presente, ou seja, não estava na sala de audiências, antes tinha sido encaminhada pelo Oficial de Justiça para a sala das testemunhas, razão pela qual não foi tida nem achada no presente acordo, e não lhe tendo sido lido e explicado os referidos termos e no final perguntado se concordava com os mesmos, não pode o mesmo valer contra ele.
14. Os mandatários judiciais representam a parte em todos os actos e termos do processo, sem prejuízo das disposições que exijam a outorga de poderes especiais pelo mandante – art.º 44º, nº 2, CPC.
15. Com efeito, aqueles só podem transigir sobre o objecto da acção quando estejam munidos de procuração que os autorize expressamente a praticar tal acto – art.º 45º, nº 2.
16. Caso na transacção não intervenha a parte (no caso concreto, porque estava na sala das testemunhas e não na sala de audiências) mas o seu mandatário judicial, este com falta de poderes ou munido de mandato irregular, ocorre nulidade – nulidade esta que, contudo, embora de cariz substantivo porque derivada da celebração de negócio marginalmente aos poderes representativos conferidos e de cariz processual porque materializadora de um acto revel à norma daquele art.º 45º, nº 2, é suprível mediante ratificação, ainda que presumida, nos termos do nº 3, do art.º 291º, CPC.
17. Uma coisa é, pois, a nulidade da transacção enquanto contrato, com fundamento em qualquer dos vícios invalidantes de negócios jurídicos da mesma natureza. Outra coisa é a nulidade processual, com fundamento na prática de acto não admitido por lei ou na omissão de acto ou de formalidade prescritos na lei.
18. A arguição e conhecimento desta regem-se pelo regime da nulidade dos actos e omissões emergente dos art.ºs 195º e sgs., do CPC.
19. Ora, a falta de especiais poderes de representação do mandatário forense (advogado) para poder em nome da parte mandante outorgar a transacção tem uma dimensão processual na medida em que viola o disposto no nº 2, do art.º 45º, do CPC, mas, ao mesmo tempo, uma dimensão substantiva, porquanto o negócio celebrado por aquele, sem poderes para tal, é ineficaz em relação a este se não for por ele ratificado, como decorre do nº 1, do art.º 268º, nº 1, CC.
20. De facto, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
21. O que, afinal, permanece originariamente inquinado, e porventura carente de notificação para ratificação, é a própria transacção e bastava a mesma ter sido lida e explicado o seu conteúdo à parte e
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